Ninguém acreditou. Aquele senhor de 85 anos fazendo acrobacias em cima da moto, com uma vitalidade de dar inveja a qualquer garotão de 20 anos. Tenha sido ele, Abraham Kasinsky, dono da fábrica de motocicletas Kasinski, ou mesmo um dublê, a cena do comercial, criado por Washington Olivetto, da W/Brasil, é antológica. Expressa o espírito audacioso e empreendedor de um homem que está sempre pronto a ousar, a arriscar. Não fosse isso o ex-dono da Cofap, vendida em 1998, teria ficado cuidando das 10 mil orquídeas que mantém em uma estufa na sua chácara, em Mauá. ?Não agüentei ficar fora do campo de batalha?, diz ele, que foi protagonista de um feito inédito no cenário nacional dos negócios ao montar uma indústria de motocicletas aos 82 anos de idade. Rapidamente, ele corrige: ?Fábrica de veículos, não de motocicletas.?

Sim, é preciso esclarecer. Afinal, o próximo passo de Kasinsky é colocar no mercado, já em 2003, um carro (ops, veículo) com motor equivalente ao de um modelo popular.

 

Quando começa a falar do projeto do carro, ?Seu Abraão? (como é conhecido entre os funcionários) mais parece um menino, louco para contar a última façanha. Eufórico, abre pastas com os desenhos e os estudos técnicos do veículo, gesticulando sem parar. Eis o segredo da sua eterna jovialidade. O combustível que movimenta Abraham Kasinsky é sempre o próximo desafio, a próxima batalha. Ele, que fez da Cofap a maior fornecedora de autopeças do País, ícone de uma era da indústria brasileira, agora luta do outro lado do front, com a montadora que leva seu nome. Graças a essa persistência e determinação, Abraham Kasinsky foi escolhido por DINHEIRO o Empreendedor do Ano.

Ultimamente, o novo veículo de quatro rodas tem ocupado boa parte do tempo deste guerreiro. Ele sabe que, para enfrentar as gigantes General Motors, Volkswagen, Ford, Peugeot e Renault precisa fazer o modelo popular mais barato do mercado. Estabeleceu o preço final ao consumidor em R$ 8,5 mil. Mas ainda não conseguiu chegar em um custo de produção que possibilite a venda nesse valor.

É comum vê-lo até altas horas, em seu escritório, debruçado sobre um papel fazendo contas e cálculos. Quando a cifra ultrapassa os R$ 8,5 mil, Kasinsky amassa o papel e, incansável, começa tudo de novo. O problema está na carroceria. Nos últimos meses, Kasinsky correu o mundo (Alemanha, Coréia do Sul, Japão) em busca de componentes que possam baratear o custo da carroceria na linha de produção da Kasinski (com i mesmo, pois ele fez um estudo de numerologia e descobriu que o nome da empresa deveria terminar com i em vez de y para dar certo). Nunca saberemos como seria a Kasinky com y, mas a Kasinski com i é um empreendimento que nasceu sob o signo do sucesso. Nasceu com o frescor e o ímpeto dos novatos e as mãos calejadas dos sábios. No caso, do sábio.

Desde a sua concepção, há três anos, a moderna e robotizada fábrica da Kasinski, que funciona com apenas 80 funcionários, em Manaus, tem registrado aumentos de produção. Em 2000, a Kasinski tinha 0,9% do mercado nacional de motocicletas; em 2002, dobrou sua participação para 2%, com 19 modelos de 50 a 250 cilindradas. No caso dos ?scooters?, a empresa é líder com 52% do mercado. Mas o pulo do gato de ?Seu Abraão? foi a invenção do Motokar, um utilitário com três rodas, uma mistura de carro e moto com aplicações diversas em transporte de pessoas e de cargas. As três versões (táxi, picape e furgão) já deram origem a outros sete modelos adaptados. ?Faço de acordo com o gosto do freguês?, diz Kasinsky, que entregou há pouco tempo uma versão de furgão com forração térmica interna para o Pão de Açúcar. No momento, três veículos estão em teste nas lojas da rede de supermercados para o transporte de alimentos perecíveis.

Ineditismo. O novo veículo de quatro rodas será uma
evolução do Motokar. Ou seja, vai ser construído sobre
a mesma plataforma (chassi) do triciclo. Na sua fábrica, Kasinsky conseguiu a eficiência perseguida por todas as grandes montadoras do mundo, que gastam milhões de dólares para produzir vários modelos sobre uma única plataforma. Orgulhoso, seu Abrão abre um sorriso maroto e guarda a melhor parte da história do Motokar para o final. ?Qualquer empresa que quiser fazer esse veículo no Brasil terá de usar o nome que eu criei: Motokar.? Enquanto estava às voltas com a aprovação do projeto, que levou um ano e meio para sair do papel, em Brasília, Kasinsky descobriu que poderia ser beneficiado pela Lei do Ineditismo.

