Desde 1995, o varejo bancário brasileiro se tornou um território inóspito para os bancos americanos. O fim da inflação e a falta de competitividade fez com que instituições renomadas como Bankers Trust, Bank Boston e Citibank fossem, aos poucos, saindo do mercado brasileiro. Por isso, o anúncio da compra de 40% do banco digital C6 Bank feito pelo JP Morgan Chase na última segunda feira (28) por um valor não divulgado – que conhecedores do mercado estimam em R$ 7 bilhões, com opção de compra sobre uma participação controladora – pode representar o início de uma reversão dessa tendência. O que levou a isso foram as mudanças recentes no mercado. A pandemia acelerou o avanço da digitalização. E o novo arcabouço legal para o setor elaborado pelo Banco Central (BC) garantiu maior competitividade. Sem ter de arcar com o peso das caras e ineficientes redes de agências, os bancos “made in America” voltaram a se interessar pelo Brasil.

Essas mudanças começaram a ser notadas nas fintechs, que receberam um afluxo recorde de investimentos no início deste ano. Foi mais de US$ 1 bilhão investido apenas nos cinco primeiros meses do ano, o que representa mais de 50% do aporte total de 2020, segundo a pesquisa Inside Fintech Report feita pela consultoria Distrito. Não por acaso, antes de investir no C6, o próprio JP Morgan já tinha feito um aporte na Fitbank no ano passado, numa espécie de ensaio para a entrada nos negócios digitais. E na primeira quinzena de junho, o megainvestidor Warren Buffett colocou suas fichas milionárias no Nubank, fazendo um aporte de R$ 500 milhões na fintech.

O JP Morgan mirou em um banco digital fundado em 2019 por ex-executivos do BTG Pactual e que, em cerca de dois anos, conquistou 7 milhões de clientes. O investimento deve acelerar o crescimento do C6. Em dezembro do ano passado, quando realizou sua rodada de captação mais recente, o banco digital já se consolidara como uma empresa unicórnio, avaliada em R$ 11,3 bilhões. E ainda não se descarta a hipótese de o C6 realizar seu IPO até o fim de 2022. “E isso é só a ponta do iceberg”, afirmou o CEO da consultoria Esfera, Fausto Ferraz, que diz acreditar em novos e variados movimentos de consolidação desse mercado.

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“Com Buffett colocando dinheiro no Nubank e agora o JP no C6, tudo leva a crer que o Brasil é a bola da vez” Fausto Ferraz, CEO da consultoria Esfera.

Para ele, esse fenômeno está baseado em três pilares bem claros. O primeiro foi a compra de fintechs por outras fintechs, para unir forças. O melhor exemplo é a união da Stone com o Banco Inter. O segundo ocorreu quando fintechs compraram negócios tradicionais. “E agora começa a terceira onda, com bancos tradicionais adquirindo fintechs para se digitalizar e entrarem em mercados que não teriam como abordar”, disse Ferraz. O movimento está longe de acabar. “Toda vez que há uma expansão forte no mercado, ocorre uma consolidação – como a que estamos vendo – e isso deve continuar, em função do do excesso de liquidez.”

DIGITALIZAÇÃO O futuro dos bancos está no digital. Uma pesquisa da consultoria Deloitte encomendada pela Federação Brasileira de Bancos (Febraban) mostrou que as medidas de isolamento social transformaram o celular no canal favorito dos brasileiros para realizar operações bancárias. Segundo o levantamento sobre Tecnologia Bancária 2021 referente ao ano passado, divulgado em junho durante o Congresso Interamericano de Automação Bancária (Ciab), o total de transações realizadas pelos clientes dos bancos por todos os meios – físicos e digitais – foi de 103,5 bilhões, um crescimento de 20% ante 2019. Desse total, 52,9 bilhões, ou 51%, foram processadas por um celular. Além do crescimento vigoroso ante os 37 bilhões de transações de 2019, foi a primeira vez que as operações com base “mobile” superaram todas as demais. E esse cenário deve se acentuar com o avanço do open banking.

Com o C6, o J.P. Morgan está fazendo a segunda incursão em um banco de varejo fora dos Estados Unidos, onde sua franquia Chase tem 55 milhões de clientes. A primeira foi a criação de um banco na Inglaterra. “Nosso CEO [Jamie Dimon] disse em sua carta anual que o crescimento virá do mundo digital. O varejo fora dos EUA não era algo que interessava ao J.P. Morgan no modelo tradicional, mas o formato digital muda esse cálculo estratégico”, disse o presidente do J.P. Morgan do Brasil, Daniel Darahem. Ferraz, da consultoria Esfera, vai além. “Com Buffett colocando dinheiro no Nubank e agora o JP no C6, tudo leva a crer que o Brasil é grande bola da vez.”