A mais recente crise institucional instalada em território brasileiro segue a mesma cartilha de todas as outras iniciadas e alimentadas pelo presidente Jair Bolsonaro. Inflama seus mais fiéis apoiadores, dá munição para seus oponentes, também engaja o nome do presidente nas redes sociais e mantém ativa a ideia de que Messias é, sim, um homem que enfrenta sozinho um Judiciário arbitrário e que lesa a pátria. Mas, então, por que esse estopim causado pelo indulto ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) seria diferente? A construção da narrativa até pode ser a mesma, mas o cenário é outro. Com a economia mais pressionada do que em 7 de setembro, data da última crise deflagrada entre os Poderes, o governo perde a chance de conseguir bons resultados macroeconômicos antes da contaminação eleitoral do segundo semestre, e vê vazar entre os dedos potenciais investidores estrangeiros, empresários dispostos expandir negócios e consumidores mais confiantes.

Economistas ouvidos pela reportagem têm a mesma percepção. Sérgio Saldanha Rodriguéz, chileno radicado no Brasil e que por dez anos esteve na diretoria de investimentos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) enumera as diferença entre a última crise e a atual. “Não havia guerra na Europa. Lula não jogava em Bolsonaro o peso de correr atrás na pesquisa eleitoral. Os Estados Unidos não falavam de escalar juros”, disse. O economista ressalta ainda que havia uma percepção no mundo de que as coisas estariam melhores em breve e por isso a tentativa frustrada de Bolsonaro de intimidar os ministros do STF com um tratoraço e ameaças ao ministro, Alexandre de Moraes teve um efeito pequeno na economia.

Lúcia Camargo Neves, professora de economia da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes) e ex-secretária da Fazenda do Espírito Santo, explica o motivo. “Não houve tempo de contaminar a economia porque o rompante antidemocrático de Bolsonaro durou apenas alguns dias.”Isso porque Bolsonaro, auxiliado por Temer – que por ironia do destino foi quem indicou o Moraes ao STF – ajudou o atual presidente a redigir uma carta colocando panos quentes no conflito.

Mas desta vez uma carta não deverá resolver a situação. E Bolsonaro sabe e gosta disso. Ao conceder indulto ao deputado Daniel Silveira condenado a oito anos e nove meses de prisão, por crime de ameaça contra a democracia, cria-se mais que uma tensão, gera-se um imbróglio institucional. O jurista e ex-ministro da Justiça Miguel Reale Júnior, por exemplo, garante que a medida tomada por Bolsonaro é não constitucional por ser uma afronta ao livre exercício de um dos Três Poderes do Brasil. O ex-ministro do STF Ayres Britto também viu problemas. “O presidente da República saiu em defesa de um correligionário, de um amigo pessoal. No âmbito da administração pública, esse desvio de finalidade se chama impessoalidade”, disse. Dentro do Supremo há opiniões divergentes. Moraes, por exemplo, afirmou que mesmo com o indulto, Silveira perde os direitos políticos para a eleição deste ano. André Mendonça, por sua vez, se mostra mais cauteloso na hora de falar deste tema.

Tudo isso significa que, na prática, essa história vai render. E quanto mais render, mais vai contaminar a economia. Lenio Luiz Streck, jurista, professor e sócio do escritório Streck e Trindade Advogados Associados calcula a dimensão. “07 de Setembro pode ficar pequeno perto do 21 de abril (dia do indulto). Penso que ele [Bolsonaro] corre o risco de ser abandonado de vez pela Faria Lima. Eles colocam alguém no Poder, mas sabemos que também podem tirar”, afirmou o especialista. Mas mais do que prever como ficará a economia, o jurista convida a refletir sobre o que leva o presidente a agir assim. “Por que Bolsonaro aposta na desinstitucionalização? Será que já perdeu apoio e agora aposta no caos? Porque a crise que ele arranjou agora é irracional”.

Ilustração: Evandro rodrigues