Grupo liderado por pastora é acusado de planejar sequestro de ministro da Saúde durante a pandemia e instigar clima de guerra civil para derrubar o governo.Acusados de planejar um golpe de Estado e o sequestro do ministro alemão da Saúde, Karl Lauterbach, quatro homens e uma mulher de 75 anos suspeitos de integrar uma organização terrorista começarão a ser julgados nesta quarta-feira (17/5) em Koblenz, no estado da Renânia-Palatinado.

Segundo a denúncia da Procuradoria da República da Alemanha, o grupo intentava, além do sequestro, provocar um apagão no fornecimento de energia. Com isso, esperavam criar um clima de guerra civil e pôr fim ao regime democrático parlamentar que vigora no país – chegando inclusive a discutir quem dentre eles assumiria quais órgãos de governo.

O grupo, que se autointitulava “Patriotas Unidos” (Vereinte Patrioten), estaria em atividade desde pelo menos janeiro do ano passado, e seria liderado pela mulher, uma ex-pastora evangélica e professora residente na Saxônia, Estado do leste alemão conhecido por ser um bastião ideológico da extrema-direita, especialmente neonazistas.

A investigação cita “ações preparativas concretas” dos suspeitos, que se articulavam principalmente em um grupo de Telegram e em encontros presenciais em diferentes locais. A idosa apontada como líder teria urgido os demais a agir rapidamente, citando em várias ocasiões datas concretas. Outro acusado teria pesquisado alvos da infraestrutura energética para levar a cabo o atentado. Uma terceira pessoa teria planejado o sequestro do ministro alemão da Saúde, com “eventual execução de seus seguranças”.

O grupo obteve fuzis AK-47, pistolas e munição, e planejavam contrabandear explosivos às toneladas de países da antiga Iugoslávia.

Eles pertenciam à cena dos autoproclamados Reichsbürger (“Cidadãos do Império Alemão”), movimento ideológico e conspiracionista de extrema-direita do qual compactuam, segundo estimativas, algo em torno de 23 mil pessoas.

Afinidade com os Querdenker, movimento negacionista da pandemia

Lauterbach, que pelos planos do grupo deveria ser sequestrado, é uma figura malquista entre os Reichsbürger e os Querdenker – expressão metafórica para designar alguém que pensa fora da caixa, e que na Alemanha batiza o movimento que mistura o negacionismo da pandemia a ideias de extrema-direita.

Durante a pandemia e antes de assumir o cargo de ministro da Saúde, em dezembro de 2021, Lauterbach, um acadêmico e professor da área de medicina, fez diversas aparições como especialista na imprensa. Advogando por medidas rígidas de controle pandêmico, como as restrições de contatos, Lauterbach tornou-se alvo preferencial dos extremistas que rejeitavam as políticas de Estado no combate à pandemia. Por esse motivo, ele hoje vive sob proteção ininterrupta de seguranças – a Alemanha é o mesmo país onde, em 2019, o político Walter Lübcke, da conservadora União Democrata Cristã (CDU), foi morto dentro da própria casa por um terrorista de extrema-direita..

Graças à atuação de um agente infiltrado, que acompanhou as ações do quinteto ao longo de meses, os quatro homens foram presos em 13 de abril do ano passado; a mulher, seis meses depois. Sob prisão preventiva, eles responderão ainda à acusação de criar ou integrar uma organização terrorista.

Ligação com o movimento de extrema-direita Reichsbürger

A idosa acusada de liderar o grupo que será levado a julgamento nesta quarta tem textos publicados em blogs obscuros da cena. Neles, mistura ideias de extrema-direita a um linguajar juridiquês, seguindo a retórica típica do movimento Reichsbürger: um caldo de teorias confusas segundo as quais o Império Alemão nunca deixou de existir e o Estado ainda é regido por um imperador – a monarquia foi oficialmente abolida em 1918 –, motivo pelo qual todos os órgãos de governo atuais seriam ilegítimos.

Em blogs populares entre os adeptos da cena Reichsbürger é possível encontrar também cartas abertas escritas pela mulher, que assina como “descendente do Kaiser-Rei Guilherme”, o último imperador alemão. Nas cartas, ela expressa ainda ideias antissemitas e dirige-se, por exemplo, a Vladimir Putin, Donald Trump ou aos “Aliados” (Estados Unidos, França, Reino Unido e União Soviética, que derrotaram a Alemanha nazista em 1945).

Para a Procuradoria, a mulher e seus cúmplices eram mais do que farsantes excêntricos: ao insistirem na ideia de que o Império Alemão fundado em 1871 ainda existe, eles deduzem que a ordem democrática da República Federal da Alemanha é inválida e defendem a necessidade de reestabelecer um sistema de governo à imagem e semelhança do Kaiserreich, o antigo império.