Com o diagnóstico e a confirmação do primeiro caso de coronavírus (covid-19) no Brasil realizados em menos de três dias, o País se colocou à frente de nações desenvolvidas, como a Itália, nas medidas reparativas diante do surto que nasceu na China e já se espalha globalmente. A medida só aconteceu graças à capilaridade do Sistema Único de Saúde (SUS), que conseguiu reproduzir um comportamento padrão em todo o território nacional para lidar com o surto. Apesar de rapidamente contornado o caso que apareceu em São Paulo, a escala da doença coloca o mundo em alerta, mudando inclusive a forma como as nações se relacionam economicamente para lidar com a doença. Em coletiva à imprensa realizada na quarta-feira 26, o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, exaltou o papel do SUS em replicar procedimentos de coleta de informações em escala nacional.

Para ele, isso permitiu que o paciente em São Paulo, que deu entrada no hospital Albert Einstein no último dia 25 fosse rapidamente encaminhado. “Ainda bem que temos o Sistema Único de Saúde. Isso nos permite uma agilidade ímpar e nos coloca à frente de nações desenvolvidas no combate ao vírus”, disse Mandetta.

Se as medidas imediatas de combate parecem relativamente eficientes no País, reside na agenda de médio-prazo, que envolve compra de insumos e medicamentos para tratar eventuais casos futuros, um problema: a China é hoje o grande abastecedor mundial de produtos como agulhas, máscaras e medicamentos. “Há, sim, um receio sobre o abastecimento de produtos importados do país asiático”, disse o ministro. Na avaliação dele, o surto que acomete principalmente a China terá efeitos em cadeia, mas não só para o Brasil. “O mundo todo depende da China. Estamos procurando alternativas em países como Coreia do Sul e França, para parte do abastecimento, mas também vamos fortalecer a nossa indústria para compor essas compras”, afirmou. O receio do ministro é de que os produtos importados do gigante asiático fiquem parados nos terminais portuários ou que as indústrias locais parem os trabalhos por falta de condições de seguir com os pedidos.

Para o médico sanitarista Alfredo Córdoba, o Brasil tem se mostrado bastante ágil no monitoramento de casos. Ele destaca que as pesquisas mais avançadas em busca de uma vacina estão sendo realizadas no Instituto Butantan, em São Paulo. “O instituto analisa as mutações dos quadros virais das mais distintas fontes, como o influenza, por exemplo. Agora, eles estão desenvolvendo uma vacina para tratar dessa mutação com grandes chances de êxito”, disse. No sentido de acelerar os estudos e mapear melhor o comportamento do vírus em São Paulo, o governador João Doria anunciou a criação de um centro de contingenciamento da doença. O espaço será coordenado pelo infectologista David Uip, do Instituto Butantan.

PANDEMIA Na avaliação do ministro da Saúde, muito em breve a Organização Mundial da Saúde (OMS) mudará o status do vírus para uma pandemia. O motivo, diz Mandetta, é que, num mundo globalizado, é impossível tratar os casos focando apenas onde nasceu o surto. “Por enquanto a associação entre um potencial portador do vírus com locais de alto ou baixo risco de infecção ajuda a mapear os casos, mas isso não durará muito tempo”, declarou o ministro. Na avaliação dele, já nas próximas reuniões, a OMS deverá caracterizar o surto como pandemia, o que, na prática, retira apenas a necessidade de busca de relações entre o doente e o epicentro da crise, em Wuhan, na China.

Prova desse movimento é o caso brasileiro. O portador do vírus, um homem paulistano de 61 anos, foi infectado durante uma viagem à Itália. Já em São Paulo, após sentir alguns sintomas relacionados à gripe, ele foi ao Hospital Albert Einstein e, em seguida, ao laboratório Adolf Lutz, que confirmou a suspeita. Dessa forma, as 30 pessoas que entraram em contato com o doente, já no Brasil, também estão sendo monitoradas, bem como os passageiros que estavam no mesmo vôo que ele.

