Superar a crise econômica originada pela pandemia tornou-se questão de sobrevivência para as companhias aéreas. O setor foi um dos mais impactados pelas restrições de circulação e distanciamento social em 2020. A receita com voos de passageiros caiu 69%, para US$ 189 bilhões. A perdas líquidas chegaram a US$ 126,4 bilhões, de acordo com a Associação Internacional de Transporte Aéreo (Iata). No mercado brasileiro a história não foi diferente. O prejuízo das empresas atingiu R$ 19,7 bilhões, segundo a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac). A solução foi adotar estratégias para minimizar os efeitos e garantir a manutenção dos negócios. E, com base nos resultados apresentados pelas empresas no segundo trimestre, os esforços surtiram efeito. Azul, Gol e Latam apresentaram melhora nos números, e a expectativa de boas notícias segue à medida que a vacinação contra a Covid-19 avança pelo País. E mesmo com muitas nuvens na rota, o trio programa investimentos de ao menos R$ 6,5 bilhões até 2025 em diversos projetos. Na avaliação de John Rodgerson, CEO da Azul, a turbulência ficou para trás. “Acredito muito na recuperação do mercado nacional. Isso já está acontecendo”, afirmou o executivo à DINHEIRO, em entrevista no principal hub da empresa, em Campinas (SP). “Daqui para frente vamos ter uma forte retomada.”

A Azul não mediu esforços para manter altitude de cruzeiro em meio à tempestade. Reduziu os custos e sem deixar de lado os investimentos viu os números saltarem aos olhos entre abril e junho. A receita chegou a R$ 1,7 bilhão, aumento de 323,9% em relação ao mesmo período do ano passado. O lucro líquido foi de R$ 1 bilhão, revertendo prejuízo de R$ 2,9 bilhões na comparação anual. A companhia ainda pôde comemorar um recorde de R$ 5,5 bilhões de liquidez imediata, com uma oferta de US$ 600 milhões em títulos de dívida. A liquidez total, incluindo aplicações financeiras e recebíveis, reservas de manutenção e depósitos, atingiu R$ 8,2 bilhões, alta de 45,5% em relação a igual período do ano passado. Com base na recuperação gradual do mercado e das demais iniciativas tomadas durante a crise sanitária, Rodgerson acredita que a empresa possa gerar Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização) de R$ 4 bilhões, acima dos R$ 3,6 bilhões de 2019.

A expansão de rotas regionais foi uma das soluções para incrementar as operações. A aérea hoje atende 130 destinos no País, contra 115 do período pré-pandêmico.

“A ideia é fechar 2021 com ao menos 150 cidades no roteiro e chegar a 200 em até três anos”, disse Rodgerson. “Ao voarmos para essas regiões levamos desenvolvimento, criamos empregos e geramos PIB.” A empresa tem hoje 161 aviões em operação — e a perspectiva de retomada das viagens corporativas também é fator que alimenta o otimismo.

DEMANDA EM EXPANSÃO Depois de meses com aeroportos vazios, que causou prejuízo de R$ 19,7 bilhões para as empresas brasileiras, a busca por viagens está em crescimento acelerado. (Crédito:Renato S. Cerqueira)

Um levantamento da Associação Latina Americana de Gestão de Eventos e Viagens Corporativas (Alagev), divulgada com exclusividade à DINHEIRO, mostra que 25% das empresas no País pretendem retomar as viagens corporativas a partir de outubro deste ano, frente a 23% que já retomaram desde julho. Isso porque o setor de eventos está, segundo a entidade, preparado para o novo normal pós-pandemia, com a readequação de espaços. Tanto é que 93% dos gestores de viagem, segundo o estudo, estão em busca de oportunidades em locais que sejam abertos e ventilados, incluindo ao ar livre.

Apesar do potencial dos eventos presenciais, é o turismo de lazer que está no foco da Azul. O segmento é responsável por 35% dos voos no Brasil, enquanto 65% correspondem a passageiros corporativos. Os números vão de encontro aos dos mercados americano e europeu, onde os consumidores que voam em férias chegam a 75% e 85%, respectivamente. A aposta, no entanto, mostra-se desafiadora quando se compara as arrecadações dos dois setores. Antes da pandemia, os turistas a negócio respondiam por cerca de 70% do faturamento das companhias nacionais. As restrições de circulação e a consequente adoção do home office por muitas empresas derrubaram os índices. Ao mesmo tempo, a retomada gradual dos voos corporativos anima a companhia. A demanda por passagens aéreas de negócios atingiu 60% na comparação com o período pré-pandemia e a estimativa da Azul é que o segmento alcance 80% a 85% até o fim de dezembro. O aumento está condicionado à aplicação da segunda dose da vacina.

