Diante do cenário de restrição de crédito do País, as grandes varejistas – entre elas, Riachuelo, Marisa e Renner – criaram um sistema de crédito destinado a alimentar seu negócio principal, o varejo. São negócios como esses que alimentam o mercado de crédito mesmo em tempos como os atuais, de taxa básica em alta e fraca atividade econômica. No entanto, nesse momento, até elas estão de olho em um indicador que já apareceu negativo no balanço dos bancos: a alta da inadimplência.

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O aumento dos calotes já apareceu nos números do primeiro trimestre de Marisa, Riachuelo e Renner, por exemplo – a primeira já anunciou, em seu balanço, que vai aumentar a provisão para eventuais calotes. Já o diretor financeiro da Riachuelo, Túlio de Queiroz, adiantou que pode começar a fechar a torneira de financiamentos, já que a varejista vai ficar mais seletiva na hora das liberações. “Isso claramente é um reflexo da questão macro que estamos vivendo”, disse Queiroz, na mais recente divulgação de balanço da empresa.

Dependência

As empresas, no entanto, têm de ser cuidadosas mesmo ao colocar o pé no freio, uma vez que, mesmo com o crescimento dos cartões de crédito no País nos últimos anos, seus “cartões de loja” ainda são muito importantes para seu faturamento. Quase 35% das vendas da Renner são feitas pelo crediário próprio. Na Marisa, esse número sobe para quase 39%.

Por outro lado, o cartão é um trunfo dessas redes, já que, muitas vezes, representa o único acesso de parte dos consumidores a ferramentas de parcelamento. Especialista em varejo e sócio da consultoria Varese Retail, Alberto Serrentino lembra que o varejo voltado às classes C e D, que concentram a maior parte da população brasileira, depende do crédito. “Isso é algo que está incorporado ao modelo de negócio. O parcelado na venda no Brasil é necessário para atingir a massa”, aponta.

É por isso que muitas varejistas optam por ter a financeira dentro de casa – caso de Riachuelo, Marisa e Renner. Nesses casos, quando a gestão do risco é feita diretamente, a concessão de crédito costuma ser maior do que quando um banco opera o serviço (como ocorre, por exemplo, na concorrente C&A). “A tentação da operação própria é se tomar um risco maior”, afirma Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira do Varejo e Consumo (SBVC).

Risco

Além de financiar a compra de um produto de sua própria prateleira, algumas das varejistas também emprestam dinheiro, concorrendo com as financeiras.

Nesse caso, o presidente da SBVC afirma que é necessário tomar cuidado, pois o risco é a varejista “esquecer” a atividade central em favor da financeira. “O grande drama de dar diretamente o crédito é que a financeira muitas vezes drena recursos que poderiam ir para a abertura de lojas, por exemplo”, diz Terra. “A empresa pode até acabar quebrando.”

É uma situação que as empresas precisam ter em mente especialmente em momentos de alta de juros. Um caso histórico de companhia que quebrou por causa do descontrole com o crédito foi o da Arapuã, que havia chegado a liderar a venda de eletrodomésticos no País. A crise dos chamados “tigres asiáticos”, em 1997, acabou pegando a companhia desprevenida.

Na época, para controlar a fuga de capital externo, o Banco Central se viu obrigado a aumentar os juros, de uma só vez, de 20% para 40% ao ano. Resultado: a inadimplência explodiu, e quem não tinha reservas acabou sofrendo com os efeitos da mexida nas taxas.

Para Boanerges Ramos Freire, presidente da consultoria Boanerges, especializada em serviços financeiros, na cabeça do consumidor a relação com uma varejista é diferente da mantida com um banco. “O cliente não procura a varejista pelo crédito, mas por seus produtos”, diz Freire, lembrando que, por isso, é necessário que esses negócios saibam que sua concessão de crédito precisa estar sempre subordinada à atividade principal.

Alta dos juros é risco e também oportunidade

Momentos de juros altos, como o atual, representam tanto um risco quanto uma oportunidade para as financeiras. Segundo a analista responsável pela cobertura do setor de varejo na XP, Daniella Eiger, as taxas maiores podem engordar a receita financeira desses negócios, uma vez que os empréstimos são invariavelmente atrelados à Selic, acrescida de taxa extra. Por outro lado, o risco de inadimplência é maior, já que a alta dos juros geralmente reduz a marcha da economia, prejudicando também a capacidade de pagamento dos consumidores.

“De modo geral, estrategicamente vemos as financeiras das varejistas com bons olhos, ainda mais as voltadas à média e baixa rendas, já que se tratam de um ‘viabilizador’ de demanda e vendas”, afirma a especialista, tendo em vista o fato de que, via de regra, as financeiras tendem a liberar crédito a um público mais amplo do que os bancos, por exemplo.

A analista da XP lembra também que a varejista ganha nas duas pontas – no crédito e na venda realizada -, o que explica seu apetite maior por liberações. “O que as varejistas têm de tomar cuidado é em não dar dinheiro para todo mundo. Mas nosso entendimento é de que elas fazem isso com muita cautela”, ressalta.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.