Os acordos na justiça criminal respondem por cerca de 95% dos casos nos Estados Unidos – ou seja, mais de 9 em cada 10 casos são resolvidos antes de serem levados a julgamento. O acusado assume a culpa ou abre mão de contestar a acusação, num acordo com os promotores. Na metade da década de 1980, cerca de 20% dos casos iam a julgamento. A taxa caiu para uma porcentagem que fica entre 5% e 3% atualmente.

Os acordos são vistos na justiça dos EUA como uma forma de acelerar a solução dos casos e desafogar o judiciário, mas têm sido apontados como uma das causas do número elevado de população carcerária no país e fator que pode levar inocentes a admitir o cometimento de crimes para evitar um processo criminal.

Casos emblemáticos nos EUA contaram com confissões de culpa, como o de James Earl Ray, que assumiu o assassinato ativista pelos direitos civis Martin Luther King Jr. para evitar a pena de morte.

Um Registro Nacional de Exonerações nos EUA, organizado por três universidades, reúne casos de condenados na justiça criminal que posteriormente são liberados da pena com a descoberta de que a condenação foi errada. Do total, 18% dos inocentes condenados assumiram a culpa em acordos.

“Atingimos o ponto em que entre 95% e 98% dos casos são resolvidos em plea bargain. Ninguém pode ter essa confiança de pensar que o sistema é preciso o bastante para fazer 95% das acusações corretamente. Não há dúvida de que há um número de inocentes sentindo-se pressionados a admitir a culpa”, diz Saul Kassin, especialista em falsas confissões e professor da John Jay College of Criminal Justice.

A organização Innocence Project acompanha casos como o de Rodney Roberts. Detido em 1996 depois de uma briga, ele foi informado pelo defensor público que era também acusado por sequestro e estupro de uma jovem de 17 anos. “Vocês pegaram a pessoa errada”, afirmou. O defensor o informou que ele poderia ser condenado a prisão perpétua se fosse a julgamento mas, com um acordo, concordaria em uma pena que o permitira passar para a liberdade condicional após dois anos de prisão. Roberts decidiu que valeria a pena ter a liberdade em dois anos do que nunca sair de trás das grades. Após 17 anos preso, seus advogados conseguiram exigir um teste de DNA no material colhido na época do estupro. Em 2014, ele foi liberado da pena após o exame apontar que ele não era culpado.

“Há uma parcela de pessoas factualmente inocentes que decidiram assumir a culpa porque não podem assumir o risco de ir a julgamento e serem condenados”, afirmou o juiz Jed Rakoff em depoimento ao Innocence Project.

Culpa

A maioria dos casos criminais nos EUA é resolvido pelo simples acordo de confissão de culpa – o que não se confunde com o acordo de colaboração. No plea agreement, um acusado assume a culpa e aceita a pena. No acordo de cooperação, o acusado também fornece informações sobre crimes praticados por ele e por outros.

“Já tive casos como promotor em que um acusado havia cometido três assassinatos e, por entrar numa colaboração, não cumpriu tempo de prisão significativo porque nos deu informações essenciais sobre criminosos mais perigosos”, conta Eric Snyder, que foi promotor por 16 anos nos EUA e responsável, por exemplo, por acusar e processar 50 líderes das Farc por organização terrorista.

Hoje, como advogado e responsável pela área de colarinho branco do Jones Day em São Paulo, continua a ver benefícios na cooperação. “Se eu tenho um cliente que pode ir para a cadeia por 20 anos e podemos reduzir substancialmente o tempo preso por colaborar com a justiça, é bom para o cliente mas também é bom para o estado de direito, ajuda o sistema a funcionar de forma eficiente.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.