Com a expectativa de retomada da economia, o Brasil vive uma encruzilhada: o estímulo à criação de postos de trabalho e a perspectiva de aceleração da automação da cadeia produtiva com consequente eliminação de vagas. O paradoxo que envolve maior eficiência operacional das empresas e menor uso de mão de obra não é de hoje, mas chegou a um ponto decisivo: quando a economia reagir, empresas vão acelerar investimentos em tecnologia, processo que absorverá o aumento da demanda esperado para os próximos anos, mas sem, necessariamente, elevar o número de funcionários.

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Para equilibrar geração de vagas e evolução tecnológica não basta promover incentivos para abertura de postos de trabalho – a reforma trabalhista prova isso – mas, sim, incentivar a formação para empregos que serão demandados no futuro. Na avaliação do pesquisador Michael Gasppari, do departamento de estudos do trabalho da Universidade de Viena, o Brasil – comparado aos outros países emergentes – vai mal. “À medida que os empregos tradicionais serão substituídos por automação, cresce a necessidade de capacitação tanto para o uso quanto criação de novas tecnologias.”

O receio do acadêmico não é sem sentido. O estudo Workforce of the Future – The Competing Forces Shaping 2030, da PwC, aponta que cerca de 60% dos trabalhadores mundo afora acreditam que haverá poucos empregos estáveis no futuro e 53% entendem que seu atual trabalho será extinto ou muito modificado em 10 anos com o avanço tecnológico. Na avaliação de Gasppari, além de incentivos para desenvolver novas habilidades, é preciso ensinar demandas não encontradas no ensino técnico. “Em breve as funções intelectuais – como liderança, inteligência emocional, criatividade e capacidade de resolver problemas – serão mais valorizadas do que o conhecimento técnico.”

Com esse cenário, o maior incentivo para o ensino técnico pode gerar, no médio prazo, um imenso contingente de pessoas qualificadas para serviços obsoletos. Roberto Martins, diretor da PwC Brasil, diz que o futuro do trabalho será resultado de questões complexas, “como impacto de tecnologias disruptivas, escassez de recursos naturais, mudanças no comportamento dos consumidores e novos modelos de negócios”. No que diz respeito à capacitação profissional, uma das ações propostas pelo governo de Jair Bolsonaro é fortalecer a mão de obra técnica. Exemplo disso é o acordo costurado com o Sistema S para fomento do programa Emprega+. O objetivo é que o programa tenha três pilares: vouchers para acesso aos recursos do Sistema S, treinamento com empresas e ampliação do Supertec, plataforma criada no Pronatec para abertura de vagas de treinamento. O secretário especial de Produtividade e Competitividade, Carlos da Costa, diz que o acordo está fechado e a expectativa é que o programa demande R$ 3,2 milhões em recursos da União para 800 vagas.

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Apesar da iniciativa, Fernando Freitas, especialista em mercado de trabalho e professor de macroeconomia da UFRJ, avalia que o programa não basta. “Há necessidade de preparar pessoas com pensamento crítico, empatia e capacidade intelectual para resolver os dilemas que as máquinas não conseguem. O conhecimento técnico não é essencial como na década de 1970.”

CARTEIRA VERDE E AMARELA Outra iniciativa do governo para os jovens foi o anúncio da Carteira Verde e Amarela, uma alternativa ao regime CLT. Com a promessa de estimular a contratação de pessoas entre 18 e 29 anos, o programa dá condições mais atrativas para empresas contratarem nessa faixa etária. Lançado há três meses com a promessa de abrir 1,8 milhão de vagas, o ministério da Economia reviu em novembro a meta e desceu a expectativa para 271 mil vagas, ou 15% do anunciado antes.

A conta do governo não estava errada, mas mal alinhada. A previsão é que 1,8 milhão de vagas realmente sejam abertas, mas como parte da retomada econômica, e válida para todas as idades. Freitas afirma que com a retomada da economia, as empresas tendem a contratar, e os jovens, por receberem salários inferiores, já seriam bastante demandados. “O que pode acontecer é que as vagas que já seriam criadas agora sejam efetivadas com desoneração. Essa medida não será decisiva para abrir uma vaga”, diz.

Em nota, o ministério da Economia ressalta que cerca de 30% dos jovens estão fora do mercado de trabalho, e o programa “se baseou na percepção de que os ganhos para a população-alvo compensam a perda eventual com o efeito substituição”. Cálculos da pasta indicam que cada vaga terá um custo de cerca de R$ 2 mil com renúncia fiscal.

Para Maria Galvez, da Comissão Especial de Recursos Humanos do Conselho Regional de Administração (AP), o governo gastaria melhor se desse os R$ 2 mil para os jovens investirem em capacitação. “Seria mais proveitoso para o cidadão se preparar e brigar por emprego melhores, mas da forma como está posta a proposta beneficia mais o empresário”, afirma.

Fila longa Feira com oferta de empregos, no centro de São Paulo, reúne jovens em busca da primeira oportunidade de trabalho. (Crédito:Zanone Fraissat)