Claudio Gatti

“Parte da queda dos voos está sendo compensada pelo work anywhere” Carlos Mascarenhas diretor da Copa Airlines no Brasil.

Com os voos nacionais em retomada, mas ainda sem poder contar integralmente com as rotas internacionais, a Azul viu no transporte de carga uma chance de reforçar a receita. Até janeiro de 2020, dois meses antes do início da pandemia no Brasil, a companhia transportava em média 8 milhões de cargas por mês. Esse volume caiu pela metade em abril, no primeiro mês da pandemia. No entanto, com o crescimento do e-commerce e o aumento da demanda por serviços logísticos no restante da temporada, a empresa registrou alta de 58% no movimento, com picos de até 12,6 milhões de cargas transportadas. O aquecimento dos negócios ficou evidenciado na alta de 137,2% na receita do último trimestre na comparação com o mesmo período de 2019. O faturamento anual deve chegar a R$ 1 bilhão — o dobro do realizado em 2019. A confiança está baseada em contratos com grandes marcas do País, como Magazine Luiza e Samsung, e na expansão para as regiões Nordeste e Norte, principalmente em áreas interioranas. “Lugares que sofrem com a falta de opções de compras, como shoppings e lojas de departamento”, afirmou o CEO da Azul.

ELETRIFICAÇÃO Com a intenção de acelerar os compromissos ESG (sigla em inglês para ambiental, social e governança) e ajudar a desenvolver a descarbonização no setor, a aérea participa de parceria estratégica com a empresa alemã Lilium, para construir uma malha com aeronaves eVTOL (veículo elétrico de pouso e decolagem vertical), 100% elétrica, no Brasil. A aliança inclui uma frota de 220 unidades com operação prevista a partir 2025 e investimento que pode atingir US$ 1 bilhão. “Essas aeronaves podem pousar em cima dos prédios ou em um aeroporto. São mais eficientes do que um helicóptero, têm um quarto do custo, oferecem maior segurança e muito menos barulho”, disse Rodgerson. A intenção é criar um segmento na companhia para voos mais curtos e que conectem centros econômicos, regiões metropolitanas, cidades turísticas e aeroportos. As aeronaves da Lilium têm autonomia para até 240 quilômetros e capacidade para transportar um piloto e seis passageiros. “É possível ir da capital paulista ao litoral em apenas 20 minutos”, afirmou.

Os planos de crescimento da Azul incluem a aquisição das operações domésticas da Latam. Rodgerson vê como natural o interesse na concorrente que enfrenta recuperação judicial nos Estados Unidos, por causa de dívidas de US$ 18 bilhões. Uma possível concentração de mercado, defendida por alguns especialistas, é minimizada pelo executivo, que cita os casos da Air Canadá, Avianca e antiga LAN (hoje Latam), detentoras, segundo ele, de 70% (as duas primeiras) e 85% dos mercados canadense, colombiano e chileno, respectivamente. “Vejo com uma oportunidade saudável. Teríamos uma empresa ainda maior, que paga impostos, gera PIB. O Brasil tem que esquecer o complexo de vira-lata”, afirmou o executivo. “A Azul criou a melhor aérea do mundo voando com aeronaves fabricadas no Brasil, usando pilotos, comissários e gente do aeroporto que são brasileiros. Por que não podemos fazer algo maior? Por que não podemos comprar a Latam? Os credores vão decidir.”

Claudio Gatti

“A Latam aposta na melhoria do setor e iniciou processo de retomada gradual, porém otimista, para sair mais forte” Jerome Cadier CEO da Latam.

MAIS PRAZO Enquanto a Azul articula a fusão nos bastidores, a Latam corre contra o tempo para apresentar à Justiça americana seu plano de recuperação. O prazo terminou em 30 de junho, mas o grupo obteve autorização do Tribunal de Falências de Nova York para o adiamento, prorrogado para 15 de setembro. Em meio a isso, a companhia teve de driblar os percalços originados pela segunda onda da Covid, principalmente em abril. No segundo trimestre, a receita do grupo — incluindo a operação brasileira — cresceu 55,4% na comparação anual, para US$ 888,7 milhões. O prejuízo de US$ 769,6 milhões foi reduzido em 13,5% frente à perda de US$ 890 milhões registrada no mesmo trimestre de 2020.

