A relação entre multinacionais petrolíferas e ambientalistas nunca foi das melhores, mas os atritos entre a anglo-holandesa Shell e ONGs de proteção do meio ambiente ganharam escalas cinematográficas na semana passada. Durante assembleia de acionistas na terça-feira (23), ativistas do clima invadiram o centro de convenções da companhia, em Londres, e forçaram a suspensão da reunião. A revolta começou depois que 20% dos acionistas votaram contra a estratégia de descarbonização e transição energética da Shell para fontes limpas.

Segundo reportagem do jornal britânico Financial Times, dez segundos depois de o presidente do conselho, Andrew Mackenzie, iniciar seus comentários, ele foi interrompido pelo primeiro manifestante, que foi retirado do local da assembleia. A cada vez que um manifestante era retirado, outro se levantava. Depois de quase uma hora de interrupções consecutivas, de acordo com a reportagem, dois ativistas tentaram invadir o palco, onde os integrantes do conselho estavam sentados. A equipe de segurança da Shell se esforçou para impedi-los, formando um escudo humano ao redor do presidente-executivo, o libanês Wael Sawan, e dos outros membros do conselho da empresa.
A assembleia de acionistas, palco dos embates, foi a primeira sob o comando de Sawan, que assumiu o cargo em janeiro. Ele encarou a missão sob um intenso tiroteio entre os acionistas, que divergiam sobre a viabilidade de a companhia conseguir reduzir suas emissões e diminuir a dependência do petróleo. O plano, apresentado em 2021, previa corte acima de 30% até 2030, um objetivo ousado para uma empresa de petróleo.

A Shell, em nota enviada à reportagem, afirmou respeitar “o direito das pessoas de expressar seu ponto de vista” e agradecer “qualquer envolvimento construtivo em nossa estratégia e na transição energética”. “No entanto, mais uma vez, os manifestantes mostraram que não estão interessados em um engajamento construtivo”, complementou a organização no comunicado.

O presidente-executivo disse ainda que a Shell continua “comprometida com sua estratégia de transição energética anunciada em 2021 e que está cumprindo as metas do plano”. No entanto, também enfatizou, como já havia feito antes, que a companhia vai continuar com os investimentos em petróleo e gás natural, enquanto aumenta os gastos com formas de energia de baixo carbono.

POÇO DE PROBLEMA Desde o ano passado, quando o governo fez o leilão de 59 novas áreas de exploração de petróleo no Brasil, empresas como a Shell passaram a ser alvo de organizações de defesa do meio ambiente (Crédito:Greenpeace)

SEM APOIO O Conselho de Pensões da Igreja da Inglaterra disse que havia apoiado a empresa quando a Shell foi a pioneira no setor de petróleo e gás natural, em 2021, ao lançar uma estratégia de transição energética que incluía o compromisso de reduzir as emissões. “Hoje, lamento dizer que vemos um caminho diferente sendo tomado”, disse Laura Hillis, diretora de investimento responsável do fundo, apontando para comentários de Sawan de que a empresa pode considerar investir na produção de petróleo e gás natural por mais tempo.

Apesar das críticas feitas pelos acionistas presentes na sala, Sawan observou que 80% dos acionistas, incluindo os maiores investidores institucionais da Shell, voltaram a apoiar os planos de transição da empresa. “Acho que a maioria silenciosa foi muito clara conosco quanto às suas expectativas, e suas expectativas são ‘por favor, encontrem uma transição equilibrada’, que é o que estamos tentando fazer”, disse Sawan, falando após o encerramento da assembleia.

No Brasil, as petrolíferas — incluindo a Shell — também estão no alvo de ambientalistas em organizações como Greenpeace, com mais intensidade desde o ano passado. Isso porque o governo concedeu, em abril de 2022, 59 áreas para exploração de petróleo no País, em leilão que arrecadou R$ 422,4 milhões. Do total arrecadado, 98% foram oferecidos por Shell, Ecopetrol e Total pela concessão de oito áreas na Bacia de Santos.

O leilão teve protestos de organizações ambientalistas contra a oferta de áreas próximas a comunidades quilombolas e pesqueiras e em um cenário de alertas sobre a necessidade de medidas para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.