Por Marcela Ayres e Bernardo Caram

BRASÍLIA (Reuters) – Os fortes preços das commodities e a recuperação do mercado de trabalho formal ajudaram a melhorar as finanças públicas do Brasil, dizem analistas, aliviando preocupações com a saúde fiscal de curto prazo do país e contribuindo para a atração de fluxos de capitais estrangeiros.

Mas o impressionante superávit primário do setor público também está fornecendo argumentos a candidatos presidenciais de esquerda e direita que desejam revisar as regras fiscais do país após a eleição de outubro.

O presidente Jair Bolsonaro e seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, criticaram a regra constitucional do teto de gastos que tem sido fundamental para sustentar as finanças públicas desde a profunda recessão de 2015-2016.

Sem o teto, que limita o crescimento dos gastos federais à variação da inflação, o Brasil poderá em breve iniciar um novo capítulo em sua novela econômica.

“Com a regra do teto fica fácil prever o comportamento da dívida”, disse Luciano Sobral, economista-chefe da Neo Investimentos. “Mas ninguém acha que o teto vai sobreviver no ano que vem, seja com Lula seja com Bolsonaro. Não sabemos o que vai entrar no lugar.”

A receita do governo federal subiu 26% no primeiro trimestre –quase 15% acima da inflação- o que ajudou a elevar o superávit primário do setor público para 1,4% do PIB nos 12 meses até fevereiro, segundo dados do banco central divulgados na semana passada.

Em vez de comemorar as finanças robustas, Bolsonaro atacou as regras que mantinham o “excesso de arrecadação” fora de seu alcance.

“Você não pode usar um centavo disso na infraestrutura dado a emenda constitucional do teto lá atrás”, disse Bolsonaro em entrevista de rádio no mês passado. “Isso daí muita gente discute que tem que ser alterado alguma coisa; a gente vai deixar para o futuro, depois das eleições, discutir essa questão.”

Seu rival Lula, que lidera as pesquisas, também não esconde intenção de mexer no teto de gastos, dizendo que sua prioridade é a redução da pobreza em vez de metas fiscais.

Até agora, os investidores têm se mostrado otimistas com o risco de mudanças na política fiscal, encarando o Brasil como uma aposta ainda relativamente segura em meio à guerra na Ucrânia e à nova onda de Covid-19 que abala a China.

As entradas líquidas de capital para portfólio no Brasil totalizaram 5 bilhões de dólares nos primeiros três meses deste ano, ajudando a fortalecer a moeda brasileira em quase 10% em relação ao dólar no acumulado do ano, mesmo após uma recente depreciação.

A experiência de cinco anos do Brasil com um teto de gastos mostra que a regra tem sido fundamental para uma melhor posição fiscal, disse Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter.

Ela observou que, como tem ocorrido este ano, o último surto de inflação de dois dígitos do país, no final de 2015, também ajudou a aumentar receita do governo, mas que naquele momento, quando não havia ainda o teto, esse crescimento foi mais do que compensado pela escalada dos gastos.

“O aspecto quantitativo melhorou. Podemos criticar o qualitativo, a forma como essas despesas estão sendo contidas. A reforma administrativa e mais investimentos seriam muito mais adequados”, afirmou.

A inflação alta está alavancando as receitas, mas também há uma melhora estrutural em curso, frisou Vitória, que ressaltou a leve expansão econômica, os resultados robustos das empresas de commodities após a redução de seu endividamento e o crescimento do emprego formal, na esteira da recuperação tardia da atividade de serviços.

Autoridades do governo dizem que o Brasil também fez sua lição de casa com uma reforma trabalhista e novas regras para investimentos em infraestrutura, impulsionando o crescimento econômico e ajudando a superar as projeções fiscais.

Em sua última apresentação pública, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, destacou que a receita tributária continua com desempenho significativo em 2022 após um crescimento recorrente em 2021.

Segundo cálculos do BC, do aumento de 31% da receita nominal observado no ano passado, apenas 7 pontos são resultado de fatores não recorrentes.

Adolfo Sachsida, assessor especial do ministro da Economia, disse que economistas privados subestimaram a receita do governo nos últimos 20 meses consecutivos.

“O mercado está subestimando a força das reformas microeconômicas que fizemos”, disse. “Claro que também temos preocupações, mas convido a todos a olharem para os números. Os dados são claros, nossa melhora fiscal não é uma questão de opinião”, acrescentou.

Mas os dados pouco fizeram para mudar a opinião de Bolsonaro ou Lula quando se trata do arcabouço fiscal do Brasil no próximo ano.

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