Sem aliviar no acelerador — manete de empuxo, no jargão da aviação —, a Latam projeta investimentos. Serão US$ 400 milhões (metade do valor destinado à operação brasileira) até setembro de 2022 na reformulação das cabines de 30 aeronaves da frota nacional, além de 44 aviões pertencentes às demais afiliadas do grupo. Atualmente, a Latam opera com 123 aeronaves, o equivalente a 82% da frota total (149), e pretende fechar 2021 com 85% (127). Segue em continuidade processo anunciado em maio de ampliação (de 11 para 21) das unidades cargueiras até 2023. A companhia também iniciou a contratação de 1 mil agentes de aeroportos e de 750 tripulantes no Brasil. “A Latam vem apostando na melhoria do setor aéreo e iniciou um processo de retomada gradual, porém otimista, para sair dessa crise mais forte do que entramos”, afirmou Jerome Cadier, CEO da Latam.

Apesar dos sinais de superação da Latam, o especialista em aviação civil Thiago Carvalho, do ASBZ Advogados, afirmou que o destino da operação brasileira segue nas mãos dos credores. Membro da comissão de direito aeronáutico da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) do Rio de Janeiro, ele disse que a recuperação do mercado internacional, que tem maior peso para a Latam (a companhia já voa para 12 dos 26 destinos pré-pandêmicos), ainda é uma incógnita e mesmo com o avanço da vacinação no Brasil, a média móvel de mortes ainda é uma das mais altas do mundo. “A forma como a pandemia foi conduzida nos deixou sem credibilidade no exterior, o que atrasa o fim das barreiras sanitárias impostas aos passageiros procedentes ou com passagem pelo Brasil.”

ESTRANGEIRA Ainda assim, companhias aéreas internacionais estão empolgadas com o horizonte de recuperação do Brasil. Líder entre as companhias estrangeiras no mercado brasileiro pelo ranking da Agência Nacional de Aviação Civil (Anac), a panamenha Copa Airlines, com mais de 40 voos semanais no País, está com 48% da sua operação ativa se comparada a 2019, antes da pandemia. “Parte da queda dos voos está sendo compensada pelos novos formatos de trabalho, que mais do que o home office é o ‘work anywhere’”, afirmou Carlos Mascarenhas, que comanda a operação da Copa Airlines no País, a segunda mais importante para a empresa, depois dos Estados Unidos. “Para destinos como Cancún e Punta Cana, estamos batendo todos os recordes de voos partindo do Brasil”, disse o executivo. A companhia encomendou 50 novos aviões Boeing 737, dos quais 13 já estão atendendo a rota São Paulo-Cidade do Panamá e, nos próximos meses, começará a voar a partir do Rio de Janeiro. A julgar pela demanda do mercado, a decolagem já está autorizada.

VIAJAR É PRECISO

Carlos Cecconello

A afirmação acima foi adotada como lema pela Agaxtur Viagens, uma das maiores e mais tradicionais operadoras de turismo do Brasil. Com 67 anos de mercado e uma rede de 60 lojas em todo o País, a empresa sofreu com a paralisação do setor provocada pela pandemia. Agora, o cenário é de otimismo. “A retomada é total e a perspectiva é a melhor possível”, afirmou o proprietário Aldo Leone Filho. “A vacinação avançou e a cada semana mais países abrem suas fronteiras para brasileiros, temos mais clientes embarcando e a procura por viagens é intensa”, disse o empresário que, nos últimos meses, precisou redesenhar o modelo de atendimento ao público. Com a operação das lojas limitada pelas restrições da Covid, a Agaxtur adotou ferramentas digitais como videochamada, chat on-line e vendas pelo WhatsApp. Com a retomada, a empresa prepara sua força de vendas para atender a demanda projetada para os próximos meses. Uma convenção de agentes de colaboradores foi agendada no sábado (21), no hotel Terras Altas, em Itapecerica da Serra (SP). Palestras, vivências de autoconhecimento e saúde mental foram incluídas na programação de 10 horas que tem como tema “Retomar é preciso…
e viajar também”.

GOL RENOVA FROTA PARA A RETOMADA

Zanone Fraissat

A busca por mais eficiência levou a Gol Linhas Aéreas a definir um investimento de mais de R$ 500 milhões até o final do ano que vem. No início deste mês, a empresa confirmou a encomenda de 28 aeronaves 737 MAX-8, da Boeing, dentro de um plano de ter economia operacional com jatos mais novos e um plano de financiamentos revisado, enquanto tenta otimizar para aliviar os efeitos nefastos da pandemia. Pelos cálculos da companhia, as medidas devem reduzir em 8% seus custos unitários em 2022 e gerar cerca de US$ 200 milhões em ganhos de capital e caixa. Os jatos substituirão 23 unidades do modelo 737-800 NG até o fim do ano que vem. Com o acordos, a Gol prevê encerrar 2021 com 28 aeronaves 737 MAX 8 e, até o final de 2022, com 44 jatos 737 MAX.