Segundo essa lei federal, qualquer produto que não exista no Brasil, ao ser lançado, recebe o título de pioneiro e uma redução de 17% na carga de impostos. Kasinsky vibra. Não é a primeira vez que dá o nome a algo. Quem não se lembra do célebre personagem do cachorro da Cofap, lançado em 1990 pela W/Brasil? O cão, que virou sinônimo da raça basset e passou a ser chamado de ?cofapinho? em todo o País, foi inclusive contabilizado como ativo da Cofap na negociação de venda para o grupo italiano Magnetti Mareli.

Tudo começou quando Kasinsky rebelou-se contra as tradicionais propagandas de amortecedor. ?Não agüentava mais ver carro batendo e a pessoa sair de dentro e dizer que alguém morreu porque os amortecedores não estavam bons?, conta ele, que pediu uma idéia bem-humorada a Washington Olivetto. Segundo Olivetto, que faz campanhas publicitárias para o seu Abraão desde 1971, quando estava na Lince Propaganda, a cada ano que passa Kasinsky está mais animado e inspirado a fazer lances ousados. ?Quando contei a ele a idéia de colocá-lo fazendo manobras radicais em cima de uma moto, ele aceitou na hora?, conta Olivetto. ?É um privilégio acompanhar a trajetória de um homem que está sempre aberto ao novo, ao inusitado?, diz Olivetto.

Com 1,66 metro, Kasinsky costuma dizer que é um tampinha. Mas vira um gigante quando é contrariado. No começo do ano, demitiu a equipe inteira de engenheiros, designers e técnicos que trabalhavam no projeto do novo veículo de quatro rodas. Motivo: incompetência. ?Não sou fácil mesmo e estou ficando cada vez mais implicante?, admite ele, que tem um relacionamento um pouco estremecido com os dois filhos, Renato e Roberto, desde que, magoado, deixou a Cofap, posteriormente vendida. Ele não gosta de falar sobre esse assunto. Prefere relembrar o seu tempo de infância, no Brás, quando ficava vendo a mãe empilhar as panelas no fogão, para economizar gás. Filho de imigrantes russos que chegaram ao Brasil em 1917, ano em que nasceu, Kasinsky começou a trabalhar aos dez anos de idade na loja de autopeças Três Leões, que pertencia a seu pai, Leon. Linha-dura, o pai costumava dizer que dava casa, comida e roupa lavada e que o resto os quatro filhos teriam de conseguir sozinhos. Ou seja, todos começaram a trabalhar muito cedo. Em 1941, com a morte do pai, Kasinsky passa a dividir a direção da empresa com o irmão Bernardo. Ele relutou, queria mudar de ramo. Afinal, havia acabado de formar-se em Economia. Mas acabou cedendo aos apelos do irmão. Juntos, os irmãos Kasinsky expandiram os negócios ao abrir várias lojas em São Paulo.

Em 2002, a Kasinsky dobrou sua participação no mercado nacional de motocicletas e, com 52%, é líder em vendas de “scooters”

Um dia, em 1950, perceberam que sabiam tanto sobre autopeças (eram os maiores importadores do País) que deveriam fabricá-las. Surgia a Cofap (Companhia Fabricadora de Autopeças). No final da década de 80, Bernardo vendeu sua parte na empresa. ?Meu irmão foi o melhor sócio que alguém poderia ter?, costuma dizer. No anos seguintes, a Cofap foi consolidando o seu império. Vendia para todas as montadoras, exportava para 97 países e chegou a ter 35 mil funcionários, que trabalhavam nas 18 fábricas espalhadas pelo mundo. Em 1998, Abraham Kasinsky saiu da Cofap em meio a uma turbulenta disputa familiar pelo comando da empresa, que faturava US$ 1 bilhão.

A primeira coisa que pensou em fazer foi partir de férias para a Europa. Aquelas, prometidas a si mesmo e jamais executadas. Mas, para onde retornaria ao final do descanso merecido? ?É muito bom viajar quando você sabe para onde voltar?, diz. Adiou a viagem. Afinal, precisava encontrar um lugar para recebê-lo de volta, antes de ir. Agora, com a Kasinski, ele anda muito ocupado para pensar em ficar de pernas para o ar.