Bastou a vontade de Donald Trump para o Brasil realizar um feito histórico: deixar de ser emergente para se tornar um país desenvolvido. A mudança repentina de status não foi isolada e serve para outras 23 nações, entre as quais China, Índia, África do Sul e Colômbia. Todos retirados da lista de países em desenvolvimento na canetada da semana passada do presidente dos Estados Unidos. A alegação é de que os critérios que classificam as economias do globo estão ultrapassados. Assim, os EUA se colocam em condição de restringir benefícios comerciais aos países que se desenvolveram instantaneamente.

Sinal Amarelo Carlos Abijaodi, diretor da CNI, alerta para os riscos na cadeia produtiva com o anúncio do presidente Donald Trump. (Crédito:Alberto Rocha)

Há um argumento técnico por trás da manobra: alguns países retirados pediram adesão à OCDE, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, o que os afasta da categoria de emergentes. Ainda que o presidente Jair Bolsonaro tenha passado panos quentes na decisão do ídolo Trump, o tema repercutiu de forma explosiva. Para a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a medida é ilegal, negativa e ameaça a cadeia produtiva brasileira. “É sempre um risco quando disputas comerciais são resolvidas isoladamente por um único país”, diz Carlos Abijaodi, diretor de desenvolvimento industrial da CNI.

Do ponto de vista prático, a mudança não altera no curto prazo as relações comerciais entre os países, já que não há processos de medidas compensatórias contra o Brasil até agora. A decisão, porém, espelha estratégia maior de dominação das relações comerciais por parte de Trump. Em encontro com o presidente Bolsonaro em 2019, ele disse apoiar a entrada do Brasil na OCDE, desde que o País deixe o atual status (“em desenvolvimento”) que mantém na Organização Mundial do Comércio (OMC). Bolsonaro concordou, o que causou mal-estar com a Índia, que não queria também ceder à pressão. Ao deixar a lista de países em desenvolvimento da OMC, o Brasil perde tratamento diferenciado para cumprir determinações e proteger produtos nacionais.

Já a retirada pelos Estados Unidos de sua lista própria de emergentes afeta apenas investigações antissubsídios. Nesse caso, ações compensatórias só seriam adotadas em situações em que um produto brasileiro responda sozinho por mais de 4% das importações americanas do item, ou se os emergentes ultrapassassem 9% do total. Já os limites para os desenvolvidos são menores: 3% e 7%, respectivamente. Caso os EUA decidam que é preciso aplicar sobretaxa antissubsídio, ela vale a partir do momento em que o produto bate 1% do total. Para os desenvolvidos há tolerância de até 2%.

Após a retirada, Bolsonaro fez uma declaração de apoio a Trump, mas sem mencionar a perda de status do Brasil. “O cara diminuiu o desemprego, melhorou a economia, atendeu os latinos que já estão lá”, disse na terça-feira 11. A política de panos quentes após ameaças comerciais americanas até agora não causou prejuízos. O País deixou de ter o seu aço sobretaxado depois de Trump anunciar que faria isso devido a uma suposta política artificial do câmbio brasileiro.

INDÚSTRIA EM ALERTA A principal entidade do setor industrial brasileiro tem razão em se mostrar preocupada com impactos futuros. Ela avalia que as ações de Trump visam atingir a China, mas não descarta impactos para a economia brasileira. Ao minar sistemas multilaterais de resolução de conflitos, os EUA podem desequilibrar a concorrência internacional a seu favor. E isso acabaria levando o Brasil a sofrer efeitos colaterais. “Vamos ficar atentos à sequência de ações que podem prejudicar as exportações brasileiras”, diz Abijaodi, da CNI. “É mais um sintoma do gravíssimo problema para o qual o Brasil não olha com a devida atenção, que são os subsídios industriais praticados por vários países.” Segundo ele, é prioritário atualizar a legislação de medidas compensatórias que está parada no Executivo há sete anos. Mesmo que o Brasil tenha pouco poder para reagir caso sofra sanções comerciais americanas, novas regras podem ajudar a se proteger de importações turbinadas por subsídios de países como a China, o Vietnã e a Coreia do Sul, com a qual o Mercosul negocia acordo de livre-comércio. Negociadores da América do Sul e da Coreia se reuniram semana passada para discutir o acordo.

Hoje, o aço e a indústria de papel e celulose já sofrem algumas restrições nos EUA. O setor siderúrgico enfrenta cotas de importação, enquanto o de alumínio tem sobretaxas. A nova decisão de Trump abre caminho para mais sanções ou para a perda de benefícios de emergentes, como o Sistema Geral de Preferências. A resposta do Itamaraty, por sua vez, foi contemporizadora. “O escopo da medida anunciada pelos EUA é limitar o conjunto de países em desenvolvimento que tem tratamento mais favorável em decisões decorrentes de investigações de subsídios”, informou por meio de nota a entidade que representa a diplomacia brasileira, acrescentando que “monitorará os eventuais desdobramentos da matéria com atenção, à luz das disciplinas multilaterais aplicáveis”.