O conselho administrativo da Renault nomeou, nesta terça-feira (20), o número dois da empresa, Thierry Bolloré, para substituir Carlos Ghosn, que permanece como presidente, apesar de sua prisão no Japão, em um momento de dúvidas sobre o futuro da aliança com a Nissan e Mitsubishi.

Bolloré, de 55 anos, que Ghosn escolheu como braço direito em fevereiro passado, recebeu a direção executiva “provisória” da montadora francesa e, portanto, terá “os mesmos poderes” que o presidente, que mantém o seu cargo, considerado “temporariamente impedido”, disse a empresa em um comunicado.

O conselho indicou que se reunirá regularmente sob a presidência do diretor principal Philippe Lagayette, “para preservar os interesses da Renault e garantir a sustentabilidade da Aliança” com os fabricantes japoneses Nissan e Mitsubishi.

França e Japão tinham reafirmado, nesta terça, seu forte apoio à aliança de fabricantes de automóveis Renault, Nissan e Mitsubishi, que cambaleou nos mercados após a prisão de Ghosn no Japão, acusado de ocultar renda da Receita.

O equilíbrio do império automotivo, que emprega mais de 180 mil pessoas em todo o mundo, repousava até então neste executivo de nacionalidade franco-libanesa-brasileira, um empresário com reputação mundial.

Ghosn, de 64 anos, está preso em um centro de detenção de Tóquio, após ser detido na segunda-feira quando saia de seu jatinho particular.

O ministro de Finanças francês Bruno Le Maire e seu homólogo japonês da Economia, Hiroshige Seko, “reafirmaram o importante apoio dos governos francês e japonês à aliança entre Renault e Nissan”, em uma conversa por telefone, diz o comunicado.

As empresas da Aliança agora lutam para combater os receios dos investidores.

– Conspiração –

A Procuradoria confirmou que ele foi detido por suposta sonegação de renda. Segundo um comunicado, Ghosn “conspirou para minimizar sua retribuição em cinco ocasiões entre junho de 2011 e junho de 2015”.

No total, foram declarados à Receita 4,9 bilhões de ienes (cerca de 37 milhões de euros), enquanto Ghosn havia ganho quase 10 bilhões de ienes nesse período, apontou a Procuradoria.

Na França, o ministro da Economia pediu a funcionários de seu governo que “verificassem a situação fiscal de Carlos Ghosn na França”.

O todo-poderoso dirigente franco-libanês-brasileiro foi detido na segunda-feira por uma investigação interna realizada pela Nissan, que enviou os resultados à Procuradoria.

Em uma entrevista coletiva, o presidente-executivo da construtora de automóveis japonês, Hiroto Saikawa, também mencionou “outras malversações, como o uso de bens da empresa com fins pessoais”.

Segundo a assessoria de imprensa Kyodo, que citou fontes próximas ao caso, ele teria-se hospedado gratuitamente em várias propriedades da companhia na Holanda e em outros três países.

– Aliança –

A Renault possui 43% da Nissan, que por sua vez tem 15% de Renault e 34% da Mitsubishi Motors.

Antes de ser detido, Ghosn trabalhava para que a aliança Renault-Nissan, que fabrica dez milhões de carros anuais, fosse “irreversível”, comentou em nota Kentaro Harada, analista da SMBC Nikko Securities.

“Não podemos excluir a possibilidade de que a aliança se veja debilitada (…) Sobretudo, a questão principal é ver se isso alterará o equilíbrio do poder” entre as partes francesa e japonesa, acrescentou o analista.

O tema também é muito sensível na França, onde o Estado controla 15% do capital da Renault.

Segundo Harada ainda restam muitas dúvidas a serem resolvidas.

“Por que foram descobertas agora as malversações? Como Ghosn, como Greg Kelly [outro responsável da Nissan detido], teriam conseguido falsificar documentos sozinhos?”, pergunta.

– O ‘lado obscuro’ –

O diretor-executivo da Nissan, Hiroto Saikawa, usou duras palavras para se referir a seu mentor.

“É um problema que se tenha dado tanta autoridade a somente uma pessoa”, disse ele na sede do grupo, em Yokohama, nas proximidades de Tóquio, denunciando “o lado obscuro da era Ghosn”.

Venerado no Japão por ter salvado a Nissan da quebra nos anos 2000, depois a Mitsubishi Motors, e por formar uma sólida aliança com o grupo francês Renault, Carlos Ghosn foi duramente criticado nesta terça-feira.

“Ele é um ganancioso. No final, é apenas uma questão de dinheiro”, disse um funcionário da Nissan ao jornal “Yomiuri”.

“Ele pediu a seus subordinados para cumprir metas difíceis, mas ele mesmo ainda recebia um alto salário, mesmo quando as atividades da Nissan não estavam indo tão bem”, acrescentou ao jornal.