Era março de 1995. Mas o sociólogo Alain Touraine lembra-se como se fosse hoje. Ligou para o Brasil e deu uma bronca em seu colega e ex-aluno Fernando Henrique Cardoso. O motivo: estava irritado com a mais nova frase de seu pupilo ? ?Esqueçam tudo que eu escrevi?. Passados oito anos, foi a vez do diretor do Centro de Altos Estudos em Sociologia, da renomada Universidade de Sorbonne, pedir desculpas. Foi como se Touraine agora dissesse: ?Esqueçam tudo o que eu disse naquela época?. O pai da sociologia moderna não só perdoou o amigo, como acredita que ele agiu nos dois mandatos na Presidência da República exatamente conforme os ideais pelos quais sempre lutou. ?Nestes oito anos, Fernando Henrique foi coerente com tudo que escreveu?, afirma Touraine, o ?pai da sociologia moderna?, em entrevista exclusiva à DINHEIRO. ?Os radicais acabaram indo para a guerrilha e conquistaram muito pouco. Quem lutou pela via democrática, como FHC, fez muito melhor ao País.?

Para o mestre, a era Fernando Henrique poderia ser resumida em uma frase: ?Um governo social democrata limitado por alianças de direita.? Social, sim, porque conseguiu lidar com problemas básicos da sociedade brasileira. Entre eles, Touraine gosta de citar a luta contra o analfabetismo, a queda brutal nas taxas de mortalidade infantil e a revolução na construção de moradias populares. Nada disso foi fácil. ?O presidente teve que tocar em um dos maiores problemas nacionais que é a exclusão social, econômica e política de uma população que até os anos 80 estava fora do jogo: a população rural?, lembra o professor. Mas nem tudo são elogios. Como qualquer mestre, Touraine ainda dá uns puxões de orelha em seu ex-aluno, que ele conhece desde a década de 50. ?Ele fracassou em não conseguir estabelecer um partido político forte?, garante. ?É inadmissível o PSDB ter que ficar negociando com um deputado ali e um senador aqui para poder governar.? Mas Touraine vai mais além. O partido governista, PSDB, sai enfraquecido das eleições e terá que se reorganizar para sobreviver. É crítica comum aos cientistas políticos. Basta analisar o cenário político nacional. O PT que agora sobe ao poder pegou para si as bandeiras democrático-sociais ? exatamente tudo aquilo que representava o PSDB. ?É uma crise de identidade?, comenta Touraine.

Logo mais, Touraine se encontrará com Fernando Henrique. Estão nos planos do presidente dar uma volta com a primeira-dama Ruth Cardoso pela Europa. Eles devem se encontrar na França. O futuro? ?Essa pergunta só cabe a ele?, brinca Touraine. Mas se pudesse dar algumas dicas para o amigo, ele certamente indicaria que o presidente FHC assumisse um cargo diretivo na ONU, escrevesse um livro de memórias sobre os oito anos à frente do governo brasileiro e voltasse para as salas de aula. ?Ele ainda tem muita coisa a nos ensinar.?