Jerusalém é cercada de controvérsias por todos os lados. A cidade é controlada pelo estado de Israel, que a reivindica como capital. A Autoridade Palestina a classifica como “território ocupado” e também a quer como capital do seu futuro estado. No entanto, resolução da ONU de 1947 declara que Jerusalém é “corpum separatum”, território autônomo administrado pela organização. A maioria dos países respeita a resolução das Nações Unidas e instalam suas embaixadas em Tel Aviv, considerada “capital de facto” de Israel.

O Brasil sempre acompanhou a maioria, mas mudou de posição. Ao lado do premiê israelense Benjamin Netanyahu, o presidente Jair Bolsonaro reforçou a reivindicação judaica na última semana, como fizera o presidente Donald Trump. Mais do que imitar o americano, Bolsonaro buscou agradar sua base política religiosa. Depois de uma visita polêmica com Netanyahu ao Muro das Lamentações, declarou: “Eu amo Israel”.

No entanto, com medo de irritar ainda mais a Liga Árabe, composta por 22 países, voltou atrás e anunciou somente um escritório comercial na cidade, e não a embaixada. A notícia frustrou os evangélicos. Para algumas correntes fundamentalistas dessa denominação, o retorno de Jesus Cristo à Terra está condicionado à restauração de Jerusalém como território judeu, como profetiza a Bíblia no Livro do Apocalipse.

O Hamas, um dos maiores grupos políticos palestinos, condenou tanto a visita ao muro, quanto o novo escritório. Via Twitter, o senador Flávio Bolsonaro, filho do presidente, respondeu ao grupo: “Quero que vocês se explodam.” A mensagem foi rapidamente apagada, mas viralizou nas redes. O Hamas, vale lembrar, tem um braço militar e é considerado uma organização terrorista pelos EUA, União Europeia, Japão, Canadá, Austrália e, naturalmente, Israel.

Já o ministro de Relações Exteriores brasileiro, Ernesto Araujo, fez outra batatada. Afirmou a jornalistas que o nazismo é um movimento de esquerda, contrariando a História e o bom senso. A declaração foi endossada por Bolsonaro, que ignorou informações contrárias presentes no memorial do Holocausto, visitado por ele na terça-feira 2.

A comunidade judaica no Brasil minimiza os impactos ao comércio. “Islâmicos vão continuar a fazer negócios com o Brasil. Negócios são negócios”, afirma Fernando Lottenberg, presidente da Confederação Israelita do Brasil (Conib). Já Bolsonaro tentou dar destaque aos seis acordos de parceria com Israel e se reuniu com CEOs locais para pedir investimentos.

“A viagem cumpre um roteiro ideológico”, afirma David Almstadter, professor de relações internacionais da PUC SP. “Do ponto de vista comercial e econômico, os ganhos podem ser poucos diante das perdas que podem vir.” Em Brasília, a insatisfação ficou evidente. “Chega! Chegamos ao limite!”, disse o deputado Alceu Moreira (MDB-RS), presidente da Frente Parlamentar da Agropecuária, em referência aos insultos de Flávio Bolsonaro. A Liga Árabe comprou, em 2018, US$ 11,5 bilhões do Brasil. No mesmo período, Israel importou US$ 320 milhões de produtos brasileiros. Para minimizar o estrago, a ministra da Agricultura, Tereza Cristina, prometeu um encontro com mais de 50 embaixadores de países islâmicos ainda este mês.

ELEIÇÕES Se a viagem do presidente Bolsonaro teve pouco resultado comercial para o Brasil, acabou invadindo um assunto local. Benjamin Netanyahu tenta se reeleger para o seu quinto mandato de premiê no pleito da terça-feira 9. Indiciado por fraude, pagamento de propinas e quebra de confiança, ele está praticamente empatado com o segundo colocado, Benny Gantz. Sem influência na região, o Brasil pouco pode ajudar nas eleições, mas Netanyahu pode ter conseguido algum dividendo com o encontro. “Países ocidentais democráticos, como França e Alemanha, não vem a Israel como Bolsonaro fez”, afirma Alan Abbey, do Instituto Shalom Hartman, em Jerusalém. “O país é ‘carente’ por atenção internacional. Assim, figuras como o Bolsonaro passam a ser bem-vindas.”