Um novo mundo surgiu quando máquinas a vapor passaram a substituir processos fabris antes realizados apenas de forma manual. Há 200 anos, a Revolução Industrial redefiniu as relações de trabalho, o modelo de desenvolvimento econômico e a própria sociedade contemporânea. Agora, uma nova era nasce a partir de algo quase tão impalpável quanto o vapor: a nuvem. Em 2006, a Amazon, uma das maiores empresas de comércio eletrônico do planeta, lançou sua plataforma de serviços de cloud computing. Começava ali uma revolução tecnológica baseada em códigos, operações e algoritmos que demandam grandes volumes de dados. Fundamental para a expansão do e-commerce da própria Amazon, a computação em nuvem viabilizou conceitos como machine learning e inteligência artificial, Internet das coisas (IoT), cibersegurança, realidade híbrida, virtual e aumentada (VR e AR), além de permitir aplicações disruptivas no entretenimento, caso do streaming de vídeo, e na educação. Um mundo ainda mais inovador surgiu, com infinitas possibilidades. Curiosamente, assim como muitas inovações da Revolução Industrial, a cloud computing da Amazon foi criada em casa. E a empresa que vende de tudo, de A a Z, começou a comercializar também sua nuvem para outras companhias. É isso o que faz a Amazon Web Services (AWS), comandada no Brasil desde 2018 por Cleber Morais.

VENDE TUDO A Amazon, do CEO Jeff Bezos, é conhecida por ser uma plataforma que comercializa produtos de A a Z e que a partir de 2006 resolveu também disponibilizar ao mercado suas soluções de nuvem. (Crédito:Phillip Faraone)

A companhia, que lidera o mercado de Infrastructure as a Service (IaaS), quer continuar olhando os concorrentes pelo retrovisor. De acordo com a consultoria International Data Corporation (IDC), o market share da AWS no Brasil é de 54,3% e na América Latina, de 52,7%, segundo dados divulgados em maio.

Hoje são 175 serviços, para todos os tamanhos de empresas, de todos os setores. No Brasil, o braço de nuvem da gigante americana de tecnologia chegou em 2011, com seu data center e escritório instalados em São Paulo, inédito na América Latina e um dos primeiros do mundo fora dos Estados Unidos. O território brasileiro é estratégico para o crescimento dos negócios da AWS, que está investindo R$ 1 bilhão entre 2020 e 2021. “Fazemos investimentos de maneira muito forte no Brasil há nove anos. E agora vamos ampliar a infraestrutura para atender nossos clientes nessa transformação digital que eles têm pela frente”, afirmou Cleber Morais à DINHEIRO. O investimento coincide com uma movimentação da concorrência. A Microsoft, que detém o segundo lugar no pódio (o terceiro é do Google), ganhou na terça-feira (29) um importante aliado no País. A SOU.cloud – resultado da união da Teevo e da LGTi Tecnologia, duas das principais parceiras de nuvem da Microsoft do Brasil – nasceu com 1,2 mil clientes. Entre eles estão Aeroporto de Viracopos, Agrodanieli, Banco BMG, Granol, Marilan e Usaflex. Embora recém-lançada, a SOU.cloud está na reta final para atingir o status de Microsoft Azure MSP Expert, um dos diferenciais mais cobiçados do segmento. Na guerra pela atração de clientes, contudo, a AWS tem munição de sobra. Segundo um estudo da consultoria IDC com 17 grandes empresas na América Latina que decidiram migrar suas aplicações de ambientes de hospedagem tradicionais para a nuvem da Amazon, os resultados são impressionantes. Na média, houve economia de 61% nas operações, aumento de 74% na eficiência das equipes de infraestrutura de TI e redução de 99% no tempo de inatividade não planejado. “Olhamos uma coisa única, que é o nosso cliente. Tenho certeza que, quando eu faço o melhor para ele, vou continuar crescendo e atendendo cada vez melhor”, afirmou Cleber Morais. Embora tente evitar comparações com os concorrentes, ele não esconde que o histórico da Amazon faz toda diferença. “Temos pelo menos sete anos de vantagem em relação a eles. Começamos muito antes nesse ramo. Não existe algoritmo de compreensão para experiência.”

