A holding Eletrobras, que controla quase todas as geradoras de energia estatais, é uma das empresas mais importantes do mercado acionário brasileiro. Seu valor de mercado é de R$ 44 bilhões. Duas de suas ações fazem parte do Ibovespa – as ordinárias e as preferenciais do tipo B. Assim, tudo o que ocorre com ela tem repercussões imediatas e profundas sobre o humor dos pregões. No domingo (24), um dia antes do feriado paulistano que deixou ociosos os operadores, Wilson Ferreira Júnior, presidente da Eletrobras, anunciou sua renúncia. Ele permanecerá no cargo até 5 de março. Depois disso, deverá assumir a liderança da Petrobras Distribuidora, uma ex-estatal cujo controle acionário foi pulverizado por sucessivas vendas de ações na Bolsa.

O impacto nas ações de ambas as empresas foi imediato. Na segunda-feira (25), os papéis da Eletrobras negociados no mercado americano caíram mais de 10%, movimento que se repetiu quando o pregão brasileiro retomou suas atividades, no dia seguinte. Já as ações da Petrobras Distribuidora avançaram significativamente (observe o gráfico).

O movimento não ocorreu por acaso. O engenheiro Ferreira Júnior é um executivo consagrado por sua trajetória em empresas de energia. Ele havia sido indicado para presidir a Eletrobras em 2017, ainda sob Michel Temer. Quase uma unanimidade, ele permaneceu no cargo com o novo governo. Os analistas de mercado consideram que ele realizou um trabalho exemplar nos quase cinco anos à frente da companhia. No caso da Petrobras Distribuidora, sua chegada é vista como fundamental para encarar algumas mudanças no setor, como o crescimento do comércio eletrônico e o aumento do home office, que podem reduzir a demanda por combustíveis e a frequência às lojas de conveniência.

GOVERNANÇA No fato relevante em que anunciou a saída do executivo, a Eletrobras reconheceu seus méritos. Entre eles, a redução do pesado endividamento, a melhoria da governança e dos processos decisórios, a diminuição de custos operacionais com programas de eficiência e privatizações de distribuidoras, e a solução de um imbróglio oriundo do governo Dilma Rousseff. “Sob sua gestão a companhia atingiu lucros históricos (…) e resolveu contenciosos importantes nos Estados Unidos decorrentes de reflexos da Operação Lava Jato, dentre outras realizações relevantes”, segundo o documento.

COMPETÊNCIA COMPROVADA No cargo desde 2017, Wilson Ferreira Júnior melhorou as finanças e a governança da companhia. (Crédito:Divulgação)

Para Ferreira Junior, essa trabalheira destinava-se a atingir um único objetivo, a privatização. Ela era dada como certa no início do governo Bolsonaro, mas foi perdendo força com o passar do tempo. A pá de cal na ideia foram as declarações do senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), candidato à presidência do Senado Federal. Na semana anterior à notícia da saída de Ferreira Júnior, Pacheco, que concorre ao cargo com o apoio do governo federal e da oposição, disse que privatizar “não é uma prioridade”. Tradução: é para esperar sentado.

O recado do político, considerado favorito na disputa, foi um balde de água fria nas pretensões dos investidores e analistas que esperavam ver a Eletrobras seguir os passos da Petrobras Distribuidora. Após suas declarações, o Bradesco BBI reduziu a recomendação das ações de “comprar” para “neutra”, mantida após o anúncio da saída de Ferreira Júnior. Em relatórios anteriores, o banco havia estimado que a privatização poderia render R$ 30 bilhões ao Tesouro. Mais céticos, os analistas do Credit Suisse afirmaram em relatório que a privatização tornou-se algo difícil de acontecer, mas não impossível. “O processo de privatização é complexo, pode levar tempo e depende de mudanças que destinem mais investimentos na região Norte, limitação de direito de voto para investidores e garantias para o eventual aumento de preços”, segundo o relatório.

A privatização vai além da eficiência. Durante muito tempo, a gestão da Eletrobras foi fortemente influenciada por lideranças políticas, de olho nas verbas gordas e nos investimentos bilionários do setor elétrico. Ao aprimorar a governança, o executivo demissionário buscou blindar a companhia dessas influências. Não por acaso, logo após anunciar a saída, o Conselho de Administração da estatal chamou a si a prerrogativa de indicar o sucessor de Ferreira Júnior. A sucessão, ainda não definida, promete fortes emoções.