Nas últimas décadas, brasileiros de alta qualificação, com currículos exemplares e trajetórias profissionais inquestionáveis, ajudaram a lapidar a imagem do País junto ao Banco Mundial. Murilo Portugal, Pedro Malan e Otaviano Canuto foram alguns dos nomes que passaram pela instituição de 75 anos. Sediada em Washington, ela é uma das mais importantes no desenvolvimento e financiamento de políticas públicas voltadas ao saneamento básico, infraestrutura e segurança alimentar nos países pobres. No ano passado, quase US$ 15 bilhões saíram de seus cofres para o custeio de projetos apenas na América Latina e no Caribe.

Agora, um alerta vermelho está acionado no banco. A decisão do governo brasileiro de indicar o ex-ministro da Educação Abraham Weintraub para ocupar a cadeira de diretor-executivo e uma das 25 posições do conselho de administração gerou constrangimento no Brasil e dentro da instituição, também conhecida como Bird (Banco Internacional para a Reconstrução e o Desenvolvimento). Teme-se que Weintraub destrua o que os antecessores construíram. “O Banco Mundial tem um caráter mais de diplomacia, de aproximação dos países, do que de emprestar dinheiro”, diz o cientista político José Luiz Niemeyer, coordenador do curso de Relações Internacionais do Ibmec/RJ. “Com perfil político e ideológico, a indicação dele para o cargo é totalmente inadequada e uma ameaça à tradição brasileira no cenário mundial.” Não será a primeira deste governo.

Além de não possuir os requisitos básicos para a função — assim como alguém que fritou hambúrguer pode está qualificado para o cargo de embaixador —, Weintraub é alvo de processo no Supremo Tribunal Federal (STF) por ter ameaçado e chamado os membros da Corte de “vagabundos”, e de investigações sobre disseminação de fake news e racismo. O ex-ministro insinuou que a pandemia da Covid-19 foi planejada pela China e ridicularizou o fato de alguns chineses, quando falam português, trocarem a letra R pela letra L, assim como o personagem Cebolinha, da Turma da Mônica — o que indignou até o criador dos quadrinhos, Mauricio de Sousa.

As polêmicas envolvendo Weintraub devem criar problemas até para ele no Banco Mundial. Na quarta-feira (24), funcionários da instituição, reunidos sob a associação WBG Staff Association, enviaram uma carta ao conselho de ética do banco com críticas duras ao ex-ministro brasileiro e pedindo que sua nomeação seja reavaliada. O documento pede que haja, principalmente, uma apuração sobre declarações de caráter racista dadas por Weintraub e que sua nomeação como diretor-executivo fique suspensa até o fim dessas investigações. “Solicitamos formalmente ao conselho de ética que reveja os fatos por trás dessas múltiplas alegações, com intenção de colocar sua indicação em espera até que essas alegações possam ser revisadas e garantir que o sr. Weintraub seja avisado de que o tipo de comportamento pelo qual ele é acusado é totalmente inaceitável nesta instituição.”

A resistência interna contra Weintraub ocorre logo após empresários, executivos e diplomatas brasileiros elaborarem um documento alertando para a “inadequação” do ex-ministro para o cargo. Elaborado por um grupo liderado pelo diplomata e ex-ministro da Fazenda Rubens Ricupero e pelo empresário Philip Yang, o manifesto com 270 assinaturas foi remetido aos oito países que, como o Brasil, compõem o constituency (consórcio formado por Brasil, Colômbia, Equador, Filipinas, Haiti, Panamá, República Dominicana, Suriname e Trinidad e Tobago).

Segundo Ricupero, a nomeação do ex-ministro da Educação é um atentado ao pouquíssimo que restava da credibilidade externa do Brasil. “Com a indicação de indivíduo desqualificado e extremista de direita, a única esperança é que os outros países representados pelo diretor do Brasil no Banco Mundial, nossa constituency, como se diz na organização, resista à absurda indicação”, disse Ricupero, que já foi representante do Brasil nas Nações Unidas e embaixador nos Estados Unidos. “Ou que a própria direção da instituição, por meio de seus mecanismos de defesa de valores de direitos humanos, oponha um veto em nome da decência.”

A escolha de Weintraub também incomodou o ministro da Economia, Paulo Guedes, que não foi consultado pelo presidente da República sobre o tema. A interlocutores, Guedes teria dito que não vai fazer esforços para defender Weintraub. A indicação de Abraham Weintraub para o Banco Mundial representa a segunda derrota de Paulo Guedes no campo internacional em uma semana. Guedes queria que o atual diretor executivo do Fundo Monetário Internacional (FMI), Antônio Bevilaqua, acumulasse também a cadeira no Banco Mundial.