Existem conceitos principalmente na área da psicologia em que são propostas mudanças internas para que se atinjam mudanças externas, do ecossistema ao seu redor. Foi o que fez a fabricante chinesa de computadores Lenovo quando concluiu, em 2019, antes da pandemia de Covid-19, a modernização de seus processos e de suas três dezenas de fábricas espalhadas pelo mundo, entre elas a localizada em Indaiatuba, no Interior de São Paulo. O parque fabril foi transferido de Itu, com investimentos em automação, robótica, machine learning, inteligência artificial e internet das coisas para ganhar participação no mercado brasileiro, que tentava se recuperar da retração nos anos anteriores. O esforço colocado em prática com a adoção de novas tecnologias foi uma receita conhecida: eliminar gargalos para obter mais eficiência. Os resultados apareceram.

A Lenovo faturou US$ 60,7 bilhões globalmente no ano fiscal de 2020, encerrado em 31 de março. Recorde histórico da empresa, quase 20% superior aos US$ 50,7 bilhões em vendas registrados no período anterior. O desafio agora é manter esse crescimento e o bom momento, que vem auxiliando clientes e parceiros em sua jornada de digitalização. A tal mudança externa. “Quando veio a pandemia [declarada pela OMS em março de 2020] nós estávamos prontos para oferecer soluções inovadoras. Quando se está pronto por dentro, pode oferecer para fora”, afirmou à DINHEIRO Ricardo Bloj, presidente da Lenovo no Brasil. “Temos chamado isso de transformação inteligente, ao usarmos a tecnologia para tornar a vida das pessoas e das empresas mais fácil.”

Uma transformação que gera receita. Segundo a consultoria IDC, a Lenovo fechou o primeiro trimestre deste ano na liderança global de vendas de PCs (que agregam notebooks e desktops) com 20,4 milhões de unidades comercializadas, que representam 24,3% de market share. Em segundo lugar está a HP, com 22,9% de participação no mercado, e Dell, com 15,4%. No Brasil, a marca chinesa encabeça o ranking de vendas no varejo – pessoas físicas e canais diretos – com 21,7% do mercado. Assumiu o topo ano passado, posição sustentada desde 2015 pela Dell, também de acordo com dados da IDC. Situação puxada pelos notebooks, que registraram aumento desde as configurações de entrada, passando pela linha gamer, que cresceu 34% ano passado. “Nesse segmento, saímos de participação baixa e alcançamos a liderança. Às vezes um arquiteto precisa de uma máquina com processamento mais potente, um dentista usa software de escaneamento…”, disse Bloj.

DEMANDA Para atender às novas demandas de clientes surgidas durante a pandemia, a Lenovo lançou diversos produtos e serviços com inteligência artificial embarcada. Em abril, disponibilizou o Vantage Smart Performance Services, serviço de autodiagnóstico e otimização de computadores que possui uma abordagem proativa para manter o dispositivo eficiente, o que evita chamadas ao suporte por parte do usuário. É um conjunto de ferramentas de manutenção, segurança e desempenho. Elas fazem uma varredura no dispositivo, limpam e otimizam a máquina “como se estivesse nova, igual ao primeiro dia de compra”. Para as correções e acesso total aos recursos, a solução custa US$ 19,99 anuais. “Há cada vez mais a necessidade de ferramentas preditivas para um home-office inteligente”, disse Bloj. O presidente brasileiro da companhia ressaltou que muitas soluções usadas globalmente foram criadas pelo setor de pesquisa e desenvolvimento que também funciona na fábrica de Indaiatuba. “São cerca de 34 milhões de PCs no mundo que rodam soluções feitas no Brasil.”

TENDÊNCIA ThinkSmart Core atende às necessidades de escritórios inteligentes, com kit de painel de toque, câmera acoplada, microfone e auto-falantes integrados. (Crédito:Divulgação)

Na área de ensino, que também sofreu uma revolução com a pandemia, a Lenovo firmou parceria com o Grupo Somos Educação. O Chromebook Lenovo as a Service enviados à instituição já saem da fábrica com a plataforma Plurall instalada. E outras facilidades tanto de hardware quanto de software e serviços. São dispositivos mais leves e duráveis, realizam updates automáticos, ligam em menos de dez segundos, bateria dura o dia todo, gestão remota integrada, recursos de controle de pais, além de logística de entrega. A Lenovo, por leasing, faz manutenção e troca de equipamentos quando necessário. “Esse tipo de solução foi forçada pela pandemia. Estamos prontos para responder com serviço completo, tanto escolas quanto hospitais e varejo, que têm demanda cada vez mais constante”, afirmou.

Já o ThinkSmart Core atende à tendência de escritórios inteligentes e mais funcionais. Possui kit com um painel de toque, câmera acoplada, microfones e alto-falantes integrados. Possui conexão direta com aplicações de videoconferência – tem certificação para Microsoft Teams e Zoom Rooms. Pesquisa da Lenovo mostrou que 83% das empresas dizem que vão ter de dois a três dias de home-office e suas sedes vão se transformar em um hub de colaboração. “Isso faz as companhias repensarem a função dos escritórios e o tipo de tecnologia de que precisam”, afirmou o executivo da companhia que também atua no ramo de smartphones, com a marca Motorola.

CHIP As transformações interna e externa podem ser afetadas por um pequeno problema, que em alguns casos chega a custar apenas US$ 0,30: os chips – ou a falta deles. O mercado de processadores e semicondutores passa por uma crise de desabastecimento. Até agora, houve apenas revisão dos prazos de entrega de produtos – de sete para 20 dias, em média – e não complicou a operação da Lenovo, segundo Ricardo Bloj. Primeiro porque a negociação com parceiros e fornecedores é facilitada por se tratar da líder de mercado. Segundo porque em uma cadeia global com 30 fábricas é possível haver redistribuição de componentes conforme a necessidade da região. A ausência de chips pode se prolongar até o ano que vem, dizem especialistas. “Isso não impede o mercado de continuar crescendo, mas atrapalha”, disse Reinaldo Sakis, gerente de pesquisa e consultoria de Consumer Devices da IDC Brasil.

A previsão, mesmo com a possibilidade de queda no fornecimento de processadores, é de que a demanda por PCs e dispositivos inteligentes continue forte pelos próximos 12 meses, avalia o presidente da Lenovo. E assim, com a transformação inteligente de dentro para fora, repetir o crescimento de 20% em 2021.