Ainda que tardiamente, trabalhando o governo está. No Palácio do Planalto, transformado em quartel general da gestão da crise de energia, as jornadas nunca foram tão longas. Nunca houve em Brasília, igualmente, tantas reuniões simultâneas para discutir o mesmo assunto. Mas também, como agora, nunca houve tanta incerteza sobre se toda essa operosidade será suficiente para desatar o maior nó já dado à economia nas últimas três décadas. A verdade é que desde que as autoridades admitiram, por meio de uma soturna entrevista do ministro Pedro Parente, concedida no dia 10 de maio, que a crise era pior do que o governo imaginava, já se passaram duas semanas ? e não se vêem luzes no horizonte.

Enquanto o governo ajusta o tarifaço e pensa até mesmo em transformar todas as segundas-feiras em feriados nacionais, o melhor que se tem até agora é a sociedade fazendo a sua parte. Das grandes cidades aos rincões, multiplicam-se os exemplos de esforços individuais e coletivos para economizar energia ao máximo. Os empresários também estão na linha de frente. Donos de postos de gasolina, por exemplo, levaram ao governo proposta de suspensão de atividades entre dez da noite e seis da manhã, todos os dias, pelos próximos noventa dias, sob promessa de não realizarem demissões. Nos shoppings, amadurece a alternativa de redução em duas horas diárias na jornada de trabalho. Nos escritórios, normas vão sendo baixadas para que se evite o desperdício e, nas fábricas, orçamentos estão sendo refeitos para que se possa comprar geradores. Os resultados despontam. A economia na cidade de São Paulo já é da ordem de 10% em relação ao mesmo período do ano passado. No Rio, as primeiras leituras indicam redução de quase 17% no consumo. Uma marca que tende a se repetir em Belo Horizonte.

A sociedade também se movimenta na direção dos tribunais. Na quinta-feira, 24, o juiz Salem Jorge Cury, da 2ª Vara da Justiça Federal, em Marília (SP), suspendeu com uma liminar a cobrança de sobretaxas e o corte imposto pelo plano de racionamento. São, segundo a decisão, ?inconstitucionais?. Não satisfeito, o juiz ainda autorizou a cobrança de multa diária de R$ 10 mil para as concessionárias que não cumprirem sua determinação. Foi uma espécie de primeiro tiro na guerra que deve ser travada nas barras da Justiça e contra a qual o governo tem uma ofensiva preparada. Na defesa das regras do racionamento, uma tropa de choque de 600 advogados começou a ser mobilizada por órgãos federais em todo o território nacional. Além disso, o ministro Pedro Parente, presidente da Câmara de Gestão da Crise de Energia (CGC), e o advogado-geral da União, Gilmar Mendes, fizeram um périplo na semana passada pelos tribunais superiores em Brasília. Pediram a ?compreensão? do alto escalão do Judiciário. O presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Paulo Costa Leite, porém, deixou claro que não permitirá que ?o Judiciário seja usado como bode expiatório? da crise. O governo também tentou rasgar o Código de Defesa do Consumidor, mas foi forçado a recuar diante da reação da sociedade.

Sob a égide do pacote do tarifaço, baixado na sexta-feira, 19, o principal gesto concreto do governo na semana passada foi o anúncio de investimentos no setor energético. Houve, também, medidas de ajuste no plano de redução do consumo. Anunciadas a conta-gotas, em concorridas entrevistas à imprensa, as novas versões do pacote tornaram mais brandas as medidas que afetam a indústria. As empresas, cujas novas ligações de energia haviam sido proibidas no pacote inicial, o que liquidaria o setor de construção civil, ganharam uma colher de chá. Durante o período em que o racionamento vigorar, elas poderão fazer 80% dos investimentos planejados anteriormente. Para as indústrias de grande porte, a proibição continua. ?Os eletrointensivos consomem dez vezes mais e terão de buscar eletricidade adicional no Mercado Atacadista de Energia?, disse Euclides Scalco, presidente da Itaipu Binacional e uma das vozes mais influentes no chamado Ministério do Apagão.

Uma outra pilastra que pode segurar a crise, mas que continuou sem solução na semana passada, era o problema do risco cambial do gás natural. O impasse em torno do problema vem se arrastando há vários anos no governo e inviabilizou o programa prioritário de termelétricas, que prevê a construção de 49 usinas térmicas no País. A minuta da portaria ministerial começou a ser redigida numa reunião na quarta-feira, mas não foi publicada. Pela proposta, o preço do gás importado, que é cotado em dólar, seria transformado em real assim que entrar no País. A variação teria de ser absorvida pela Petrobras pelo período de 12 meses e, só depois, repassada para as tarifas. Em razão do impacto nas contas públicas, o ministro da Fazenda, Pedro Malan, é contra e está tudo na base do dito pelo não dito.

Enquanto cabeças batem entre si no governo federal, alguns Estados estão resolvendo o problema do preço do gás natural sem qualquer drama. O Paraná, de Jaime Lerner, anunciou que até 2005 vai gerar mais 3,5 mil megawatts só com a construção de termelétricas. O próprio governo do Estado se comprometeu a assumir o risco do câmbio. Lá também vêm sendo adotadas medidas inovadoras. ?Adotamos um turno corrido para os servidores públicos e estamos apostando na co-responsabilidade da população, e não na punição?, afirma. Por tudo isso que se viu na semana passada e diante do que se anuncia para as próximas, a conclusão a que se chega é que o governo sabe exatamente como colocou o Brasil na crise. Mas tem apenas uma pálida idéia de como tirar o País da enrascada.