Em uma análise rudimentar, a filosofia política moderna definiu que a diferença original entre a direita e a esquerda é a forma como ela entende a desigualdade. Para a esquerda, a desigualdade social não é algo natural, e precisa ser desestimulada e combatida com políticas públicas. Para a direita, a desigualdade é algo natural, e pode ser amenizada a medida que um capitalismo mais eficiente e inclusivo avança em uma sociedade livre da influência do Estado. Com isso em mente, o cidadão escolhe um governo. Em 2019, quando assumiu o controle da economia brasileira, o ministro Paulo Guedes se colocava à direita dessa linha política. Com o passar dos meses, o tom paternalista do presidente Jair Bolsonaro o desviou do caminho e após perder parte do apoio do mercado que sempre defendera, Guedes costura um argumento que possa unir os dois lados da moeda, ao falar de transferência direta de renda com os recursos obtidos com as concessões. “Na campanha eleitoral de 2022 vamos falar de privatizações para reduzir a pobreza”, disse, em evento em São Paulo.

Para representantes do mercado financeiro (os fieis escudeiros de Guedes no início do mandato), o ministro voltou a falar em capitalização da Previdência Social. Tema que havia sido enterrado após repercussão negativa da população, é lançado ao ar sempre que Guedes precisa injetar serotonina aos agentes financeiros. O problema é que de uns tempos para cá o discurso antagônico que une intervencionismo e liberalismo convence cada vez menos pessoas. Não adianta mais Bolsonaro garantir que Guedes é a “a confiança do mercado”. Essa taça já quebrou.

NA HORA DA COMPRA Discurso teorico de Guedes tem pouco impacto na vida do cidadão, que está cético com a melhora da economia. (Crédito:Evandro Leal)

E a prova de que as palavras de Guedes já valem menos é que ele mesmo admitiu a aliados que está em um momento “de falar pouco”. Tentando gastar menos o gogó, o plano do ministro é provar que ainda banca seus ideais liberais. Para isso, conduz uma nova dança das cadeiras em seu ministério (mas desta vez orquestrada por ele mesmo e não imposta por demissões e pedidos de exonerações). A principal alteração será a recriação da Secretaria Especial de Estudos Econômicos (S3E) que, nas (poucas) palavras de Guedes, será o “maior think tank do Brasil”. O plano é consolidar dados e indicadores macroeconômicos de forma parecida com o que o Banco Central começou a fazer na década de 1990 com Armínio Fraga. Ganha espaço no time Daniella Marques, que antes comandava a Secretaria de Assuntos Especiais e era um braço direito de Guedes. Também serão realizadas mudanças na Secretaria Especial de Receita e da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, mas Guedes ainda não tem nomes confirmados para os postos.

R$1tri é o valor estimado por guedes de arrecadaçãocom venda de imovéis que hoje são de propriedade da união

No entendimento de economistas ouvidos pela reportagem, ainda que haja boa vontade nas iniciativas de Guedes, há grandes chances dos seus planos serem abatidos em pleno voo.

O economista-chefe de um banco de investimento, que falou sob condição de anonimato, diz que há mais expectativas com o próximo governo do que com as ações de Guedes. “Temos mais interesse em saber se Guedes seria reconduzido a um eventual segundo mandato de Bolsonaro do que capitalização da Previdência”, disse. Para ele, o impacto desse discurso também é mínimo entre os cidadãos. Com preços subindo e renda caindo, o discurso de Guedes tem pouco apelo nas massas.

MULHERES no comando Daniella Marques mudará de cargo no ministério e vira o braço direito de Guedes nesse novo momento. (Crédito:Divulgação)

TEORIA x PRÁTICA José Maria Mendonça, professor de macroeconomia da Universidade de São Paulo e ex-secretário adjunto da Fazenda no Estado de São Paulo, afirma que o problema das falas de Guedes é que, na prática, elas não fazem sentido. “Quando você privatiza uma empresa pública, ou vende um imóvel, esse recurso não pode ser enviado diretamente ao bolso do mais pobre por meio de transferência de renda”, disse. Guedes, por sua vez, já anunciou que esse será o tom da campanha do ano que vem, e as privatizações serão apresentadas como caminho para diminuir a dívida pública e reduzir a pobreza. “O programa para o novo mandato é claro: terminar o trabalho”, afirmou Guedes. Ele também disse — de novo — que a venda de imóveis da União poderia acrescentar ao País um patrimônio de R$ 1 trilhão, e ajudaria no combate à desigualdade. De fato, a mistura de discursos políticos pode até ser uma solução para ganhar tempo enquanto se pensa em um plano melhor, mas é praticamente impossível tomar decisões corretas e ser exitoso se falta clareza de qual é o objetivo.