Por Lisandra Paraguassu

SÃO PAULO (Reuters) – Foi em abril deste ano que um entusiasmado, e rouco, Geraldo Alckmin foi ao microfone de uma plenária tomada por sindicalistas e gritou um entusiasmado “Viva Lula!”, pegando de surpresa a plateia, os jornalistas e os próprios políticos acostumados com um ex-tucano contido, discreto e, mais que tudo, oposição a Lula pela maior parte de sua vida política.

Era o retrato de um novo Geraldo Alckmin que, poucos dias antes, havia sido oficialmente indicado como vice na chapa com Lula, deixando para trás o ostracismo em que mergulhou desde 2018, quando sua candidatura à Presidência fez apenas 4,76% dos votos.

Alckmin planejava voltar à política como governador de São Paulo, cargo que ocupou por duas vezes, vencendo as eleições em primeiro turno. Mas, com o PSDB dominado por João Doria, que de seu pupilo havia se tornado um rival interno, o ex-governador sabia que sua única saída era deixar o partido, que havia ajudado a fundar 33 anos antes.

A decisão de se desfiliar foi difícil, contam fontes próximas ao ex-governador, mas a perspectiva de ser candidato a vice animou um político que já era dado como carta esquecida por muitos.

A costura que levou o ex-governador à chapa de Lula começou vários meses antes, ainda no segundo semestre de 2021, com lances tipicamente alckmistas de um lado e lulistas de outro.

Não foi para ser vice de Lula que o ex-governador teve as primeiras conversas com o PT. Alckmin já havia decidido sair do PSDB e seria candidato ao governo de São Paulo por algum outro partido. Os primeiros contatos tentaram antes convencer o ex-governador a ser candidato ao Senado em uma chapa com Fernando Haddad (PT) e Márcio França (PSB) –um governador e o outro vice–, abrindo caminho para que um dos dois herdasse seus votos, mas ele não topou.

A negociação evoluiu para uma tentativa de, se candidato ao governo –à época a negociação era com o PSD– Alckmin abrir espaço para Lula em seu palanque. Foi em um jantar entre Haddad e outros dois interlocutores que surgiu a ideia de convidá-lo para vice de Lula.

Haddad, que encabeçou toda a negociação, contou que ouviu de uma das pessoas em um jantar que, já que as conversas estavam tão boas, por que então Alckmin não poderia ser vice de Lula? O ex-prefeito, hoje uma das pessoas mais próximas do ex-presidente, falou então com um amigo próximo de Alckmin para que conversasse com o ex-governador, enquanto ele levaria a proposta a Lula.

Haddad contou sobre a conversa no podcast Bocas Ordinárias. Depois de uma reunião na sede do PT, esperou a sala esvaziar e chamou Lula para uma conversa.

“Vou te falar uma coisa que se você disser não essa conversa nunca existiu. Se você não disser não eu vou me sentir autorizado a tocar. O olhinho dele brilhou, ele pôs a mão no bigode e disse: ‘Haddad, a política é extraordinária'”, lembrou.

Ali começaram as negociações que foram desembocar na formação de chapa considerada mais improvável desta e de todas as últimas eleições. Foram alguns meses de encontros e jantares entre Alckmin, Haddad e Gabriel Chalita –que havia sido secretário do petista na prefeitura e de Alckmin no governo do Estado, e que fazia a ponte– em que nunca se falou diretamente na possibilidade da chapa, mas serviu para o ex-governador amadurecer uma decisão.

“Eram horas de conversas sobre vários assuntos, mas ele nunca chegava no principal”, conta uma fonte presente a alguns desses encontros. Até que um dos interlocutores do ex-governador telefonou a Haddad para dizer que estava na hora do primeiro jantar entre Alckmin e Lula.

O acordo mesmo só foi fechado em dezembro, e o lento processo, contam pessoas próximas a Alckmin, é uma característica do ex-governador, que pouco fala sobre o que está pensando, a não ser quando já tomou uma decisão.

PAPEL DE ALCKMIN

O petista viu na chapa com Alckmin a possibilidade de passar o recado que ele pretendia para estas eleições, o de moderação e de aceno ao centro, diante de um cenário em que muitos apostavam em um Lula raivoso, depois de 580 dias preso, ou em uma guinada mais à esquerda.

Fontes ouvidas pela Reuters lembram que o ex-presidente não via no ex-tucano um grande agregador de votos diretos, mas um símbolo para uma frente ampla contra Bolsonaro — o que de fato aconteceu neste segundo turno e com colaboração intensa de Alckmin.

Desde junho, quando foi lançada oficialmente a chapa, o ex-governador foi o elo de ligação com setores com quem Lula andava com dificuldade de conversar: mercado financeiro, agronegócio, médicos.

No segundo turno, foi pelas mãos de Alckmin que chegaram à campanha nomes como o ex-ministro da Fazenda Henrique Meirelles e tucanos tradicionais como Pimenta da Veiga, além de economistas como Pérsio Arida, André Lara Rezende e Pedro Malan, ajudando Lula a transformar sua campanha na frente ampla que desejava desde o início.

Apesar disso, as ideias econômicas de Alckmin não foram incorporadas ao programa de governo de Lula, de acordo com o deputado eleito Guilherme Boulos, um dos coordenadores da campanha de Lula.

“O Alckmin foi posto como expressão de uma frente democrática anti-Bolsonaro. Em nenhum momento, as ideias liberais do Alckmin foram incorporadas ao programa de governo da chapa Lula-Alckmin. Não houve qualquer promessa nesse sentido”, disse Boulos em entrevista recente ao Roda Viva.

Desde que assumiu seu lugar na chapa, Alckmin conquistou um lugar privilegiado ao lado de Lula e é hoje um dos principais interlocutores do ex-presidente. Está com ele nas principais agendas, a não ser quando recebe o que chama de “missões especiais” — na reta final do segundo-turno, por exemplo, foi a Minas Gerais, um dos centros da batalha da disputa.

É respeitado e elogiado pelos principais nomes do núcleo duro do petismo e ninguém duvida de que terá uma posição de destaque no governo. Nessa suposição já passaram especulações de que poderia ser ministro em diversas áreas, da Agricultura à Economia, mas o ex-governador garante que nunca tratou disso com Lula.

A medida de seu papel moderador dependerá do tamanho que terá no governo, uma vez que seu futuro papel ainda não está definido.

“Eles nunca conversaram sobre isso. Falam de articulação política, de programas de governo, mas nunca falaram de cargos ou de composição de governo”, conta uma fonte próxima ao ex-governador.

O caminho para o coração do petismo não foi fácil. Mesmo quem hoje o defende, via em Alckmin um “risco Temer” para Lula –um nome palatável ao mercado, ao Congresso, que poderia se sentir tentado em trair Lula e negociar um impeachment, como Michel Temer fez com Dilma Rousseff.

Quem conhece Alckmin garante que essa hipótese não existe. E, hoje, dentro do PT, a posição é a mesma.

No entanto, o histórico do ex-governador, de embates e críticas a Lula e ao PT, e suas posições originais mais de centro-direita, incomodavam alguns setores ligados ao PT, a ponto do deputado Rui Falcão –ex-presidente do partido– ter dado entrevistas à época da negociação deixando clara sua posição contrária.

Hoje, no entanto, Alckmin conquistou a militância. E, no dia 1º de outubro, foi um ex-tucano claramente feliz que chegou à Avenida Paulista para a caminhada de encerramento do primeiro turno, recebido com um grito de guerra que jamais se esperaria ouvir em grupos petistas: “Aha, Uhu, o Chuchu é nosso!”.

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