Por Anthony Boadle

BRASÍLIA (Reuters) – Os esforços do presidente Jair Bolsonaro para transformar um desfile militar do Dia da Independência em um evento político para sua campanha de reeleição se tornaram um teste de lealdade das Forças Armadas, segundo generais da reserva e analistas.

Bolsonaro está convocando apoiadores a participar de um comício em 7 de Setembro –menos de um mês antes da eleição presidencial– na praia de Copacabana, no Rio de Janeiro. Ele também determinou que os militares desfilem lá em vez do local habitual no centro da cidade.

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Isso vem alimentando preocupações de que o ex-capitão do Exército esteja arrastando os militares para a política para compensar sua baixa popularidade –uma reclamação cada vez mais ouvida tanto de críticos civis quanto de militares reformados.

“O presidente tem todo direito de mudar o local do desfile desde que não seja associado a uma atividade político-eleitoral. Juntar uma coisa com outra, e usar do poder para fazer isso, não tem nenhum cabimento”, disse o general da reserva Paulo Chagas. “É uma coisa inédita. As Forças Armadas têm que se manter isentas do processo político.”

A avenida à beira-mar de Copacabana não é uma rota apropriada para soldados e veículos blindados, afirmou Chagas, um oficial de cavalaria que desfilou quatro vezes a cavalo pela Avenida Presidente Vargas, no centro do Rio.

O papel das Forças Armadas na política é particularmente sensível dada a ditadura militar de 1964 a 1985 no país.

No ano passado, Bolsonaro demitiu seu ministro da Defesa e os três comandantes das Forças Armadas por resistência em fazer manifestações públicas de apoio político, segundo pessoas familiarizadas com o assunto.

“O populismo reacionário de Bolsonaro explora a fantasia de que ele encarna a vontade do povo identificada com as Forças Armadas. Daí o esforço por ele feito o tempo todo para obrigar as Forças Armadas a simularem adesão incondicional a ele”, disse Christian Lynch, professor de ciência política do IESP-UERJ, comparando seu uso do prestígio militar a um “parasita”.

O Palácio do Planalto e o Ministério da Defesa não responderam aos pedidos de comentários.

Os esforços de Bolsonaro para confundir as linhas entre poder político e militar também ocorrem à medida que ele aumenta os ataques aos principais tribunais e ao sistema eleitoral do país.

Bolsonaro tem feito alegações infundadas de fraude nas últimas eleições e ameaçou ignorar os resultados da votação de outubro, para a qual as pesquisas apontam derrota dele para o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

O presidente conseguiu que alguns oficiais do Exército ecoassem suas dúvidas sobre a integridade do sistema de votação eletrônica, aumentando o atrito com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Bolsonaro também propôs uma contagem paralela da votação por observadores militares.

Em várias ocasiões, Bolsonaro se referiu ao Exército brasileiro como “meu Exército”, chegando a afirmar que “tenho as Forças Armadas ao meu lado”.

Mas o analista político André César disse que isso não está tão claro.

“Bolsonaro não é unidade na caserna. Na ativa e entre os reformados ele tem muitas críticas, ele está perdendo pontos. Há um crescente desconforto com o comportamento dele”, disse César, sócio-fundador da consultoria política Hold Assessoria Legislativa, com sede em Brasília.

Carlos dos Santos Cruz, general da reserva que foi ministro de Bolsonaro em 2019, afirmou que pode causar repulsa nos brasileiros os esforços do presidente para cooptar o feriado que marca a independência do país há 200 anos.

“A população brasileira inteira sabe que o 7 de Setembro não é para fazer campanha política. É dia de celebração. Se houver conotação política, vai servir mais como algo contra ele por falta de seriedade”, disse Santos Cruz.

Nem todo mundo vê com tensão a ideia de uma celebração conjunta militar e civil.

Paulo Kramer, professor de política da Universidade de Brasília, minimizou os riscos de ruptura democrática envolvendo os atuais líderes militares do Brasil.

“Hoje os coronéis e generais dizem que não querem saber de golpe, porque a última vez que fizeram isso ficaram muito impopulares e as Forças Armadas levaram muito tempo para recuperar sua imagem. Hoje elas são talvez a instituição nacional mais valorizada, a mais bem vista”, disse Kramer.

No entanto, Bolsonaro, que deixou o Exército em 1988 em meio a episódios de agitação política e insubordinação, construiu sua identidade política em torno da nostalgia da ditadura e do desdém por certas instituições democráticas.

No Dia da Independência do ano passado, ele organizou manifestações de rua nas quais chamou a eleição de 2022 de “farsa” e ameaçou desobedecer ordens do Supremo Tribunal Federal. Muitos de seus apoiadores pediram o fechamento do STF e uma tomada militar do governo.

Na terça-feira, Bolsonaro pediu a seus apoiadores que compareçam novamente em massa para seu comício de 7 de setembro deste ano.

“Ninguém quer dar golpe, vai ter eleição. Mas queremos transparência”, disse o presidente em entrevista à Rádio Guaíba, de Porto Alegre, na qual repetiu as alegações falsas e sem fundamentos que faz frequentemente sobre o sistema eleitoral brasileiro e as urnas eletrônicas.

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