Existia uma percepção de que a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) precisava de mudanças. E elas vieram. A eleição de Patricia Vanzolini para a presidência da seccional São Paulo da OAB no triênio 2022-2024 tem tudo para ser emblemática. A começar por quebrar um assustador histórico: será a primeira mulher em 90 anos a ocupar o cargo. As alterações necessárias também passam por adotar pautas como a inclusão de gênero, racial, de pessoas com deficiência e LGBTQIA+. “A OAB tem de estar em uma posição, do ponto de vista das conquistas sociais, de progressividade”, disse à DINHEIRO. “Mas no espectro político-partidário, de neutralidade, para contribuir com o diálogo social. E não botar gasolina na fogueira de polarizações.”

De toda forma, não foi uma eleição avassaladora. A criminalista Vanzolini teve 36% dos votos, contra 32,7% do atual presidente, Caio Augusto Silva dos Santos, num sinal de que parte considerável da advocacia paulista optou pela manutenção da atuação da entidade, a maior do País – apenas entre os aptos a votar havia 350 mil profissionais. O 1/3 restante dos votos se dividiu entre outros três candidatos, brancos e nulos. Entre os objetivos da nova gestão estão o desenvolvimento e a inclusão de padrões ambientais, sociais e de governança (ESG), básicos para grandes corporações e fundamentais na sustentabilidade e captação de investimentos. “A OAB está muito distante dos ideais de uma boa gestão. Entendemos que esses parâmetros, sobretudo o da governança e da responsabilidade social, são políticas transversais”, afirmou. “Tudo o que a OAB faz tem que ser pensando em inclusão.”

No entendimento da nova presidente, a “OAB parou no tempo”. Na década de 1980 a instituição exerceu um papel importante frente à redemocratização e ao movimento Diretas Já, mas um detalhe importante passou despercebido: ela cresceu e a advocacia mudou.

Atualmente, a instituição tem orçamento de R$344 milhões e 400 mil inscritos em São Paulo. Não é mais a mesma de 40 anos atrás. “Ela foi ficando para trás na questão da governança, o que não é mais aceitável.” A advogada sabe que isso se reflete em perda de eficiência e é caminho certo para que se torne “um elefante branco burocrático, sem transparência e com dúvidas da lisura”.

Vanzolini acredita também que a entidade foi deixando de lado questões relevantes para a advocacia e passou a se preocupar com o que o corpo dirigente, resultando em uma falta de democracia interna. Não à toa essa é uma das pautas de sua gestão: eleições diretas para a presidência do Conselho Federal da OAB. “O presidente do nosso Conselho Federal é eleito por uma eleição indireta, absolutamente obscura, cheia de conchavos e alianças que são feitas entre os conselheiros federais”, afirmou. Se a OAB quer exigir dos órgãos públicos governança e transparência, Vanzolini defende que antes ela tem que ter tudo isso dentro de casa. “Primeiro precisa ser exemplo. Depois ser fomento.”

ENTREVISTA: Patricia Vanzolini
“A OAB padece de vícios do funcionalismo público”

Advogada de 49 anos quer ser o arauto de um novo momento da entidade, com uma gestão que promete ser marcada pela derrubada de barreiras.

O que você quer mudar?
A Ordem tem que servir para todos, ter virtudes institucionais e ser uma instituição moderna independentemente do gestor. A minha eleição representou uma evolução no sentido de uma política mais democrática, transparente, moderna e republicana.

A que você define sua vitória.
A OAB padece de alguns vícios do nosso funcionalismo público.

Apesar de você não ter usado a bandeira feminista na sua candidatura e sim a de mudança, é inevitável a importância de ser a primeira mulher presidente da OAB-SP em quase 90 anos.
Embora eu não tenha usado como bandeira única o fato de ser mulher, a conjuntura de ser uma chapa de mudança e modernização tornou isso natural. Escolhemos ter uma mulher encabeçando a chapa e ter muitas propostas que falam dessa representatividade. Nós ainda temos um tremendo teto de vidro e um judiciário majoritariamente masculino nos cargos de gestão.

Como quais?
Essa confusão entre o público e o privado, a política feita à base de conchavo, muito personalista e fisiológica. Essa é uma característica da política brasileira, de uma democracia recente e ainda imatura, algo que também existia na Ordem.

Uma ameaça de invasão ao STF é um exemplo de ataque em que a OAB deveria se fazer ouvir, não?
Sem dúvida, esse é o tipo de situação onde a OAB tem que intervir. Existem temas que não cabem à OAB, mas quando houver uma ameaça institucional, invadir STF e fechar Congresso, sim, né? A OAB tem que zelar para que as instituições sejam respeitadas, funcionem e que isso (ataque) não seja tolerado.

Por que nada falou?
Para mim é uma incógnita como ela ficou calada durante tanto tempo.

Seria por causa do viés político-partidário?
Acho que tem um pouco disso, um viés político-partidário no âmbito do Conselho Federal, e no âmbito da seccional de São Paulo eu acho que é desinteresse mesmo.