Os últimos anos se revelaram sombrios nos canteiros da Andrade Gutierrez. Envolvida na Operação Lava-Jato, a construtora assinou em dezembro de 2018 um acordo de leniência com a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Controladoria-Geral da União (CGU) com o compromisso de devolver R$ 1,49 bilhão aos cofres públicos. A página vai sendo virada e neste ano a empresa iniciou um programa de reestruturação de dívidas, de R$ 4,8 bilhões. Como parte do processo, a companhia anunciou na sexta-feira (7) a negociação de venda de sua participação de 14,86% na CCR, após uma oferta da IG4 Capital Investimentos. A intenção é “desalavancar o grupo como um todo”, disse uma pessoa ligada ao processo à DINHEIRO, pois a empresa já estava com a estrutura de capital desbalanceada, com dívida muito alta em relação ao atual tamanho da operação.

No comunicado enviado à CCR, a Andrade Gutierrez revelou a oferta de R$ 15,44 por ação, em um total de R$ 4,6 bilhões. A proposta contempla ainda uma cláusula de pagamento com base no desempenho do negócio após a efetivação da transação, o que pode elevar o preço – calcula-se em até R$ 5 bilhões. “Confirmada a operação, a situação de dívida líquida fica bem mais confortável”, afirmou pessoa a par da negociação.

A Andrade Gutierrez é detentora de 300 milhões de ações da CCR. Os grupos Mover (ex-Camargo Corrêa), com 14,86%, e Soares Penido, com 15,05%, têm 30 dias para exercer os direitos de preferência de compra, como estipulado no acordo de acionistas – as demais ações (55,23%) são negociadas na B3. Caso não manifestem interesse na aquisição das ações pertencentes à Andrade Gutierrez, a transação será efetivada em 60 dias. Já a gestora IG4 Capital investimentos tem no seu portfólio a Iguá Saneamento, que venceu a disputa por um dos blocos da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro, além de empresas de infraestrutura no Chile e no Peru, entre outros negócios.

SORRISO PÓS-LAVA-JATO Presidente Ricardo Sena tem a missão de recolocar a Andrade Gutierrez nos trilhos após período turbulento com a Justiça. (Crédito:Ricardo Borges)

O Grupo CCR, antiga Companhia de Concessões Rodoviárias, é concessionário de infraestrutura, transporte e serviços, além de administrar rodovias no Brasil, com total de 3,9 mil quilômetros. No início de abril, a empresa arrematou as concessões do bloco central de aeroportos, com destaque para os de Goiânia, Palmas e São Luís, e as do bloco Sul (Curitiba, Foz do Iguaçu e Navegantes são os principais). O grupo agora administra um total de 15 aeroportos pelo País e já revelou interesse nas joias da coroa, Congonhas (São Paulo) e Santos Dumont (Rio de Janeiro), com leilão previsto para 2022. Além disso, o consórcio Viamobilidade, liderado pela CCR, venceu o leilão de concessão de duas linhas de trens (8-Diamante e 9-Esmeralda) da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos (CPTM). Com isso, ampliou a participação no setor, pois já controla as concessionárias que administram três linhas do Metrô – 4-Amarela, 5-Lilás e 17-Ouro.

RENASCIMENTO Apesar da situação adversa nos tribunais no passado recente de sua história de 72 anos, a empresa parece ter reencontrado o rumo no setor e foi escolhida em 2020, pelo terceiro ano consecutivo, a maior do ramo no País. No último triênio, contratou cerca de R$ 12 bilhões – no primeiro trimestre de 2021, já foram R$ 2 bilhões. Outros R$ 4,5 bilhões em propostas são analisadas por clientes 100% privados neste trimestre. Fazem parte da carteira de clientes da Andrade Gutierrez empresas como Brookfield, Equatorial, Patria, Siemens e Vale. “Tem um oceano azul para a Andrade Gutierrez surfar”, afirmou a fonte. A empresa prevê faturar R$ 4,6 bilhões neste ano. Em 2020, apesar da pandemia, foram R$ 3 bilhões, além de R$ 4,2 bilhões em 2019.

O especialista Filipe Ferreira, diretor financeiro na Comdinheiro, plataforma que oferece soluções para o mercado financeiro, acredita que a intenção central da Andrade Gutierrez é evitar risco de exposição à dívida. Segundo ele, a negociação das ações da CCR é uma saída para reequacionar a estrutura de capital, pagar dívidas caras, por exemplo, em dólar, e ficar com uma operação mais enxuta. “E a jogada também é enxugar o portfólio. E concentrar nos ativos que a empresa pode acompanhar mais de perto.” Ferreira destaca a necessidade de, às vezes, uma empresa ter que tomar decisão mais dura. “É um passo em busca da segurança.” Ao menos é o que esperam, mais uma vez, os 12 mil funcionários diretos da Andrade Gutierrez.