Nunca houve e nunca mais haverá outro Bill Clinton na Casa Branca. Na semana da despedida, ele ensaiou um rodopio. Passeou de bicicleta pelos corredores. Andou cômodo a cômodo. Reviu a cozinha, a lavanderia, o Salão Oval, o quartinho onde escondeu Mônica. Brincou com funcionários, abraçou, sorriu aos elogios. Viveu deliciosos momentos, nos derradeiros minutos antes da entrega das chaves. Já havia feito isso outras vezes. Da última, quem flagrou a excursão presidencial não sentiu no inquilino despejado nenhum sinal de angústia. Só doce nostalgia, como a imaginar naqueles oito anos de mandato uma existência superiormente marcante, diante de seus antecessores. No íntimo, Bill podia estar acalentando a sensação de que será uma breve despedida ? com retorno marcado, de braços com a mulher Hillary, como sucessora futura no cargo que fez dele um ?ás? da administração pública. William Jefferson Clinton, o ?Bill?, escreveu história na Casa Branca. Não apenas aquela, mais conhecida, marcada por fulgurantes resultados econômicos e conturbados casos pessoais. Clinton inovou pelo estilo. Simpático, irreverente, conciliador, encantou a quase todos. Yasser Arafat, o líder palestino, referiu-se a ele como o ?trator da paz?.

O jovem que tomou posse aos 46 anos ? e que um dia sonhou ser igual a Kennedy ? extrapolou o molde e derrubou tabus. Mostrou aos americanos que o desempenho ideal das funções de presidente da maior nação do mundo não está vinculado a escândalos de alcova ? que, de mais a mais, quase todos praticaram. Clinton agora pode viver roteiros. Foi convidado a participar do próximo filme de James Bond. Respondeu com uma peculiar tirada: ?O Reagan veio de Hollywood para a Casa Branca; eu vou da Casa Branca para Hollywood?. Merece. Clinton é um artista nato, mesmo quando, ainda presidente, exibia sua eficiência administrativa. Ninguém esquece o dia em que ele convocou uma entrevista para anunciar a situação do histórico déficit americano. Montou um cenário nos jardins da Casa Branca, com cavalete, bloco e caneta.

Chegou sem dar palavra, escreveu um zero e saiu teatralmente. Havia transformado um déficit de US$ 300 bilhões em um superávit de US$ 1,5 bilhão. Levou a turma do Capitólio, o congresso americano, a discutir o que poderia fazer com o dinheiro que estava sobrando. Deixou a menor taxa de desemprego dos últimos 30 anos, o menor índice de criminalidade em 25 anos. Escreveu um currículo recheado de ineditismos: foi o primeiro presidente dos EUA a visitar o Vietnam, desde o fim da guerra em 1975. É o mais novo a deixar o governo, aos 54 anos, desde Theodore Roosevelt, que saiu aos 51. Foi o mais jovem a assumir, desde JFK. Do lado pessoal, esmerou-se no cinismo. Chegou a mentir diante das câmeras. Arrependido, pediu desculpas, como um pecador no confessionário. Chorou ao falar da família. Deixou-se fotografar ora com a cadela de estimação, ora no comando ? sem ritmo ? de um saxofone. Era, também nesse campo, um ator. Só não transferiu o talento a seu vice, Al Gore, que convenceu uma maioria insuficiente nas urnas. Clinton, ao que tuda indica, também não vai transferir ao sucessor a exuberância econômica, chamada de ?irracional? pelo temido Greenspan. Maldita sina, sua lista de façanhas vai ficar encavalada entre dois Bush: o pai, de quem herdou uma economia repleta de buracos, e o filho, que antes de tomar posse já prenunciou aterrissagens forçadas. Talvez por isso, William já esteja deixando saudades.