Apesar de hoje estar com os dias contados, Majuli era conhecida por ser uma grande ilha fluvial no coração do rio Brahmaputra. Enquanto as cheias do rio causam estragos para os que moram perto de suas margens, cientistas preveem que a ilha desaparecerá completamente até 2040.

Nascido no Tibet e com 2.900 km de extensão, o Brahmaputra percorre o Himalaia até o golfo de Bengala, e é fonte para a sobrevivência de milhões de pessoas.

Por causa das mudanças climáticas, os dilúvios da temporada de monções têm sido gradualmente mais intensos. A má administração pública piora o problema e o futuro parece assustador para os 170 mil habitantes de Majuli: cada vez mais as enchentes inundam a ilha fluvial por um maior período, prejudicando as plantações e tornando a terra infértil.

À medida que as chuvas começam, os habitantes locais – em sua maioria nativos das aldeias Mishing, seguidores de uma religião proveniente do hinduísmo – migram com seus animais para as terras mais altas. Porém, em breve não terão mais novos espaços para se instalar.

“Amamos o rio, mas sabemos que um dia ele engolirá nossa terra. Só nos resta rezar para que o Brahmaputra freie o seu ritmo (de aumento no nível da água) e possamos viver em harmonia como as gerações anteriores”, disse Sunil Mili, um produtor de mostarda e arroz.

No cenário atual, a Índia enfrenta uma crise de água completa, já que o aquecimento global gera fenômenos climáticos extremos e o simplório planejamento ambiental do país põe milhões de vidas em risco.

A crise múltipla enfrentada pelo país, – que passa por secas severas, fortes inundações e o constante aumento dos níveis fluviais e marinhos -, faz com que o abastecimento de água seja regularmente suspenso.

“À medida que a população do país aumenta, é previsto que a crise da água piore, atingindo cerca de 1,6 bilhão de pessoas em 2050”, ressalta Pradeep Purandare, um ex-professor do Instituto de Gestão da Água e da Terra.

– Devastado –

Majuli, famosa por seus mosteiros do século XVI, tinha uma área de 1.250 km² em 1890, mas o rápido aumento no volume do Brahmaputra já submergiram uma grande parte da ilha.

Atualmente, só restam apenas 515 km², e a ilha pode desaparecer completamente nos próximos 15 a 20 anos, segundo o Conselho de Proteção e Desenvolvimento da Ilha Majuli, uma ONG local.

Trata-se de uma realidade bastante conhecida por Nandiram Payeng: todo o seu povoado foi engolido pelo Brahmaputra.

“Tínhamos nossas casas, sítios e nossa economia. Estávamos satisfeitos e felizes. Porém, em 2017, o rio veio e levou tudo”, lembra Payeng.

“Agora cultivamos em terrenos de outras pessoas e temos que pagá-los metade do nosso lucro”, conta o homem, de 55 anos.

Embora os moradores da ilha tenham começado a abandonar o território ainda em meados do século XX, nos últimos tempos a sua migração se tornou um verdadeiro êxodo: de acordo com fontes oficiais locais, cerca de 10 mil famílias se deslocaram nos últimos 12 anos.

Chamado pelo nome do filho do deus hindu Brahma, o rio é considerado sagrado e é conhecido por ser um local de oferendas.

“A cada ano que passa o Brahmaputra se torna maior. Está perdendo o seu fluxo e está se tornando mais largo. Está invadindo as margens e erodindo a nossa terra continuamente”, ressalta Mitu Khatamiar, um jornalista local.

Segundo cientistas, a principal causa para as fortes inundações é o degelo das geleiras do Himalaia, que pode perder até dois terços do material por descongelamento até 2100.

O Brahmaputra e muitos outros grandes rios da Índia dependem inteiramente da neve e do gelo das montanhas. Um aumento do degelo significa mais água a curto prazo, mas os efeitos dessa quantidade descongelada é incontrolável.

– Catástrofe –

A mudança climática fez com que as monções sejam progressivamente mais imprevisíveis: começam depois do período esperado e os dilúvios acabam sendo mais avassaladores, mesmo que a quantidade total de chuva tenha diminuído.

“Há dilúvios repentinos intensos com os quais a região não está acostumada, causando uma catástrofe”, explica Suruchi Bhadwal, professor emérito do departamento de Ciências da Terra e Mudanças Climáticas do Instituto de Energia e Recursos.

“Esses incidentes podem aumentar nos próximos anos”, alerta, explicando que o degelo das geleiras gera o aumento no volume dos rios e um excedente de água.

No entanto, há poucas formas de aproveitar e estocar água quando há abundância, e falta uma boa gestão quando há a situação oposta e as populações ainda enfrentam o corte no abastecimento hídrico.

“Falta, a nível nacional, a gestão de água, a administração e a regulação. Quando há água disponível, deveria saber ser utilizada”, acrescenta Purandare.

Recentemente, o primeiro-ministro indiano Narendra Modi criou o ministério de Jal Shakti, que tem como objetivo pensar em como gerenciar melhor os recursos hídricos e administrar todo o ciclo, como o acesso a água potável e saber lidar com as inundações.

O crescimento demográfico ao longo das margens do rio também piora o problema, à medida que mais pessoas vivem nas proximidades do Brahmaputra e as áreas protegidas foram destruídas pela construção de mais casas e aldeias.

O especialista em meio ambiente, Himanshu Thakkar, explica que, ao longo do rio, hindus gastaram centenas de milhões de dólares construindo diques de cimento, em uma tentativa de resolver as inundações, mas isso piorou a situação.

“O Brahmaputra é um rio de inundação, mas estamos tornando a situação pior”, conclui Thakkar.