A JBS, gigante brasileira do ramo frigorífico, tem razões de sobra para sorrir. A maior delas se deve ao anúncio da antecipação do pagamento das dívidas com bancos públicos brasileiros, a um custo total de aproximadamente R$ 5 bilhões. Em fato relevante divulgado na última semana, a companhia afirmou ter concluído a quitação da totalidade das dívidas reguladas pelo Acordo de Normalização perante as instituições financeiras signatárias, com o pagamento final de R$ 1,5 bilhão.

De acordo com a JBS, o vencimento inicial das dívidas se daria em julho de 2021, mas, com a antecipação, a empresa conseguiu liberar um total de R$ 7,8 bilhões em garantias que estavam atreladas ao pagamento integral do valor devido. O acordo firmado em maio do ano passado previa quitação de 78% das dívidas da empresa, entre credores nacionais e estrangeiros, em uma cifra total que girava em torno dos R$ 12,2 bilhões. Com a antecipação, a empresa afirma ter zerado as dívidas com instituições financeiras públicas nacionais.

“Esse pagamento segue a estratégia da Companhia de realizar a gestão de seus passivos de forma a refletir a sua atual solidez financeira diminuindo o montante de ativos dados em garantia, reduzindo juros e alongando seu perfil de endividamento”, informa o fato relevante. Entre os principais credores da JBS estava o Banco do Brasil, além de outras instituições privadas que ofereceram empréstimos à JBS. Houve também a quitação de uma dívida de cerca de R$ 1,82 bilhão com a Caixa Econômica Federal, valor que foi pago em julho deste ano. Para César Longo, doutor em finanças e professor da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), a medida da companhia visa, além da liberação dos ativos avaliados em R$ 7,8 bilhões, sustentar o plano de crescimento da empresa dentro e fora do País.

Em alta: os irmãos Wesley (esq.) e Joesley Batista, que elevaram a JBS ao posnto de maior empresa de proteína animal do planeta: faturamento de R$ 181,6 bilhões em 2018 (Crédito:Joao Castellano / Ag. Istoe)

A JBS havia anunciado, no final de setembro, a aquisição da Tulip Company, empresa líder em produção de carne suína, em um negócio avaliado em US$ 354 milhões. A transação foi feita por meio da subsidiária Pilgrim’s Pride Corporation. De acordo com a própria JBS, a aquisição objetiva criar uma nova líder no mercado de proteína e alimentos preparados na Europa. O preço da compra representa 5,4 vezes o Ebitda (lucro antes dos juros, impostos, depreciação e amortização) esperado. A negociação será bancada 100% pela Pilgrim’s.

A estratégia de crescimento acompanha o momento de alta na demanda por carne suína, pressionada pela peste africana — que já matou mais de cinco milhões de porcos na Ásia e obrigou países como China e Vietnã a procurar a proteína em outros mercados. “Não há consenso no mercado sobre a queda real da produção de carne suína chinesa e o efeito nos preços internacionais. No entanto, a elevação de 6% nos preços da carne suína na China nos últimos 30 dias [alta de 97% desde março de 2019] nos deixa à vontade em assumir que a febre suína ainda está longe de ser resolvida,” afirmam os analistas do Credit Suisse, Victor Saragiotto e Felipe Vieira, ao recomendar a compra de ações da JBS nesta semana.

BNDES O impulso no mercado externo da JBS foi iniciado no governo do ex-presidente Lula da Silva, quando as empresas brasileiras que obtiveram recursos públicos para extrapolar as fronteiras demográficas receberam a alcunha de “Campeãs Nacionais”. Na época o frigorífico era comando pelos irmãos Wesley e Joesley Batista. Nos anos seguintes, o grupo angariou recursos de vários bancos públicos, com destaque para o Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que entre 2007 e 2012 emprestou R$ 8 bilhões para a companhia. Hoje, o BNDES não é mais credor da empresa, da qual continua acionista, com 21,3% das ações da companhia. A participação equivale a R$ 18,3 bilhões, considerando o valor em bolsa na semana passada.

Nova líder: aquisição da Tulip Company permitirá avançar na oferta de proteína animal e alimentos preparados na Europa (Crédito:Julio Bittencourt)

“Além de fortalecer os ativos para futuras aquisições e abrir espaço para obter crédito em outras praças, a ação da JBS de antecipar o pagamento das dívidas também tem como efeito melhorar a imagem da empresa junto aos brasileiros, uma vez que a força da marca foi arranhada desde os escândalos envolvendo o ex-presidente Michel Temer e os irmãos Batista”, afirma Longo. Há cerca de dois anos e meio, o vazamento de uma gravação entre Joesley e Temer quase implodiu o governo. Agora presidida por Gilberto Tomazoni, a JBS se posiciona para ser uma das líderes globais de alimentos. E a solidez dos resultados confirma a seriedade da atual gestão. De acordo com o Credit Suisse, a empresa alcançou um valor de mercado de R$ 80 bilhões — alta de 170% entre janeiro e setembro deste ano. Na avaliação do banco, a empresa, que viu o preço de suas ações saltarem 16% desde o início do ano, ainda tem espaço para avançar no Ibovespa, principal índice da B3.

A expectativa do banco é que a JBS continue apresentando resultados fortes que levarão à geração de caixa. “Acreditamos que o caso de investimento da empresa atende aos critérios de muitos investidores, uma vez que possui uma posição de mercado líder nos segmentos em que atua, muitas oportunidades de crescimento e uma equipe de gerenciamento experiente, focada em capturar sinergias e melhorar retornos”, informava o relatório do banco.

Segundo o Credit, a expansão do Ebitda deve ter alta de 14% na base anual em 2020, totalizando R$ 21,3 bilhões. Para Longo, da UFMG, outro fator que impulsionará a jornada da JBS é liberação de outros 14 frigoríficos brasileiros para exportação à China, além do fogo que assolou uma das fábricas Tyson Foods nos Estados Unidos, e acabou por abrindo o mercado para a carne brasileira até 2021.