Se você não trabalha no mercado financeiro, muito provavelmente nunca ouvir falar da Câmara de Liquidação e Custódia de Títulos Privados (Cetip). Mesmo assim, é bem provável que ela já tenha ouvido falar de você. A Cetip é o balcão de negócios em que as compras e vendas de títulos de renda fixa são fechadas e, se você fez uma aplicação financeira, foi ela quem cuidou da compra, da venda e dos registros, mais ou menos como ocorre com sua principal concorrente, a BM&FBovespa.
 

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Fleury (centro) e seus diretores: sua missão é fazer a Cetip aproveitar o esperado crescimento do 
mercado de títulos de renda fixa emitidos por bancos e por empresas privadas

 

Apesar de menos conhecida, a Cetip lida com números assombrosos. Seus computadores armazenam os registros de quase      R$ 3 trilhões – isso mesmo, trilhões – em ativos financeiros como títulos de renda fixa e derivativos, o equivalente a 75% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro. Essa gigante praticamente invisível tornou-se mais conhecida em setembro do ano passado ao lançar suas ações na bolsa, com quem concorre por algumas dessas transações.

Agora, a Cetip quer ser vista em outros países. Em meados de junho ela fechou uma parceria com a Clearstream de Luxemburgo para ampliar as atividades para o Exterior. Assim, como a BM&FBovespa quer intermediar transações com ações, a Cetip quer fazer o mesmo com a renda fixa e os derivativos. Luiz Fernando Vendramini Fleury, seu presidente, não é nada modesto quanto fala das perspectivas. “A Cetip é uma empresa condenada ao sucesso”, diz.

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Imodéstia à parte, Fleury diz querer repetir na Cetip o processo que dirigiu há 14 anos na processadora de cartões Redecard, que surfou na explosão dos cartões de crédito e débito na década passada. O executivo quer aproveitar o crescimento do mercado de títulos de renda fixa privados, emitidos por bancos e por empresas que, para ele, têm um potencial gigantesco no Brasil. “Cada vez mais empresas deverão obter recursos emitindo esses papéis, e nós queremos que todos sejam registrados e negociados aqui”, diz.

O otimismo de Fleury é justificável? A seu favor, ele conta com o fato de que os mercados de balcão são as entidades do mercado financeiro que mais têm crescido ao redor do mundo nos últimos anos. O dinheiro mundial está armazenado em grandes reservatórios, como as reservas de capital dos bancos centrais,  e empresas como a Cetip estruturam a tubulação por onde esse mar de dinheiro escoa. A seu favor, ela conta com o predomínio do mercado brasileiro.

Seus computadores processam negócios de R$ 28 bilhões por dia em média. Já na BM&FBovespa, esse volume é inferior a R$ 100 milhões. “Estamos bem à frente na administração desses tipos de ativos”, diz o diretor de operações Wagner Anacleto. Essa liderança é preciosa, mas não é uma garantia em si. “A Cetip está sozinha no mercado, mas isso não significa que não possam surgir outras câmaras de compensação”, diz o consultor Alberto Borges Matias, especializado em finanças e bancos.

Outro trunfo com que Fleury conta são seus prognósticos para o crescimento do mercado. Segundo ele, o volume dos títulos privados no Brasil é inferior a 2% do PIB. “Nos demais países emergentes a média é de 10% e a dos países desenvolvidos é de 23%”, diz ele. Para abocanhar esse mercado em expansão, Fleury recrutou uma turma de executivos – alguns deles da própria BM&FBovespa.

O diretor financeiro e de RI, Francisco Carlos Gomes, ajudou a criar a Companhia Brasileira de Liquidação e Custódia (CBLC). O diretor de tecnologia, Maurício Freire dos Santos, foi gerente da Selic na Andima (associação do mercado de renda fixa) e os diretores de produtos e autorregulação Carlos Ratto Pereira e Carlos Menezes, respectivamente, vieram do setor bancário.

A missão dessa turma é estender o domínio do mercado brasileiro à América Latina. A assinatura do contrato com a Clearstream visa não apenas desenvolver ferramentas de negociação de títulos em outros países, mas também facilitar o acesso aos grandes mercados financeiros. Antes disso, porém, eles precisam mostrar ao investidor local a importância da companhia.

Apenas sete analistas de mercado acompanham as cotações da empresa, ante 23 profissionais que seguem as ações da BM&FBovespa, e o valor de mercado da Cetip é de R$ 3,2 bilhões, cerca de 14% dos R$ 22,6 bilhões do valor da BM&FBovespa. Essa questão que está no topo da agenda de Fleury. “O mercado não dá chance de ninguém ficar parado”, diz.