Diante do risco iminente de aumento de impostos em meio à mais grave crise fiscal da história do País, as principais entidades empresariais, como a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e as Federações das Indústrias de São Paulo (Fiesp) e do Rio de Janeiro (Firjan), promoveram, nas últimas semanas, um intenso corpo a corpo em Brasília. O objetivo era convencer a equipe econômica a priorizar o corte de gastos e, consequentemente, evitar uma elevação de carga tributária.

A ofensiva chegou, inclusive, ao gabinete do presidente Michel Temer, no 3º andar do Palácio do Planalto. O governo ouviu, refez as contas e chegou a uma solução que, embora não tenha sido perfeita, minimizou os estragos. “Felizmente, houve sensibilidade por parte do governo, em especial, do ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, em não optar pela criação ou aumento de impostos para assegurar o equilíbrio das contas públicas”, afirmou, em nota, Paulo Skaf, presidente da Fiesp. “Foi uma medida sensata e responsável, que evita um mal maior.”

Risco de desemprego: a indústria calçadista, que tem quase 300 mil funcionários, teme demissões após a reoneração da folha de salários
Risco de desemprego: a indústria calçadista, que tem quase 300 mil funcionários, teme demissões após a reoneração da folha de salários (Crédito:Edson Silva/Folhapress)

A sensatez à qual Skaf se refere está no peso maior dado ao corte de gastos. A meta fiscal do ano prevê um déficit de R$ 139 bilhões. Porém , diante de um crescimento ainda modesto da economia, as receitas estão aquém do estimado, gerando um rombo extra de R$ 58,2 bilhões (leia quadro ao final da reportagem). Para eliminar esse buraco adicional, a equipe econômica tinha três alternativas, que não eram excludentes: contingenciar recursos do orçamento, buscar receitas extraordinárias e aumentar os tributos.

Prevaleceram, na prática, as duas primeiras. Do lado dos gastos, serão cortados R$ 42,1 bilhões, dos quais R$ 10,5 bilhões sairão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). No item de receitas extras, o governo esperar arrecadar R$ 10,1 bilhões com a licitação das usinas hidrelétricas de São Simão, Miranda, Jaguara e Volta Grande. O ponto mais polêmico, que desagradou a diversos setores industriais, foi a reoneração da folha de pagamentos. A medida retira das empresas o benefício fiscal concedido no governo Dilma Rousseff através do qual a alíquota de 20% sobre o total da folha de salários era substituída por um percentual do faturamento.

Cláudio Conz, presidente da Anamaco apóia o ajuste fiscal e as reformas, mas é contra aumento de impostos
Cláudio Conz, presidente da Anamaco apóia o ajuste fiscal e as reformas, mas é contra aumento de impostos (Crédito:Divulgação)

Como, na prática, as companhias pagavam menos ao INSS, o Tesouro Nacional tinha de ressarci-lo. “Corrigimos um processo que veio do passado que ficou conhecido como desoneração da folha de pagamento das empresas”, afirmou Meirelles, ao anunciar as medidas, em Brasília, na quarta-feira 29. “A ideia original era que isso ia permitir uma recuperação da economia, mas isso não gerou os efeitos esperados.” A partir de agora, apenas os setores de transporte rodoviário, ferroviário e metroviário de passageiros, da construção civil e de atividades de comunicação, intensivos em mão de obra, permanecem com o benefício tributário, gerando um ganho de R$ 4,8 bilhões ao erário neste ano.

“Se efetivamente entrar em vigor, o fim da desoneração da folha terá consequências importantes na queda dos níveis de emprego do setor calçadista”, afirma Heitor Klein, presidente da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados). O setor que ele representa emprega quase 300 mil pessoas em todo o País. Durante a entrevista à imprensa, o ministro da Fazenda reiterou diversas vezes que não se tratava de aumento de impostos, apenas a correção de “distorções”. Nesse contexto, Meirelles também informou que as cooperativas de crédito passarão a pagar o mesmo Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) que é cobrado das demais instituições financeiras, gerando um ganho de R$ 1,2 bilhão aos cofres públicos.

“Compreendemos a necessidade do ajuste fiscal, mas essa decisão vai pesar diretamente no bolso de oito milhões de associados do cooperativismo”, afirma Celso Régis, presidente da Confederação Brasileira das Cooperativas de Crédito (Confebras) e do Sicredi União de Mato Grosso do Sul. “Ao contrário dos bancos, as nossas operações não têm fins lucrativos.” Em nota, a Firjan classificou de “lamentável retrocesso o fim da desoneração da folha de pagamentos, que, na prática, representa um aumento de carga tributária”. Numa postura mais cautelosa, a CNI evitou aplaudir ou criticar as medidas.

Celso Régis, presidente da Confebras critica a cobrança de IOF das cooperativas no mesmo patamar dos bancos
Celso Régis, presidente da Confebras critica a cobrança de IOF das cooperativas no mesmo patamar dos bancos (Crédito:Divulgação)

A DINHEIRO apurou que a entidade ficou numa saia justa já que não houve consenso entre os associados que representam diversos setores. “Mas é inegável que foi evitado um mal maior que seria um aumento direto de impostos”, comentou um assessor da CNI. Na terça-feira 28, antes mesmo do anúncio do governo, o presidente da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Murilo Portugal, já destacava que a carga tributária no Brasil “é só 46% maior” que a da média dos principais países.

Questionado se uma eventual elevação seria criticada pelos bancos, Portugal disse que não comentaria o assunto. Na ponta do lápis, a equipe econômica fez o possível naquele momento. O governo acredita que, ao longo dos próximos meses, poderá incorporar às suas receitas um total de R$ 8,7 bilhões em precatórios. O montante representa os depósitos feitos pela União há mais de dois anos e que nunca foram sacados por quem moveu as ações na Justiça.

Com a entrada desses recursos nos cofres públicos, o ministro do Planejamento, Dyogo Oliveira, pretende liberar parte do orçamento que foi contingenciado, principalmente na área de investimentos. Os próprios empresários reconhecem, no entanto, que se a economia não se recuperar rapidamente, um aumento de carga tributária pode ser inevitável no futuro. “Estamos torcendo e dando suporte aos ajustes e às reformas, mas a promessa do governo sempre foi de não aumentar impostos”, afirma Cláudio Conz, presidente da Associação Nacional dos Comerciantes de Material de Construção (Anamaco) “Será decepcionante e muito preocupante se isso ocorrer.”

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