O avanço do sentimento de otimismo entre empresários e consumidores costuma antecipar uma aceleração na atividade econômica. A visão de que as coisas estão para melhorar serve de colchão de segurança para a tomada de decisão de um plano de investimento, da compra de um carro ou de um imóvel. Desde meados do segundo semestre de 2018, os índices de confiança captam a mudança no humor dos brasileiros. O ritmo de crescimento, porém, ainda derrapa e dá margem a nova frustração entre economistas. Os números preliminares deste ano não deixam dúvida: a atividade segue no mesmo compasso de espera em que mergulhou desde o tombo provocado pela greve dos caminhoneiros, em maio do ano passado. Mais uma vez, o crescimento anual deve ficar aquém do que parecia ser possível — péssima notícia principalmente para os quase 13 milhões de brasileiros desempregados.

Há uma percepção de que as marcas da maior recessão da história ainda pesam sobre a economia e aumentam ainda mais a exposição à imprevisibilidade dos eventos políticos. No ano passado havia uma conjunção de elementos que justificavam um otimismo maior: inflação sob controle, taxa de juros em queda e o mundo no ritmo mais acelerado da década. As previsões iniciais sugeriam um crescimento de 3%, bem acima do pífio 1% que marcou a reversão da crise em 2017. Ninguém poderia antever um evento tão impactante como a greve dos caminhoneiros, que colocou o governo nas cordas e travou o País por quase duas semanas. A confiança afundou e o ritmo de crescimento nunca se recuperou. No último trimestre do ano, o PIB ficou praticamente estagnado (0,1%). Como consequência, o resultado de 2018 fechou em 1,1%. “O quarto trimestre foi um desastre”, afirma o economista Claudio Considera, do FGV Ibre. “É assustadora a falta de dinamismo da economia. Mesmo em janeiro, continuamos em compasso de espera e, se nada for feito, será uma década perdida.”

Um dos setores mais afetados pela paralisação dos transportadores, a indústria foi um dos grandes vilões do crescimento. Em 2018, cresceu apenas 0,6%. A previsão inicial em janeiro era de um avanço de 3,2%. Eventos esporádicos, como a greve e a recessão da Argentina acentuaram o tombo nas linhas de produção no Brasil. Mas há uma leitura mais estrutural: a ociosidade segue elevada e muitas empresas estão sem capacidade de fazer investimentos na inovação, modernização e ampliação de parques. Outro número arrasador é o da construção civil. A queda de 2,5% marca a quinta retração seguida e revela como a retração dos investimentos públicos ainda não está sendo compensada pela iniciativa privada. Com a piora das contas públicas, o País perdeu capacidade de responder com estímulos na infraestrura em momentos de perda de dinamismo. Em boa parte, foi o excesso de incentivos ao consumo no passado que nos trouxe até aqui — medidas como a redução de impostos para compra de veículos ajudaram a tirar o Brasil da crise em 2009, mas foram prolongados por tempo demais e acabaram fragilizando a sustentabilidade do Orçamento.

A situação não vai mudar sem a aprovação da reforma da Previdência. Os gastos com aposentadorias e pensões já consomem mais da metade da despesa federal e sinalizam um risco de insolvência no futuro. Só a revisão no sistema pode afastar essa hipótese. “A reforma da Previdência significa redução de custos, um estímulo ao investimento”, afirma o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e Equipamentos (Abimaq), João Carlos Marchesan. “O investimento de hoje é o crescimento de amanhã. Passamos a maior e pior crise da história, as empresas ainda estão muito machucadas, ficam mais conservadoras na hora de investir.” A recessão de 2015 e 2016 derrubou a taxa de investimento do País ao menor nível em quase 20 anos: 15% em 2017. Como comparação, emergentes como China e Índia possuem taxas superiores a 40%. O avanço de 4,1% no ano passado ainda é insuficiente para retomar o nível observado no pré-crise.

Corrida política: o presidente Jair Bolsonaro recebe os líderes da base aliado no Congresso. Eles cobram mudanças no texto da Previdência (Crédito:Marcos Corrêa/PR)

Mas ainda que a Nova Previdência avance no Congresso, a atividade deve seguir morna. As projeções para este ano embutem a premissa de aprovação do texto (mais cedo ou mais tarde, mas ainda neste ano). Ainda assim, elas estão sendo revisadas para baixo. A Rosenberg Associados alterou de 2,8% para 2,3% a expectativa para o PIB de 2019. Pode parecer pouco, mas será o suficiente para retardar a melhora do emprego e a retomada do nível de riqueza dos brasileiros. A renda per capita deve ficar em US$9.506, anteUS$ 12.020 na projeção anterior. “O Brasil tem bons fundamentos macroeconômicos, mas convive com situações que impedem um crescimento mais enfático. A economia está hesitante”, afirma Lucas Nobrega, economista do Santander. “Além da questão fiscal, a severa recessão deixou o País com uma capacidade ociosa enorme.”

INFORMALIDADE Uma das marcas ainda bastante persistentes da recessão é a baixa qualidade do mercado de trabalho. Somado aos 12,7 milhões de desempregados, há um contingente de pessoas que gostariam de trabalhar, mas não encontram vagas, além daquelas que estão ocupados, mas com uma carga horária menor do que a desejada. Ao todo, esse grupo concentra 27,5 milhões de pessoas. Há também uma piora do perfil no contingente de ocupados. Boa parte da recuperação até agora se deu pela via informal, na qual o rendimento é mais baixo e muito frágil. Trata-se de uma combinação que afeta o consumo, o principal motor do PIB. Para 2019, a expectativa é de um avanço de 2,6% no consumo das famílias.

Previsões do mercado para o PIB embutem a premissa
de que a reforma da Previdência será aprovada
no Congresso ao longo deste ano

Fica cada vez mais claro que o processo de retomada se dará de forma gradual. Nesse ambiente, deve ganhar força o debate sobre a necessidade de reformas que vão além da sustentabilidade fiscal, mudanças capazes de dinamizar a economia e quebrar a letargia do crescimento. É preciso que as respostas de Brasília sejam mais enérgicas frente aos problemas históricos da competitividade do País. “Se avançar nas outras reformas poderemos atacar os 30% a mais de custo Brasil que enfrentamos hoje”, afirma Marchesan. “Convivemos ainda com um verdadeiro manicômio tributário.”

Outra hipótese que começa a ganhar força é a de que a frustração da atividade pode abrir espaço para uma nova queda dos juros. O Banco Central vem sinalizando que a mínima histórica de 6,5% deve se estabilizar, mas um grupo de economistas considera como um patamar alto para o ritmo atual de crescimento. Um dos argumentos para defender essa hipótese é, na verdade, uma má notícia para o Brasil: a desaceleração do mundo. O PIB global mais lento deve “roubar” crescimento como consequência de exportações mais tímidas e preços de commodities mais baixos. Por outro lado, afasta o risco de pressões inflacionárias de origem externa. Mesmo se prevalecer a tese de uma nova redução, ainda deve ser insuficiente para garantir um PIB maior. Se confirmado, será o oitavo ano em que o resultado ficará abaixo do previsto em janeiro. E pode colocar em xeque a euforia que toma conta da Bolsa.