Na última terça-feira 3, o Federal Reserve (Fed, o BC dos Estados Unidos) surpreendeu os mercados ao reduzir a taxa de juros dos títulos do Tesouro americano em 0,50 ponto percentual para um intervalo entre 1% e 1,25% ao ano. A decisão extraordinária, fora da agenda oficial, não era adotada desde a crise financeira global de 2008. Antes do anúncio do Fed, na mesma data, os bancos centrais da Austrália e da Malásia tinham reduzindo suas respectivas taxas em 0,25 ponto percentual. Nos instantes seguintes ao anúncio do Fed, os mercados reagiram com alívio. Em São Paulo, o Ibovespa chegou a subir 2,04%, para 108.803 pontos, e o dólar até caiu para R$ 4,45 no mercado à vista. Mas na sequência, a coletiva do BC dos EUA trouxe a reflexão sobre a gravidade do momento. “Vimos o risco para a perspectiva da economia e escolhemos agir”, diz Jerome Powel, presidente do Fed. “Estamos começando a ver efeitos nos setores de viagens e turismo, e há reclamações de indústrias que dependem de cadeias de suprimentos globais. A magnitude e a persistência dos efeitos econômicos ainda é altamente incerta”, afirma. Na velocidade das declarações, o humor dos mercados ocidentais ainda abertos virou para o negativo. Ao final dos negócios, o Ibovespa fechou em queda de 1,02% em 105.537 pontos e dólar avançou 0,55% para R$ 4,518 no comercial, na mesma terça-feira. Na quinta-feira 5, pela tarde (14h30), a tensão persistia com o Ibovespa na faixa do 104,4 mil pontos, e dólar acima de R$ 4,66 no mercado à vista.

Para Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos, o corte do Fed pode significar que há algo maior na matriz de riscos. “É possível observar maiores movimentos de desaceleração global, procura por mecanismos de hedge e efeito-contágio nos preços dos ativos globais, o que promoveria suas quedas. O Fed acendeu a luz vermelha, passando muito abruptamente pela amarela”, afirma o analista.

Como reflexo dessa ação conjunta de bancos centrais pelo mundo, haverá a pressão para que o Banco Central brasileiro corte seus juros. “No curto prazo, se o nosso BC for pragmático e manter a Selic, será benéfico para o real. Mas com a pressão, o BC do Brasil provavelmente deve cortar a Selic, numa postura de política monetária mais frouxa, que resultará na nossa moeda mais enfraquecida”, diz Jason Vieira, economista-chefe da Infinity Asset.

Em nota à imprensa na noite de terça-feira, o Banco Central disse que monitora atentamente os impactos do surto de coronavírus nas condições financeiras e na economia brasileira. “À luz dos eventos recentes, o impacto sobre a economia brasileira proveniente da desaceleração global tende a dominar uma eventual deterioração nos preços de ativos financeiros”, afirmou o BC, na nota. A autoridade monetária completa que as próximas duas semanas permitirão uma avaliação mais precisa dos efeitos do surto de coronavírus na trajetória prospectiva de inflação no horizonte relevante de política monetária. Dito de outra forma, o BC preparou o mercado para a possibilidade de uma queda dos juros no próximo dia 18, quando terminará a reunião do Copom.

JURO NEGATIVO Os profissionais de mercado se dividem sobre para qual patamar irá a Selic até dezembro, se para 4%, 3,75% ou 3,5% ao ano, e nessa última hipótese, teríamos juro real negativo diante uma inflação projetada entre 3,6% por analistas. “E nada impede que uma continuidade da desaceleração econômica mundial leve a Selic para inéditos 3% ao ano”, diz Rafael Bevilacqua, estrategista-chefe da Levante.

Para Ricardo Denadai, economista-chefe da ACE Capital, o BC deve baixar a Selic em pelo menos 0,25 ponto percentual. “O Fed lidera a fila, e os outros respondem”, diz. Denadai explicou que os problemas causados pela epidemia do coronavírus aumentaram. “A coisa escalou para os serviços. Quando um avião fica no chão, ou um hotel ou restaurante ficam vazios, gera uma perda que não se recupera”, afirma.

