tão rápido quanto um trem-bala, o avanço chinês no mercado de mobilidade urbana sobre trilhos tira o sono das concorrentes. A líder global do setor, a China Railway Rolling Stock Corporation (CRRC), responde por uma fatia de mais de 90% em seu país e 30% do market share mundial. No ano passado, a CRRC faturou o equivalente a US$ 35,4 bilhões — um jogo desequilibrado, visto que a segunda colocada, a francesa Alstom, faturou US$ 9,8 bilhões no último balanço anual — no ano fiscal entre abril de 2019 a março de 2020.

A francesa, no entanto, buscará o reequilíbrio de forças, pelo menos no lado ocidental do mundo, após ter comprado a divisão ferroviária da canadense Bombardier. O negócio, de 5,5 bilhões de euros, expandiu a presença geográfica da Alstom e vai turbinar os resultados da companhia, que prevê um salto no faturamento para US$ 18,8 bilhões já no primeiro ano de fusão.“Não temos como chegar ao faturamento da CRRC, devido ao mercado chinês que é muito fechado”, afirmou à DINHEIRO o vice-presidente da Alstom na América Latina e presidente da companhia no Brasil, Michel Boccaccio. “Mas, fora desse mercado, somos o líder mundial e é isso que importa pra nós”.

Com a união, a Caísse de Dépôt et Placement du Québec (CDPQ), administradora de seguros e planos de previdência que possuía ativos na Bombardier Transportation, se tornou a principal acionista da Alstom com 17,5% do capital social. Agora sem seu braço ferroviário, a Bombardier deve atuar exclusivamente na produção, construção e manutenção de jatos executivos. Apesar da expectativa positiva da fusão, inicialmente essa não era a estratégia planejada pela Alstom. Em 2017, a companhia tentou fusão com a alemã Siemens, mas a operação foi barrada pela União Europeia com a justificativa de que era prejudicial à concorrência. A fusão com a Bombardier estava em negociação desde 2019. Agora, a Alstom passará a atuar em 70 países (um acréscimo de 10 mercados) e terá 75 mil funcionários globalmente. “Mais do que nunca, o mundo precisa se envolver em uma profunda transição ambiental e social para enfrentar os grandes desafios da urbanização”, afirmou Henri Poupart-Lafarge, CEO global da Alstom, em comunicado oficial.

Para Boccaccio, o mais importante é estender as atividades da Alstom em países onde a companhia não tinha presença ou possuía um desempenho abaixo do esperado. “A fusão nos dá força dentro da América Latina, principalmente após as crises enfrentadas nos últimos anos”, disse o executivo. Na Alstom há 36 anos, ele acredita que as fábricas de material rodante em Taubaté (SP) e no México ampliam a competitividade da companhia em cada país, nas exportações dentro da América Latina e para outros países e regiões. “A partir de agora, em termos de participação no mercado mundial, vamos voltar a crescer.”

Patrik STOLLARZ / AFP

“Mais do que nunca, o mundo precisa se envolver em uma profunda transição ambiental e social” Henri Poupart-lafarge, CEO da Alstom.

A expansão geográfica da Alstom tem por objetivo, segundo a empresa, a aproximação com seus clientes, decisão que pode ser bastante positiva para o mercado brasileiro. Embora o País tenha uma economia historicamente turbulenta, a desvalorização do real frente ao dólar fez com que os ativos no Brasil ficassem baratos para as companhias estrangeiras. Além disso, a Alstom já está calejada com o sobe-e-desce dos indicadores econômicos brasileiros. A empresa completou 65 anos no País no ano passado. “Estamos moderadamente otimistas em relação à marca brasileira”, afirmou. Essa nova fase da Alstom deixa pra trás cicatrizes do período de envolvimento com escândalos de corrupção no fornecimento de trens e metrô em São Paulo, que resultaram na devolução de cerca de R$ 1 bilhão.

INVESTIMENTO Há projetos em andamento que englobam a fabricação, na planta de Taubaté (SP), dos metrôs de Taipei, em Taiwan, e de Bucareste, na Romênia, além da retomada da Linha 6 do metrô de São Paulo em contrato com a Linha Universitária, concessionária responsável. No total, a fábrica do interior paulista deve produzir 70 trens para os três projetos. Para acompanhar a demanda, a planta deve receber um investimento de 10 milhões de euros nos próximos dois anos.

Nem mesmo a gigante francesa dos trilhos escapou da crise ocasionada pela pandemia. A Alstom apresentou queda de 45% no número de pedidos, passando de 8,2 bilhões de euros nos primeiros nove meses do ano fiscal (terminado em março) 2019/20, para 4,5 bilhões de euros no mesmo período do ano fiscal 20/21. Mas, para Michel Boccaccio, os dados não refletem a expectativa a médio e longo prazo, principalmente com a perspectiva de crescimento do mercado ferroviário em 2,3% ao ano até 2025, segundo a Associação da Indústria Européia de Abastecimento Ferroviário.