NO JOGO A NFL, liga de futebol americano, usa a Amazon SageMaker, de machine learning, para criar dados e estatísticas, interpretar a jogabilidade e melhorar a experiência dos fãs. (Crédito:EZRA SHAW)

A AWS registrou receita global de US$ 35 bilhões em 2019, 36,5% acima do ano anterior. No segundo trimestre de 2020 a receita foi de US$ 10,8 bilhões, crescimento de 29% em relação ao mesmo período de 2019. Os números do Brasil não são revelados, mas estima-se que tenham acompanhado a média de evolução global. “É uma constante crescer acima de dois dígitos. No contexto do Brasil, estamos em movimento forte de empresas se transformando”, afirmou Morais.

DADOS Um dos principais clientes no Brasil é a Embraer, que usa ferramentas da AWS para maior eficácia e agilidade na manutenção de aeronaves. (Crédito:Divulgação)

INDEPENDÊNCIA A AWS é uma operação independente da Amazon Inc., do CEO Jeff Bezos, que em 2019 faturou US$ 280,5 bilhões. As receitas da empresa de nuvem representaram 12,5% do total. A independência é tanta que a AWS tem como clientes até quem disputa mercado diretamente com a Amazon. É esse o caso do Mercado Livre. Com 51,5 milhões de usuários ativos e 11 milhões de vendedores, o marketplace argentino está avaliado em US$ 60,6 bilhões – mas não tem sua nuvem própria. Desde que passou a utilizar o Amazon EC2 Spot Instances em sua arquitetura, os custos de computação do Mercado Livre foram reduzidos em 31% – sem qualquer impacto no desempenho. A Netflix, adversária direta da Amazon Prime Video em streaming de vídeos, é outra gigante que usa o serviço de cloud da AWS.

No Brasil, um dos principais clientes atua em um setor cujos produtos precisam, literalmente, ir além das nuvens: a Embraer. A fabricante de aviões implantou em suas aeronaves um sistema de monitoramento de dados durante o voo que podem ser baixados e analisados on-line. Quando o avião chega ao solo, as informações são usadas para maior efetividade e rapidez na manutenção. “Menos horas no chão, mais eficiência para a companhia aérea”, disse Morais.

GLOBALIZAÇÃO A empresa brasileira de gestão de mobilidade corporativa Navita abre escritório na Espanha e vira multinacional com a solução AWS. (Crédito:Divulgação)

Pela nuvem da AWS também é possível internacionalizar os negócios. A Wevo, plataforma de integração de sistemas computacionais, está presente em 11 países graças às ferramentas da Amazon. “Tudo com autonomia para o usuário e grande escalabilidade. A segurança confiável é outro diferencial”, afirmou Diogo Lupieri, CEO da Wevo, cliente AWS desde 2012. Já Wally Niz, diretor de marketing e vendas da Navita, empresa de gestão de mobilidade corporativa, diz que se tornbaram uma multinacional graças às soluções AWS. “Operamos no Brasil e agora estamos na Espanha. Viramos multinacional trabalhando de casa”, afirmou. Ele ressalta ainda a redução de custos mesmo usando mais serviços de nuvem durante a pandemia. No mundo, um dos grandes contratos da AWS é com a NFL, a liga de futebol americano, que usa Inteligência Artificial para melhorar a experiência dos fãs. Impulsionada pela ferramenta Amazon SageMaker de machine learning, a NFL cria modelos capazes de interpretar os lances em campo. Um exemplo é a métrica Completion Probability, que integra mais de dez medições do jogo – desde o comprimento e a velocidade de um passe até a distância entre o receptor e os defensores. Na Fórmula 1, mais estatísticas foram geradas na temporada 2020 com a utilização de ferramentas AWS. Elas permitem que os fãs do automobilismo comparem seus pilotos e carros favoritos de modo a prever melhor os resultados da corrida. São 300 sensores em cada carro, gerando mais de 1,1 milhão de pontos de dados por segundo transmitidos para as equipes. Muitos deles são separados e embalados para divulgação aos amantes do esporte. As possibilidades são infinitas. “O gasto mundial de TI em nuvem gira em torno de 5% a 10%. Temos 90% para avançar”, afirmou Morais.