“Vimos o risco para a perspectiva da economia e decidimos agir. A magnitude e a persistência dos efeitos econômicos (da epidemia do coronavírus) ainda é altamente incerta” Jerome Powel, Presidente do Federal Reserve.

A simples queda dos juros não resolve a crise da logística global, mas pode trazer um alívio para os custos financeiros das empresas ao redor do mundo. Na visão de Marcos Iorio, gerente de gestão de investimentos da Integral, os bancos centrais estão se antecipando aos problemas. “Esse movimento é para acalmar os mercados”, afirma.

Na avaliação de Reinaldo Lacerda, sócio-fundador da Hieron, a questão das importações da China pode parar fábricas no Brasil. “Com o BC caminhando igual (aos outros) na parte monetária, praticamente não vai sobrar juro real, vamos acompanhar o restante do mundo (em taxas negativas)”, diz. O Banco Goldman Sachs, por exemplo, revisou a projeção do crescimento do PIB brasileiro, de 2,2% para 1,5%, e prevê a taxa Selic em 3,75% ao final de dezembro.

ALTA NO CÂMBIO Com o juro em baixa no Brasil e no mundo, os investidores internacionais estão deixando países emergentes e partindo para aplicações consideradas seguras, como o dólar e o ouro. “Aqui no Brasil, além da saída dos estrangeiros da bolsa de valores brasileira para mercados mais seguros, muitos investidores locais estão fazendo hedge (proteção) em suas carteiras em dólar e ouro”, diz Mauriciano Cavalcante, diretor de câmbio da corretora Ourominas.

Ele conta que 80% da alta do dólar está relacionada aos impactos da “tempestade” econômica do coronavírus, mas que há motivos políticos internos para justificar a alta, como a falta de andamento das reformas e os conflitos entre os três poderes da República. “A tendência é que dólar continue subindo enquanto não tiver uma boa notícia sobre o coronavírus, que sinalize uma normalização das atividades pelo mundo”, afirma Cavalcante.

Na quinta-feira 5, o dólar abriu novamente em alta superando a barreira de R$ 4,60 no mercado à vista, mesmo com intervenções de swaps cambiais do BC. No caso do ouro, nos últimos 45 dias, a cotação do metal subiu de R$ 190 para R$ 245 por grama. Em Nova York, no mesmo período, a cotação avançou de US$ 1.566 por onça-troy (31,1 gramas) para US$ 1.658 por onça-troy.

Na visão de Alexandre Almeida, analista da CM Capital, desde o final de janeiro há um “grande movimento” de aversão ao risco com fuga para o dólar. No mesmo pensamento, Alysson Lima, sócio responsável pela área de câmbio da Blue Line Asset, reafirma a alta volatilidade. “As opiniões não duram 30 minutos”, diz. Mas para Fabrício Taschetto, CIO da ACE Capital, o BC brasileiro não tem demonstrado muita disposição de segurar o câmbio. “Hoje, o real é uma das piores moedas do mundo”, diz. Já Daniel Weeks, economista-chefe da Garde Asset pondera que o real está sofrendo como todas as outras moedas emergentes. “Todos os emergentes são exportadores para China”, afirma. Ao passo que Vanei Nagem, responsável pela mesa de câmbio da corretora Terra, lembra que no Brasil, por fatores históricos, a volatilidade é maior. “Tanto se exagera na alta, como na baixa”, diz.

FLUXO NA BOLSA Na B3, pela posição líquida (diferença entre resgates e aportes), a saída de estrangeiros de ações continua, mas com fundos locais e pessoas físicas na ponta compradora. “Não notamos pânico, pois o incentivo para sair do risco é muito menor”, diz Julio Urse, diretor de gestão da Constância. Em opinião semelhante, Fabiano Godói, diretor de investimentos da Kairós, lembra que o Brasil não é mais o País dos juros altos. “Esse movimento global empurra o investidor para diversificar seus investimentos”, afirma. Henrique Bousquat, responsável por produtos da ALL Investimentos, recomenda que o portfólio deve ter como objetivo, o equilíbrio. “É preciso fazer uma revisão da carteira, ter segurança, mas olhar para o horizonte de tempo”, diz.