PRECAUÇÃO: No aeroporto de Guarulhos (SP), já há viajantes com máscaras (Crédito:Fepesil/Thenews2)

Os sintomas do coronavírus na economia

Se na parte social tudo parece controlado, na economia os sintomas do coronavírus não se mostram tão promissores. Na quarta-feira 26, após o recesso de Carnaval, a bolsa de valores brasileira caiu 7%, motivada pelas incertezas relacionadas à doença. Com essa forte retração, as empresas brasileiras listadas na B3 perderam um total de R$ 290,2 bilhões, o equivalente ao valor de mercado do Itaú Unibanco. Movimento similar foi visto mundo afora. Já o Índice de volatilidade VIX foi ao mais alto nível desde 2018. O indicador, conhecido como “índice do medo”, mede as expectativas dos agentes para movimentações das ações do índice S&P. “Essas preocupações se elevaram no fim de semana, após uma onda de casos ter sido relatada na Coréia do Sul, Irã e Itália, gerando paralisação de algumas atividades nos países, enquanto as autoridades tentam manter os recentes surtos sob controle”, diz a XP Investimentos, em relatório, ressaltando que os reflexos no Brasil foram maiores pela confirmação do primeiro caso de coronavírus no País.

Segundo a Economatica, as maiores perdas no dia 26 de fevereiro foram Petrobras (R$ 39,2 bilhões) e Vale (R$ 24.5 bilhões). Juntos, Santander, Itaú Unibanco, Banco do Brasil e Bradesco tiveram perdas equivalentes a R$ 50,5 bilhões. Fora do País, o Índice da bolsa brasileira dolarizado (EWZ) acumulou queda de 6,35% na bolsa de Nova Iorque durante o Carnaval, puxada por Vale (-9,7%), Petrobras (-8,6%), Itaú (-7,5%), Cemig (-5,1%). Diante desses resultados, se desenha no horizonte a confirmação das estimativas do Fundo Monetário Internacional (FMI), que prevê redução de 0,1 ponto percentual na economia global por causa do coronavírus. “Em uma economia globalizada, o mundo depende da China para garantir suplementos”, diz o economista Fábio Santão, da Universidade de Campinas (Unicamp). Prova disso é que Apple, Toyota, Danone e Diageo já sinalizaram aos seus acionistas que o surto do covid-19 irá impactar os ganhos no ano.

IMPACTO NA BOLSA: Na quarta-feira 26, a Bovespa sofreu um forte tombo de 7%. (Crédito:Cris Faga)

No Brasil, grupos como Samsung, LG e Motorola também reportaram problemas no abastecimento de itens vindos da China. Entre as estatais, a Petrobras espera redução no preço do petróleo. Tanto é que o Goldman Sachs reduziu a projeção para o crescimento da demanda pelo óleo em 2020, para 600 mil barris por dia (bpd), de 1,2 milhão de bpd anteriormente. O banco também cortou a previsão de preços do petróleo Brent, de US$ 63 para US$ 60 o barril. Aos que possuem investimentos na B3, a orientação da XP é diversificar. “É importante ter uma carteira variada, principalmente neste cenário de elevada incerteza, que pode manter a volatilidade alta no curto prazo. No longo prazo, acreditamos que os fundamentos das boas empresas não se alteram”. A dica é que o investidor mantenha o portfólio variado, com exposição não apenas em renda variável, o que o ajuda a “tolerar a volatilidade variações de preços no curto prazo”.

Com relação ao dólar, Felipe Sichel, estrategista do banco digital Modalmais, afirma que o cenário é de incertezas. “Enquanto não tivermos clareza de uma reversão do contágio, a expectativa é de impacto na atividade da China e outros países do sudeste asiático”. Ele destaca que a economia chinesa está disfuncional, pessoas não estão saindo de casa, não estão consumindo, e nas empresas muitos trabalhadores estão em home office. “Isso também afeta as entregas de matéria-prima de parceiros comerciais com o Brasil”, ressalta Sichel.

Já para Filipe Fradinho, analista da Clear Corretora, nesse ambiente o dólar mais alto atrapalha alguns segmentos, mas também minimiza os efeitos para as exportadoras. “O câmbio mais elevado afeta as empresas endividadas em dólar e as companhias de aviação civil”, afirma. Entre as companhias que podem ser beneficiadas com o dólar elevado, ele cita a Weg, Minerva, Suzano, Klabin e Embraer.