Na literatura e no cinema, Abril Despedaçado remete a um romance escrito pelo albanês Ismail Kadaré e adaptado para as telas pelo diretor brasileiro Walter Salles. A narrativa dramática da primeira metade do século passado ganha contornos contemporâneos para explicar o tamanho e a profundidade das perdas dos setores de comércio e serviços no Brasil após o primeiro mês completo de pandemia. Em abril, as políticas de isolamento em função da Covid-19 restringiram as atividades por um ciclo de 30 dias — e houve retração recorde na atividade econômica. No comércio a queda foi de 16,8% em relação a março e novamente de 16,8% em relação a abril de 2019. Em serviços, o tombo foi de 11,7% (sobre março) e de 17,2% (sobre abril de 2019).

Os dados divulgados pelo Instituto Brasileiro de Geografia Estatística (IBGE) são o termômetro da situação real da atividade no Brasil e demonstram que os problemas por aqui podem ser maiores que os vistos em outros países — nos Estados Unidos, por exemplo, a retração do comércio foi de 12% em abril. Com a diferença de que, por lá, a atividade já começa a ganhar ritmo, após medidas anticrise.

Para o coordenador do núcleo de estudos econômicos da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Caio Nogueira, a diferença do impacto sobre cada economia reside na resposta a ser aplicada. “Não podemos olhar só a queda, mas sim a capacidade de se levantar”, diz. Assim como ele, outros especialistas em varejo são unânimes ao descrever o quadro como desastroso. Para José Roberto Tadros, presidente da Confederação Nacional do Comércio (CNC) a queda em abril evidenciou que a retração de ambos os setores será histórica ao término do ano. O economista da CNC Fabio Bentes também chama a atenção para o fato de que abril foi o primeiro mês considerado “cheio” desde o início da quarentena no Brasil. “Em março, as vendas já haviam recuado 2,1%, sob impacto dos decretos regionais implementados a partir da segunda quinzena do mês para controlar a pandemia”, afirma.

De acordo com o IBGE, a queda de abril foi a maior retração mensal do indicador em toda a série histórica da pesquisa — iniciada em 2000 — e igualou o nível de faturamento ao de janeiro de 2010. No conceito ampliado, que inclui material de construção, automóveis e autopeças, o tombo foi ainda maior (-17,5%), em queda igualmente inédita. Todas as atividades pesquisadas registraram perdas, com destaque para os segmentos considerados não essenciais, como tecidos, vestuário e calçados (-60,6%).

SERVIÇOS ESSENCIAIS Segundo cálculos da CNC, em 12 semanas de ações de isolamento pela pandemia (de 15 de março a 6 de junho), os prejuízos do setor com a crise alcançaram R$ 200,7 bilhões. O valor é equivalente à média mensal de faturamento do varejo antes do surto de Covid-19. Desse total, o varejo não essencial perdeu R$ 184,05 bilhões (91,7% do total). Já o varejo essencial, como supermercados, teve prejuízo de R$ 16,66 bilhões (8,3% do total).

No caso do setor de serviços, a situação é igualmente desafiadora. Tadros, da CNC, afirma que mesmo com a flexibilização da quarentena, o elevado grau de deterioração da conjuntura econômica não possibilita, neste momento, vislumbrar o horizonte de recuperação. “Além da contração do consumo das famílias, a queda do nível de confiança dos serviços revela certa aversão à retomada dos investimentos diante do elevado grau de ociosidade no setor”, afirma.

De acordo com o IBGE, a retração de 11,7% dos serviços foi a maior queda mensal de faturamento real da série histórica, que começou em 2010. Com perdas em todos os ramos da atividade, as principais baixas ficaram na conta do serviço aéreo (-73,8%), alimentação e hospedagem (-46,5%) e serviços prestados às famílias (-44,1%). Com um mês de abril dramático para a economia, espera-se agora, como ao final do filme de Walter Salles, que o futuro reserve o rompimento de um ciclo negativo.