RIVAL A AWS oferece sua infraestrutura de nuvem para o marketplace Mercado Livre, concorrente da matriarca Amazon. (Crédito:Divulgação)

ENTREVISTA:
“O grande ponto não é olhar o mercado ou a concorrência, é olhar para o cliente”

Cleber Morais, presidente da AWS Brasil. (Crédito:Claudio Gatti )

Plataforma de nuvem da Amazon está inserida em um mercado competitivo de gigantes. Líder da AWS no Brasil, Cleber Morais fala dos desafios e das oportunidades.

A AWS anunciou investimento de R$ 1 bilhão no Brasil em dois anos (2020 e 2021). Como serão aplicados esses recursos? Haverá contratações?
Em estrutura física, de energia como um todo. Aumento de pessoal não está incluso. Mas estamos contratando neste momento 50 funcionários. Temos crescido em todas as áreas, equipe técnica, equipe de vendas, equipe de apoio aos canais. É um crescimento sustentável e o ritmo de contratação é permanente.

A pandemia acelerou a necessidade de uso da nuvem. Como a empresa absorveu as demandas?
O grande benefício da cloud é a flexibilização. Nossa equipe técnica atua junto com clientes para fazer otimização, inclusive com redução de custos para eles. Entramos no ambiente tecnológico do cliente, vimos o que era necessário para ele consumir menos, gastar menos. Fizemos isso para centenas. Houve casos de redução de 30%. Saímos fortalecidos não pela receita, mas pela relação com o cliente, a confiança de poder contar com a AWS no momento de um desafio.

Como se diferenciar em ambiente ultracompetitivo?
O grande ponto não é olhar o mercado ou a concorrência, é olhar para o cliente. Olhamos uma coisa única, que é o nosso cliente. Tenho certeza que, quando eu faço o melhor para ele, vou continuar crescendo e atendendo cada vez melhor. Foco no cliente. Nós somos obcecados. Tem a ver com a nossa essência. De tudo que a gente desenvolve, 90% são a quatro mãos. Fazemos juntos. No segundo momento, o tamanho do mercado, atendendo bem, continuaremos crescendo. Estamos distantes do restante do mercado. O fato de termos sido pioneiros, de termos milhares de empresas startups, criamos uma base de uso, quantidade de serviços maior do que qualquer outra, tudo isso faz a nossa diferença. E o crucial também é a capacitação técnica. Todos os nossos funcionários são certificados AWS, inclusive eu.

Os contratos no Brasil são faturados em dólar, valorizado na pandemia. Qual vantagem de mudar para reais?
Em dezembro passamos a fazer faturamento local. Agora, a própria AWS passa a cobrar em reais. Não muda muita coisa. É mais uma facilidade, com o benefício de carga de impostos diferente. O cliente escolhe como terá a relação conosco.

Como a Amazon Inc. vê a AWS no Brasil?
Com bons olhos. Nove anos atrás o Brasil já era foco principal da região. Este ano anunciamos investimento significativo. Olhamos o Brasil e a América Latina com potencial. O custo tecnológico ter sido alto no passado no Brasil faz com que o legado por aqui seja mais antigo. A oportunidade que existe para atualização desse legado para uma tecnologia com benefícios de custo, inovação e elasticidade é oportunidade para todos nós.