Apesar da alta da Selic nas três últimas reuniões do Comitê de Política Monetária (Copom), o longo período em que os juros brasileiros permaneceram baixos teve dois efeitos sobre o mercado. O mais visível foi a migração de milhões de investidores para a bolsa. Outro, menos perceptível mas igualmente importante, foi a descoberta dos investimentos em crédito privado. Esse mercado vinha sendo testado com títulos como os Certificados de Recebíveis, tanto imobiliários (CRI) quanto do agronegócio (CRA). O movimento mais recente é rumo aos títulos de crédito de empresas. Conhecidos como debêntures incentivadas, esses papéis oferecem rendimentos que combinam inflação e juros. O principal atrativo é que o ganho é isento de imposto.

Para avaliar esses investimentos, vamos recorrer a uma pitada de história. Emitidas por companhias abertas, as debêntures são tradicionais no mercado financeiro. A empresa que as emite paga juros, independentemente de ter tido lucro ou prejuízo. Com isso, elas são um pouco menos voláteis do que as ações — o que, muitas vezes, leva à conclusão incorreta de que são menos arriscadas.

Em 2011, para garantir um fluxo sustentável de recursos para a infraestrutura, o governo criou as debêntures incentivadas. Os emissores desses papéis têm duas obrigações. Os recursos precisam ir para setores como transporte, energia e saneamento. E o prazo tem de ser superior a quatro anos. A vantagem para o investidor é a isenção de imposto.

De volta a 2021. A baixa consistente de juros, aliada à popularização das plataformas eletrônicas de distribuição de produtos financeiros, fez com que essas debêntures entrassem no radar dos investidores. Segundo o analista da Ativa Investimentos, Bruno Brostoline, a queda da Selic vem contribuindo para a popularização desses papéis. Em sua plataforma digital de distribuição de investimentos, a Ativa oferece títulos de 130 emissores diferentes. Segundo o profissional, o perfil é de varejo. “O investidor pode começar com valores relativamente baixos, de menos de 5 mil reais”, disse. No início de setembro, a corretora passou a divulgar a primeira lista de recomendações para esses papéis destinada a investidores de varejo. “Temos cinco debêntures recomendadas, de setores diversificados como energia renovável, logística, saneamento e fibra ótica”, afirmou. Segundo Brostoline, a seleção dos papéis é baseada em três pilares.

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“Os títulos vinculados ao IPCA, especialmente os de longo prazo, são voláteis” Daniel Jannuzzi gestor da Magnetis.

O departamento de análise da corretora faz a primeira triagem, filtrando as empresas que oferecem menor risco de crédito e cujos papéis oferecem melhores rentabilidades. Em seguida, os profissionais da mesa de negociações são consultados para apresentar sua percepção e a do mercado sobre os investimentos. E o passo final é conversar com a própria companhia, para testar a governança e a estratégia.

RISCOS Esses papéis parecem ser o sonho de consumo do investidor em busca de rentabilidade. Enumere as vantagens. São indexados à inflação num momento em que o IPCA ronda os dois dígitos. Pagam juros superiores aos dos títulos públicos de mesma característica. E, ainda por cima, são isentos de imposto. Bom demais para ser verdade?

Em termos. As debêntures incentivadas podem ser um bom investimento, desde que se tome alguns cuidados. Em primeiro lugar, elas são muito diferentes de outras aplicações de renda fixa como os fundos e os Certificados de Depósito Bancário (CDB). Uma comparação desde antes da pandemia entre os juros de mercado medidos pelo CDI com o índice IMA-B, que mede a variação dos títulos indexados ao IPCA, mostra que a segunda alternativa é muito mais volátil e sujeita a solavancos do que a primeira (observe o gráfico). A remuneração dos CDI oscilou um pouco, mas nunca deixou de subir.

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“O investidor pode começar com valores relativamente baixos, de menos de 5 mil reais” Bruno Brostoline analista da Ativa Investimentos.

Já o IMA-B amargou uma desvalorização de 7% em março do ano passado, no início da pandemia. Foi um comportamento muito mais parecido com o Ibovespa do que com os juros. “Os títulos vinculados ao IPCA, especialmente os de longo prazo, são voláteis”, disse o gestor de renda fixa da plataforma de distribuição de produtos financeiros Magnetis, Daniel Jannuzzi.

Segundo Jannuzzi, ao se vincular a um investimento de longo prazo, especialmente um de menor liquidez, o investidor pode perder dinheiro se tiver de se desfazer de sua posição e também corre o risco de perder oportunidades melhores que surjam no mercado. Ou seja, apesar de atrativas, as debêntures incentivadas devem ser, como os demais investimentos, usadas com moderação.