Imagine um país que, após sofrer um encolhimento de 10% do seu PIB em quase três anos, esteja com um nível recorde de desemprego, empresas e consumidores endividados e uma inflação absolutamente sob controle. Faria algum sentido esse país ter o maior juro real do mundo? A resposta é não, mas esse país existe e atende pelo nome de Brasil. Apesar dos três cortes de Selic já promovidos pelo Banco Central (BC), ostenta uma taxa real anual (7,93%) muito superior à da Rússia (4,76%), a segunda maior, segundo levantamento feito pelo economista-chefe da Infinity Asset Management, Jason Vieira, com 40 países.

Loja vazia: sem crédito e com medo do desemprego, os consumidores compraram 6,2% a menos no ano passado, o pior resultado em 13 anos
Loja vazia: sem crédito e com medo do desemprego, os consumidores compraram 6,2% a menos no ano passado, o pior resultado em 13 anos (Crédito:Divulgação)

Se a corrida dos juros fosse disputada num autódromo, o piloto Ilan Goldfajn, que assumiu o volante do BC em junho do ano passado, estaria quase uma volta atrás do seu concorrente mais próximo. Acelerar o carro é, portanto, a sua única chance de sair da lanterna e conquistar um honroso lugar no pódio. Ilan, como é conhecido no mercado, não tem culpa direta pelo desempenho ruim na corrida. Ele herdou de Alexandre Tombini um equipamento lento que precisava de uma série de ajustes, inclusive na própria equipe.

Gilson Carvalho, da Anef: Juros menores serão repassados automaticamente para os consumidores, reduzindo o valor das parcelas
Gilson Carvalho, da Anef: Juros menores serão repassados automaticamente para os consumidores, reduzindo o valor das parcelas (Crédito:Divulgação)

Três diretores saíram e outros quatro foram contratados – atualmente, o Comitê de Política Monetária (Copom) tem nove integrantes, incluindo o presidente. Ilan calibrou algumas regras do segmento de cartões de crédito, lubrificou a comunicação com o mercado e reconquistou a credibilidade perdida, o equivalente a trocar o motor do carro.

Falta agora colocar mais combustível na economia, reduzindo os juros de forma agressiva. “Não há nenhuma razão para a queda da Selic não ser mais contundente”, afirma José Ricardo Roriz Coelho, vice-presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). “O investimento não retornará enquanto os juros não chegarem a patamares civilizados.”

Desde outubro do ano passado, a Selic caiu de 14,25% para 13% ao ano. Na quarta-feira 22, o Copom definirá o tamanho do novo corte. O mais provável é que os diretores repitam a decisão da última reunião, em janeiro, quando a taxa básica caiu 0,75 ponto percentual. Porém, os últimos dias foram pródigos em indicadores econômicos que, se analisados com atenção, fornecem argumentos irrefutáveis para uma redução de, pelo menos, um ponto percentual da Selic (leia as dez placas ilustradas ao longo da reportagem).

JosÉ Ricardo Roriz Coelho, da Fiesp: O investimento produtivo só retornará quando os juros caírem a patamares civilizados
José Ricardo Roriz Coelho, da Fiesp: O investimento produtivo só retornará quando os juros caírem a patamares civilizados (Crédito:Divulgação)

O mais cruel deles é o desemprego recorde de 12,3 milhões de brasileiros. No setor produtivo, há a clara constatação de que a indústria, o comércio e o setor de serviços encolheram demais no ano passado e de que a sua recuperação será paulatina. Um exemplo emblemático vem do setor automotivo, cujas vendas despencaram 20% em 2016. A reação aguardada para este ano ainda não aconteceu, com uma queda de 28% em janeiro na comparação com dezembro. Além da baixa confiança dos consumidores, a escassez de crédito tem sido um freio para o setor.

No terceiro ano seguido de retração, o volume de financiamentos de veículos recuou 9,9% em 2016, totalizando R$ 80,2 bilhões. “Pelo tamanho da recessão e pela inflação muito baixa, o Copom poderia ser um pouco mais agressivo e reduzir a Selic em um ponto percentual”, afirma Gilson Carvalho, presidente da Associação Nacional das Empresas Financeiras de Montadoras (Anef), que projeta uma expansão de 5,5% no volume de recursos liberados para veículos neste ano. “Se a curva de juros de longo prazo cair, o repasse para o consumidor será automático, reduzindo o valor das parcelas.”

No quesito inflação, os dados recentes são alvissareiros e pavimentam o caminho para um afrouxamento monetário mais rápido. A inflação oficial de janeiro foi a menor para o mês desde 1979. Na quarta-feira 15, a Fundação Getulio Vargas (FGV) divulgou que o IGP-10 de fevereiro foi o mais baixo para o mês desde 2012. Dois dias antes, o mercado financeiro já havia ajustado a sua projeção de inflação em 2017 para um patamar ligeiramente abaixo do centro da meta de 4,5%. Os economistas avaliam que a colheita de uma safra recorde de grãos vai garantir os preços baixos dos alimentos. Outra ajuda vem do câmbio, cuja valorização de 6% desde o início do ano barateia os produtos importados.

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“Do fim do ano para cá, houve uma quebra da força inercial dos preços, com impactos nas negociações salariais, que estão abaixo da inflação”, diz Flávio Castelo Branco, gerente-executivo de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI). “Num ambiente de consumo tão baixo, por que não antecipar a queda de juros para que a Selic chegue logo a um dígito?” Outro benefício que os juros menores proporcionam é nas contas públicas. Num País que vive a mais grave crise fiscal de sua história, o governo prevê gastar R$ 339 bilhões com o pagamento de juros em 2017. Reduzi-los, portanto, se torna uma medida essencial. Cada ponto percentual a menos de Selic significa uma economia de, no mínimo, R$ 7,9 bilhões no período de um ano.

Isso porque o Tesouro Nacional administra uma dívida pública interna de R$ 2,98 trilhões, dos quais 26,6% (R$ 793 bilhões) são de títulos pós-fixados, ou seja, papéis que seguem diretamente a oscilação da Selic. Há um consenso entre os analistas de que os juros básicos encerrarão o ano em 9,5%, o que possibilitará ao Erário poupar quase R$ 30 bilhões nos 12 meses seguintes. Além do encontro desta semana, haverá mais seis reuniões do Copom até o fim de dezembro. Quanto mais rápido a equipe do BC receber a bandeira quadriculada e erguer o troféu dos juros baixos, melhor será para a economia inteira. Caso contrário, novas placas de alerta com dados negativos aparecerão na pista do BC, com a mensagem #AceleraIlan.

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