Na última década, o Produto Interno Bruto (PIB) agropecuário brasileiro cresceu a uma taxa média anual de 3,3% ante 2,3% do resto da economia. A produção deu um salto de mais de 100 milhões de toneladas, a produtividade cresceu em 1,1 quilo por hectare e o País vem conquistando e superando títulos de maior produtor mundial em diferentes produtos agrícolas, nesse mesmo período. Numa área porém, o Brasil parou décadas atrás: a legal. “Apesar de sermos uma potência agrícola, termos algumas das tecnologias mais avançadas do mundo e recursos naturais em abundância, na área do Direito o País está atrasado”, diz Renato Buranello, professor do Insper Direito.

Isso porque os marcos regulatórios que regem o setor, como a Lei de Políticas Agrícolas e o Estatuto da Terra, têm décadas. “O maior diploma jurídico que trata de financiamentos e contratos, o Estatuto da Terra, é datado de 1964 e foi elaborado antes disso, quando o maior objetivo era desenvolver uma política pública de reforma agrária e distribuição de renda”, afirma Buranello. “Não que essa preocupação não deva existir, mas éramos importadores de alimentos naquela época. Hoje, somos o segundo maior exportador.”

As gigantes do agronegócio hoje dependem de contratos que envolvem instrumentos como mercados futuros, derivativos cambiais, certificados de recebíveis, garantias de exportação, entre outros, não previstos na legislação. Na época em que o Estatuto da Terra foi criado, ele protegia, por exemplo, um arrendatário hipossuficiente”, diz Fernando Campos Scaff, professor da Faculdade de Direito do Largo São Francisco. “De modo geral, hoje o arrendatário são grandes multinacionais.”

Defasagem

Além de os contratos empresariais e comerciais em si dependerem de leis defasadas, outras áreas relacionadas ao agronegócio, como tributária, ambiental e trabalhista, sofrem do mesmo problema. Com características muito típicas, que envolvem riscos inerentes à atividade, o agronegócio tem obrigado os advogados a adaptarem seus contratos, usando códigos criados e praticados em outras áreas. “Se o consumidor comprar um armário ou uma tonelada de soja, a lei é a mesma”, diz Buranello.

Sem regras e jurisprudência claras a serem aplicadas a suas necessidades, o resultado para as empresas de agronegócios, evidentemente, é a incerteza jurídica – e custos maiores. “Fizemos em outubro um seminário sobre tributação no agronegócio, com temas que de maneira nenhuma são novidade, mas que os produtores não têm conhecimento porque é preciso garimpar artigos e interpretações que podem ser usadas em suas atividades”, diz Fabio Calcini, professor da pós-graduação da FGV Direito SP. “Lotou porque, nem é preciso dizer, a questão tributária pode viabilizar ou não um negócio.”

Na verdade, dizem os especialistas, está se vendo a formação de um novo campo de atuação, o do Direito do Agronegócio. Com a oferta crescente de cursos em pós-graduação e extensão, uma bibliografia variada e a demanda de um mercado de clientes enorme a ser atendido.

Para os especialistas, a solução não seria fazer uma única legislação que abrangesse todo o tema, mas atualizar as pertinentes com capítulos específicos referentes ao agronegócio. Uma formalização essencial já que, segundo levantamento da Confederação Nacional da Agricultura, havia mais de 300 projetos de lei ligados ao setor em andamento. Os ganhos de produtividade, afirmam, seriam sensíveis, com a geração de mais riqueza, empregos e tributos.

Também haveria mais clareza com relação aos assuntos polêmicos ligados ao setor. A recente portaria do Ministério do Trabalho que mudou a legislação sobre o trabalho escravo, atendendo a demanda da bancada ruralista, com fortes críticas até ser suspensa pelo Supremo Tribunal Federal, não precisaria nem sequer ter existido. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.