Em abril, a Gol já havia anunciado um aumento de capital de R$ 512 milhões, liderada por acionistas controladores, os irmãos Constantino, que informaram ao Conselho de Administração a intenção de subscrever até cerca de R$ 270 milhões em novas ações a um preço por ação preferência de R$ 24,19, representando um prêmio de 9,13% sobre o preço médio de 30 dias das ações preferenciais.

Segundo o CEO Paulo Kakinoff, a capacidade de retomada está diretamente associada à lição de casa feita nos últimos meses. Desde o início da pandemia a empresa tomou uma série de ações contingenciais, começando pela mudança em sua malha de voos que incluiu o cancelamento de 100% de seus voos internacionais, renegociações de pagamentos de arrendamentos, corte de investimentos não essenciais e redução significativa nas despesas. “A companhia tem gerenciado sua liquidez de forma responsável, com o equilíbrio de capacidade de acordo com o patamar da recuperação da demanda com o objetivo de promover uma operação sustentável”, disse o CEO da Gol à DINHEIRO. “Ao mesmo tempo, mantivemos a disciplina de cumprir com todas suas obrigações financeiras e registramos a maior desalavancagem de uma empresa aérea na pandemia, tendo reduzido mais de R$ 2 bilhões de dívidas no curto prazo.”

Nas contas de Kakinoff, a Gol vai ampliar 50% nas decolagens no segundo semestre deste ano, quando comparadas ao mesmo período do ano passado, conforme a imunização da população avance. “Já em agosto temos uma malha que atinge 454 decolagens diárias, um aumento de 30% da oferta se comparado com junho. O número representa a recuperação de 67% da oferta registrada no pré-pandemia, em 2019, e uma evolução de 78% em agosto de 2021 ante agosto de 2020”, afirmou o CEO. Espera-se, segundo ele, que a receita do segundo semestre de 2021 cresça aproximadamente 60%, comparada com igual período do ano passado.

ENTREVISTA: JOHN RODGERSON, CEO DA AZUL 
“Não podemos ter os mesmos custos de antigamente. Precisamos buscar eficiência”

Claudio Gatti

Quais sãos os principais desafios para a Azul na pandemia?
Câmbio e combustível. Não podemos ter os mesmos custos de antigamente. Precisamos buscar eficiência. E com o uso da tecnologia. O celular é muito mais poderoso do que um totem em um aeroporto.

Por que os brasileiros viajam pouco de avião?
Primeiro, acho uma vergonha. Muito brasileiro conhece Paris, Nova York, mas não as belezas do Brasil. Há algumas razões. O custo do Brasil é alto. Existem muitos tributos. Há desafios do câmbio. Quando cheguei, há 13 anos, era R$ 1,58. Agora está em R$ 5,30. Temos muitos custos dolarizados. O brasileiro viaja uma vez a cada dois anos, ou seja, um índice de 0,5 por habitante. Esse indicador é de 0,8 no mercado colombiano e de 1,3 entre os chilenos. Para chegar onde o Chile está precisamos de mais 1 mil aeronaves no País. Temos média de 85 funcionários por aeronave. Basta fazer a conta. São empregos diretos. Precisamos estimular o lazer e ter as pessoas viajando mais.

Como mudar esse cenário?
Nas nossas concorrentes, Gol, Latam e ITA, 92% dos assentos estão em um triângulo dentro do Brasil, que são Rio de Janeiro, São Paulo e Brasília. Para a Azul o Brasil é bem maior. É Centro-Oeste, Norte, Nordeste, Sudeste, interior do Rio Grande do Sul e do Amazonas. Então, por que as pessoas não estavam viajando tanto? Porque essas cidades não eram conectadas. A Azul atende 130 cidades. O segundo colocado (Gol) está em 50. Sem a Azul, teríamos 80 cidades a menos com serviço aéreo. Mas fazemos uma coisa diferente. A gente voa uma frota diversificada — da Embraer, do Airbus, do ATR, do Caravan. Então, temos a possibilidade de entrar em mercados distintos. E agora com uma nova tecnologia de novas aeronaves que estão chegando, que queimam menos combustível e são mais eficientes, podemos reduzir a tarifa e ter mais gente voando.

Como analisa a entrada da ITA no mercado nacional?
Acho que precisa apresentar ao mercado algo diferente. Por exemplo: o que a Avianca trouxe de novidade? Voou nas mesmas cidades e com os mesmos tipos de aeronaves da Latam. Não teve sucesso. Então, se a ITA puder trazer a mobilidade do ônibus para o aeroporto, acho que vai ter chance de sucesso em um mercado bastante difícil, que requer muito capital. Mas fazer mais do mesmo não vai trazer nada. Só vai tentar roubar clientes de outro concorrente.