Por Marta Nogueira

RIO DE JANEIRO (Reuters) – Jean Paul Prates assume o comando interino da Petrobras já sob pressão da União, acionista controladora, e por outros segmentos da sociedade por uma mudança nos rumos da política de preços de combustíveis, mas uma alteração significativa no curto prazo não é esperada por especialistas do mercado.

Além de limitações previstas em estatuto para que a Petrobras contribua com políticas públicas, uma ruptura brusca na trajetória de preços de diesel e gasolina atualmente poderia desequilibrar o mercado e causar riscos de desabastecimento, uma vez que o país é muito dependente das importações desses produtos.

“Com a mudança para o novo CEO, a gente não vê um impacto relevante de preços no curto prazo, não só pelas questões estatutárias… Ele mesmo (Prates) já deixou claro que não vai… deixar que a política de preços não siga um comportamento internacional”, disse o sócio-diretor da Raion Consultoria, Eduardo Oliveira de Melo.

A Petrobras elevou na véspera o valor da gasolina nas refinarias em 7,5%, mas analistas ainda veem espaço para novos reajustes.

Os preços do diesel da Petrobras considerando média nos principais polos de venda às distribuidoras no fechamento de quarta-feira está 2% abaixo da paridade de importação, enquanto a gasolina está 4% abaixo, segundo cálculos da Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom).

“Ele vai entrar já precisando pautar o assunto da precificação dos combustíveis”, disse o presidente-executivo da Abicom, Sérgio Araujo, pontuando que há uma tendência de aumento de preços do diesel e gasolina no mercado externo.

Mas a pressão do governo federal vem também em momento em que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem estudado meios para voltar a cobrar tributos federais sobre diesel e gasolina –este último previsto para ser retomado no fim deste mês– sem onerar o bolso dos consumidores.

Em declarações recentes, Haddad tem dito que aguarda a posse do novo CEO para encontrar uma solução junto à estatal.

Prates, por sua vez, tem defendido o fim da aplicação da paridade de importação para a formação dos preços da petroleira, mas diz que a empresa ainda assim seguirá indicadores internacionais.

Lula se elegeu criticando a atual política de preços de combustíveis da petroleira, prometendo promover mudanças quando assumisse.

Segmentos da sociedade, como sindicatos dos petroleiros da Petrobras, que apoiaram a eleição de Lula, e a Associação Brasileira das Empresas Aéreas (Abear), vêm pressionando pelo fim da paridade de importação.

Em declaração anterior, o presidente da Abear, Eduardo Sanovicz, afirmou ser “urgente a revisão do modelo de precificação do QAV (querosene de aviação)”, pois segundo ele 90% do combustível é produzido aqui, mas os consumidores pagam o preço de um produto importado.

Historicamente a Petrobras, que tem ações negociadas em bolsa, tem de lidar com tentativas de interferências políticas em suas estratégias e, desde 2016, conseguiu certa autonomia para adotar uma política de preços que segue indicadores internacionais, contribuindo com resultados financeiros positivos e uma abertura do mercado para outros investidores.

Grandes distribuidoras de combustíveis como Vibra, Raízen e Ipiranga investiram alto em infraestrutura de importação nos últimos anos, e hoje buscam parte de seu suprimento no exterior, tirando da Petrobras a responsabilidade de ser a única a abastecer o mercado.

A Petrobras também realizou a privatização da refinaria Rlam, na Bahia, que representa 14% da capacidade total de processamento de petróleo do país, em outro movimento que reduziu sua relevância no suprimento nacional.

A unidade, rebatizada de Mataripe, pertence hoje à Acelen, do grupo Mubadala Capital, que tem uma política de preços de combustíveis com atualizações mais frequentes do que a Petrobras.

Mas isso tudo não aconteceu sem percalços. Toda vez que os preços internacionais disparam, a petroleira tem sido atacada por segmentos políticos e da sociedade, como responsável por prejudicar a inflação. O PT defende que a petroleira contribua com uma estabilidade maior de preços.

IMPEDIMENTOS ESTATUTÁRIOS

Após grandes prejuízos por subsidiar preços de combustíveis a mando do governo no passado, o estatuto da Petrobras passou nos últimos anos a prever condições para que a companhia possa ter suas atividades orientadas pela União.

Dentre as exigências, o estatuto prevê que a companhia deverá ser compensada pelo governo, quando for chamada a realizar atividades de modo a contribuir para o interesse público.

“O desafio que ele (Prates) enfrenta é tentar conciliar uma visão de uma Petrobras moderna, gerando retorno para acionistas, com uma visão mais intervencionista do novo governo”, disse Paulo Valois, sócio do Schmidt Valois Advogados.

Valois pontuou que o governo precisa encontrar uma solução para evitar volatilidades de preços para consumidores por meio de política governamental.

“Essa situação passa pela Petrobras, mas é muito mais governamental do que simplesmente usar a Petrobras. O governo que tem que agir, o Congresso. Isso é política governamental. Ela (a Petrobras) não pode simplesmente chegar e limitar preço. Tem responsabilidades, governança, acionistas, Cade (Conselho Administrativo de Defesa Econômica), tem todo um mecanismo de governança que não permite.”

O diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE) Adriano Pires também falou contra uma possível intervenção estatal na Petrobras, defendendo que 2022 talvez tenha sido o melhor ano da história da companhia.

“Pagou impostos, royalties e participações especiais recordes. Além dos dividendos recordes para os seus acionistas. Bateu metas de produção ficando acima do centro da meta… Esses resultados mostram que a política de dar uma maior autonomia para a administração da empresa, sem um intervencionismo direto do governo, é o melhor caminho”, afirmou.

Para Pires, a indicação de Prates é boa, pois ele conhece o setor de óleo e gás e tem ainda um bom trânsito no Congresso. “Não dá para falar agora. Vamos esperar ele chegar. Mas eu acho que ele reúne todas as condições de fazer uma boa gestão”, concluiu.

Consultor de energia de longa data que se tornou político, Prates, aprovado pelo conselho da Petrobras como presidente interino da empresa até abril, foi escolhido por Lula para liderar uma mudança estratégica e voltar a empresa a mais projetos de energia renovável e investimentos em refino.

Crítico da atual política de dividendos, que distribuiu mais dinheiro que as gigantes globais do terceiro trimestre, o ex-senador petista já afirmou que a empresa é de longo prazo e que e não poderia ficar apenas explorando o pré-sal e distribuindo dividendos, sem pensar no que outras petroleiras estão fazendo.

(Por Marta Nogueira)

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