Jerome Hayden Powell, que assumiu o comando do Federal Reserve (Fed, o banco central americano), no dia 5 de fevereiro, tem um perfil muito diferente do de seus antecessores. O ex-banqueiro de investimentos é formado em direito, e será o primeiro não-economista a presidir o Fed desde 1978. Será o mais rico dos presidentes, com um patrimônio de US$ 55 milhões (R$ 177 milhões). Só para comparar, sua antecessora Janet Yellen tem US$ 16,6 milhões (R$ 53,6 milhões). Finalmente, ao contrário de Yellen, funcionária de carreira da instituição, e de Ben Bernanke, o professor universitário que a antecedeu, Powell, de 65 anos, foi bem-sucedido dentro e fora do governo. Foi subsecretário do Tesouro no início dos anos 1990, e é um dos diretores do Fed desde 2011. Na iniciativa privada, presidiu o banco de investimentos Bankers Trust, que foi adquirido pelo Deutsche Bank em 1997, e foi um dos sócios da gestora de fundos de private equity Carlyle.

As diferenças não acabam aí. Bernanke e Yellen tiveram de debelar a crise do subprime, em 2008, a pior desde os anos 1930. Powell terá de enfrentar o desafio de desacelerar uma economia que se aproxima do pleno emprego estrutural e começa a mostrar sinais de inflação, sem que o tênue equilíbrio dos mercados financeiros mundiais seja rompido nesse processo. Em seu discurso de posse, Powell deixou claras suas intenções. “Estamos no processo de normalizar gradualmente as taxas de juros”, afirmou. Quem acompanha as declarações dos banqueiros centrais sabe que isso é um sinal claro de uma política monetária mais dura. Há boas razões para isso. O desemprego americano, que chegou a 10% em outubro de 2009, caiu para 4,1% em outubro de 2017, percentual em que permanece até agora. Os salários estão subindo.

Olhos na tela: operadores na bolsa de Nova York em meio aos solavancos provocados pela inflação acima do esperado em janeiro (Crédito:Drew Angerer/Getty Images/AFP)

Em janeiro, o valor da hora trabalhada nos Estados Unidos alcançou US$ 26,74, uma alta de 2,9% em 12 meses, e o maior valor desde 2009. Isso pressiona a inflação. O índice de preços ao consumidor subiu 0,5% em janeiro, ante 0,2% de dezembro. Em 12 meses, o percentual foi de 2,1%, acima das projeções de 1,9%. Está longe de ser um número explosivo, mas preocupa o mercado. No dia de sua posse, quando, coincidentemente, foi divulgada a inflação de janeiro, o índice Dow Jones caiu 4,6%. O indicador subiu 3.3% no pregão seguinte, mas voltou a cair, e recuou 3,65% no dia 9. Na quinta-feira 15, uma alta de 2,71% reforçou a ausência de consenso no mercado.
Powell procurou sossegar os investidores. “Ficaremos alertas para o surgimento de quaisquer sinais de instabilidade financeira”, disse ele. As palavras tranquilizadoras não vieram à toa.

Em 2017, Powell mostrou quais são suas prioridades. “O trabalho do Fed é preservar o valor da moeda, não impedir que as pessoas percam dinheiro”, disse ele. Ao longo dos anos, nas reuniões da diretoria, ele manifestou várias vezes seu desconforto com o excesso de dinheiro injetado no mercado, e com a política de juros baixíssimos. “Penso que chegamos a um ponto em que estamos estimulando as pessoas a assumir mais riscos, e deveríamos dar uma pausa nisso”, disse ele em, outubro de 2012. Dois meses mais tarde, voltaria à carga ao comentar a expansão monetária. “Os riscos dessa estratégia expansionista superam, em muito, os seus benefícios. Será muito difícil mudar essa trajetória, e deveríamos começar a preparar as expectativas dos investidores desde já.”

Os ajustes já começaram. As taxas referenciais americanas caíram para zero em 2010. Lá permaneceram até dezembro de 2015, quando subiram, lentamente, para os 1,5% atuais. Os analistas esperam que, no fim de 2018, elas estejam ao redor de 2,5% ao ano. “O discurso de Powell foi muito consistente com suas declarações anteriores à posse”, disse Michael Feroli, economista-chefe para os Estados Unidos do banco JP Morgan Chase. “O Fed começou a elevar os juros no fim de 2015, e não está nem perto de encerrar esse processo.” O novo presidente, porém, tem um problema: quem o colocou no cargo. Donald Trump se elegeu com a bandeira da volta da prosperidade. Durante a campanha e depois da posse, ele prometeu acelerar o crescimento econômico por meio de medidas expansionistas, como cortes de impostos e investimentos em infraestrutura que podem chegar a US$ 1,5 trilhão (leia o artigo aqui). Isso quer dizer juros mais altos, o que representa uma ruptura em relação aos presidentes anteriores.

Em outubro de 1987, Alan Greenspan presidia o Fed há pouco mais de três meses quando foi surpreendido por uma queda de 22% em um só dia na Bolsa de Nova York. Greenspan solucionou o problema imprimindo dinheiro, receita que repetiria nas crises seguintes: a guerra do Golfo, em 1991, a crise do México, em 1994 e a bolha das empresas de internet, no ano 2000. Como resultado, os Estados Unidos – e boa parte do mundo, China à frente – desfrutaram de quase duas décadas de prosperidade, embalados por dinheiro abundante e barato. A festa, porém, acabaria em 2008. Com capital em excesso, os bancos haviam emprestado sem critério, financiando casas para quem não podia pagar.

Os analistas esperam que Powell eleve os juros mais depressa, ainda que isso provoque prejuízos nos investidores

A inadimplência surgiu inicialmente nos empréstimos imobiliários, e logo se espalhou para outros setores da economia. Foram oito anos de crise. Para enfrentá-la, Bernanke, que sucedeu Greenspan montou um pacote de ajuda aos bancos de US$ 1,5 trilhão, e reduziu os juros para perto de zero. Evitou-se o pior, mas o sistema financeiro engordou, com ajuda do banco central. O Fed tinha US$ 4,4 trilhões (R$ 14,2 trilhões) em ativos no fim de 2017, balanço que Powell já disse querer reduzir. A questão é como fazer isso sem fazer ressurgir a crise que flagelou a economia americana (e várias outras, tanto desenvolvidas quanto emergentes) na primeira metade desta década. Ele terá muito trabalho pela frente.