O ciclo de alta da taxa Selic, iniciado em março, deve atrasar a retomada do investimento produtivo no Brasil. Com as empresas saindo de crises consecutivas desde 2015, muitas delas vão preferir preservar o caixa até que o cenário esteja mais claro, do ponto de vista monetário, fiscal ou político. Além disso, o custo de capital está maior. Na média, subiu de 7,7%, em dezembro de 2021, para 10,59% em agosto deste ano, segundo o Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe).

Na semana passada, por exemplo, a Arezzo informou que o momento não é adequado para fazer novas emissões de dívida. Com a alta de juros, a empresa deve priorizar o crescimento orgânico e manter o “caixa como rei”. O presidente da companhia, Alexandre Birman, diz que, com a alta dos juros, a alavancagem financeira, que nunca foi premissa da companhia, torna-se ainda menos atrativa.

“Conceito de ‘cash is king’ (o caixa é o rei) se torna fundamental no cenário de juros que vamos entrar”, diz. A empresa pagou as últimas aquisições com caixa próprio e tem bancado de maneira orgânica a expansão das lojas e do e-commerce, cujas vendas cresceram 36% no terceiro trimestre.

Cautela

Segundo Carlos Antonio Rocca, coordenador do Cemec-Fipe, apesar de o custo da dívida ainda ser baixo comparado ao dos últimos anos, o momento não é adequado para fazer expansões. Hoje, a taxa de investimento no País está em 18,2%, depois de ter batido em 15% no 2.º trimestre de 2022. “A incerteza é um conteúdo de risco que não dá para medir”, afirma.

Rocca destaca que, com a redução da capacidade ociosa (em torno de 85%), as empresas já teriam dificuldade de atender o mercado caso tivessem de aumentar a produção.

Com incertezas sobre vendas, empresários refazem planos

O aumento da taxa Selic e do custo da dívida veio num momento em que a confiança do empresariado estava em recuperação por causa do avanço da vacinação, afirma o gerente de análise econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Marcelo Azevedo. Ele ressalta que a escalada dos juros é mais um componente para o desestímulo aos investimentos.

O presidente do Magazine Luiza, Frederico Trajano, por exemplo, esperava um cenário diferente para o segundo trimestre do ano. Com a pandemia mais controlada e o comércio sem restrições, a expectativa era de um varejo aquecido. “Esperávamos economia mais pujante; encontramos inflação e juros altos”, afirma.

A empresa se preparou para um cenário mais positivo e acabou vendo seus estoques subirem de 70 para 100 dias. Esse revés fez a companhia aumentar as provisões – dinheiro destinado a possíveis perdas e inadimplência. A expectativa é escoar os produtos na Black Friday. Para essa data, a companhia aposta em produtos premium para atingir um público que teve a renda menos corroída pela inflação.

Para o vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) José Ricardo Roriz Coelho, as perspectivas para a demanda interna são incertas. Segundo ele, no ano passado houve uma euforia e uma falsa impressão de que a demanda estava voltando – efeito do auxílio emergencial. “Hoje, estamos na situação de que a inflação retirou 10% da renda das pessoas, o desemprego continua alto, e não há competitividade para exportar”, diz Coelho, que comanda a Associação Brasileira da Indústria de Plástico (Abiplast).

Neste momento, diz o executivo, as empresas estão em período de definir o orçamento para 2022. Mas as incertezas têm atrapalhado decisões futuras. “Qualquer investimento, hoje, está entre 30% e 40% mais caro. Dólar, insumo e custo de capital, tudo subiu. Muitas empresas estão esperando até meados do ano que vem para decidir sobre novos investimentos”, afirma Coelho.

Durante apresentação do balanço do terceiro trimestre, o presidente do Itaú Unibanco, Milton Maluhy, também destacou os efeitos do aumento da Selic na economia. Para ele, as condições de crédito no atacado dependem do mercado de capitais, tanto via emissões de ações, quanto de renda fixa. Com a alta dos juros, no entanto, as emissões ficam menos atraentes para as empresas.

Segundo dados do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), o custo de dívida das empresas já aumentou sensivelmente. Para as grandes companhias, subiu de 6,88%, em dezembro de 2020, para 9,67% em agosto passado; entre as médias, de 11,12% para 14,15%; e, para as pequenas, de 11,91% para 16,31%. O crédito bancário, com recursos livres, foi o que teve maior avanço no período, de cerca de 11% para 16%.

Gargalo

Além da alta dos juros, outros fatores têm pesado para desestimular a retomada de investimentos, segundo Marcelo Azevedo, da CNI. Ele explica que o aumento do preço de insumos, como a energia elétrica, e a falta de uma série de matérias-primas têm sido um gargalo dentro das empresas. Há cinco trimestres esse fator vem sendo apontado como o maior problema para as empresas, segundo a Sondagem Industrial feita pela entidade. Até então, a carga tributária sempre aparecia em primeiro lugar entre os maiores problemas relatados pelos empresários.

Outro fator, destaca o executivo da CNI, é que muitas empresas financiam o investimento com recursos próprios. Mas o fato de elas estarem saindo de crises consecutivas deixou o caixa mais apertado em alguns setores. Tudo isso acaba influenciando no planejamento e na decisão de tirar um projeto do papel.

Na opinião do presidente da Trevisan Escola de Negócios, Vandyck Silveira, para um empresário investir em plantas, equipamentos e tecnologia, precisa ter um retorno superior ao custo de capital. “Não vamos passar mais uma década perdida, mas um milênio”, afirma.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.