A região América Latina foi, globalmente, a que apresentou a melhor taxa de ocupação de voos comerciais em 2021 e liderou, também, o desempenho da recuperação no pós-Covid-19, ao lado da América do Norte. Os dois territórios consolidaram as suas posições com ocupação de 77,3% e 73,8%, respectivamente, seguidos pela Europa, com 68,6%. Os dados comparativos a 2019 foram divulgados pela Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). E a fabricante de aeronaves Airbus está atenta a esses números e à tendência de crescimento para a zona latino-americana — incluindo o Caribe — até 2040. A gigante europeia prevê demanda de 2.460 aviões no período, para o transporte de passageiros e de cargas, além de US$ 19 bilhões em receita no mercado de serviços. “Vamos dobrar o tamanho da frota até 2040”, afirmou o presidente da Airbus para América Latina e Caribe, Arturo Barreira. “Estamos otimistas com o futuro do transporte na região.”

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As projeções referentes ao período 2021-2040 foram divulgadas por Barreira com base no relatório Global Market Forecast 2022 Latin America & Caribbean, que detalha as principais tendências do setor. E a Airbus tem motivos de sobra para manter as turbinas a toda velocidade. A companhia detém 60% do market share regional, com 700 aeronaves em operação por 17 companhias aéreas, além de já ter vendido mais de 1,1 mil aviões na região e possuir um backlog de 500. “A crise (pandemia) impactou bastante o setor, mas 2021 foi um ano de recuperação, principalmente na América Latina”, disse o espanhol, em conversa com jornalistas.

DE OLHO NA CADEIA Presidente para América Latina, Arturo Barreira minimizou o impacto da suspensão da importação do titânio russo utilizado pela Airbus na produção dos aviões e afirmou que as sanções ao país serão mantidas. (Crédito:Carol Carquejeiro)

A recuperação do mercado latino-americano se reflete na linha de produção da Airbus. No primeiro ano da crise sanitária, em 2020, a companhia reduziu a fabricação de aeronaves a 40% e, quase dois anos depois, a situação já é outra. Na família A320 (a mais pedida), por exemplo, o volume subiu de 40 unidades por mês para 45. “Queremos chegar a 65 mensais no verão (europeu) de 2023”, afirmou o executivo, que projeta a retomada total do tráfego na região para o período entre o último trimestre de 2022 e o primeiro de 2025. Em um cenário maior, já de olho na recuperação global da aviação em níveis de 2019, a normalização deve acontecer antes, entre os últimos três meses deste ano e o terceiro trimestre de 2024.

A região América Latina e Caribe opera atualmente 1.440 aviões, volume que deve chegar a 2.820 no período. Do total, 1.080 serão substituições. Segundo o presidente, 90% (2.170) dos aviões previstos até 2040 serão pequenos, para menos de 210 passageiros, enquanto pelo menos 190 unidades serão modelos médios e 100 grandes. O aumento da frota irá exigir reforço em posições estratégicas nas empresas aéreas. Serão necessários ao menos 33 mil novos pilotos e 43 mil novos técnicos de operação. A Airbus possui três centros de treinamento na região — Brasil, Chile e México — para ajudar a desenvolver os profissionais diante do crescimento gradual do mercado.

Daniel Reinhardt

“Nossa atenção mudou de gestão da pandemia para a de recuperação e crescimento” Guillaume Faury, CEO global da Airbus.

CLASSE MÉDIA O incremento do número de aviões em operação na região é baseado no desenvolvimento da classe média, que saltará de 400 milhões de pessoas na atualidade para aproximadamente 560 milhões em 2038. O tráfego de passageiros quase triplicou (2,7 vezes) desde 2002 e deverá duplicar (2,3 vezes) até 2040, passando de 0,44 viagem anual per capita em 2019, para 0,87 daqui a 18 anos. A taxa de crescimento anual será de 3,9%. O tráfego adicional será impulsionado pelos mercados domésticos com um aumento de 4,2% ao ano. Tanto os voos internos entre países latinos quanto as rotas da América Latina e Caribe para o restante do mundo apresentarão alta anual de 3,5%.

O Chile foi, em 2019, o país com mais viagens per capita (1,0), seguido por Colômbia (0,6), México (0,5), Brasil e Argentina (0,4 cada um). Em 2040, a ordem de nações será a mesma. Os chilenos, no entanto, praticamente triplicarão suas viagens per capita (2,9), seguidos por colombianos (1,3), mexicanos (0,9), brasileiros (0,9) e argentinos (0,7). “Os dois maiores mercados da América Latina continuam a ser México e Brasil”, afirmou Barreira, ao destacar que a flexibilização das restrições de circulação de viagens e o aumento das taxas de vacinação têm sido fundamentais para a recuperação do fluxo aéreo.

EM ALTA Ao menos quatro novas aéreas já iniciaram operações na região, caso da colombiana Ultra Air. (Crédito:Divulgação)

Além da previsão de aumento do número de viagens, o executivo vê com bons olhos a abertura de nova companhias aéreas na América Latina. “Há investidores dispostos a atuar no setor. Quatro ou cinco empresas estão iniciando as operações”, disse. A Ultra Air, da Colômbia, é uma delas. Ao mesmo tempo, o presidente citou a interrupção dos trabalhos da aérea brasileira Itapemirim Transportes Aéreos (ITA). A empresa começou a operar em meados do ano passado e suspendeu as operações em dezembro. “Há muitas oportunidades com o fim da crise.”

O incremento dos negócios para a Airbus aparece refletido nos resultados financeiros apresentados em 2021. A receita global chegou a 52,1 bilhões de euros, aumento de 4% em relação aos 49,9 bilhões de euros do período anterior, impulsionada principalmente pelo maior número de entregas de aeronaves (611 contra 566 de 2020) — a previsão é entregar 720 unidades em 2022, ainda abaixo das 800 do período pré-pandemia. A companhia reverteu prejuízo de 1,1 bilhão de euros em 2020 ao alcançar lucro recorde de 4,2 bilhões de euros no ano passado. Por nota, o CEO global da Airbus, Guillaume Faury, disse que “nossa atenção mudou de gestão da pandemia para a de recuperação e crescimento”.

Regis Duvignau/REUTERS

CONFLITO Nem mesmo a guerra entre Rússia e Ucrânia parece minar o otimismo de Barreira. A Airbus, a exemplo da concorrente Boeing, anunciou recentemente a suspensão dos serviços de suporte e a entrega de aviões e de peças de reposição a clientes russos. A decisão segue a posição da comunidade internacional que impôs sanções à Rússia por ter iniciado o conflito. Airbus e Boeing respondem por quase dois terços da frota aérea russa — são 304 aviões da fabricante europeia e 332 da americana. As duas companhias tinham programado as entregas de 37 unidades a empresas do país, sendo 13 da Airbus, do modelo A350 para a Aeroflot. As demais (24 unidades do 737 Max) seriam fornecidas pela Boeing à Utair. Os processos prosseguem interrompidos.

O risco de desabastecimento de titânio, metal utilizado na produção de aeronaves, é minimizado pelo presidente da Airbus para a América Latina e Caribe. A Rússia fabrica 25% do volume mundial. No caso da Airbus, 60% do total usado nas linhas de produção são provenientes de empresas do país. “Estamos protegidos no período de curto a médio prazo e vamos continuar seguindo as recomendações em relação às sanções”, afirmou o executivo.