Se a situação hipotética se desse numa empresa, a decisão seria fácil. Em uma ocorrência de baixa nas receitas e alta nas despesas, o diretor financeiro alertaria o CEO que, caso ele não cortasse parte das despesas com novos projetos, a companhia poderia não ter recursos para manter operantes as funções básicas e suas obrigações. Na reunião, o diretor de novos negócios até tentaria manter parte de seu budget, mas entenderia que a empresa tem que priorizar as necessidades básicas de seus clientes e funcionários. Porém, em uma República a conversa é outra. Ou pelo menos na República de Bolsonaro. Em Brasília, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tentou alertar o presidente de que não há mais espaço para cortes dentro das despesas obrigatórias do governo, em especial com aposentadorias e benefícios da Previdência Social neste ano, e para que o governo não corra o risco de um shutdown, ou não fira a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), ele precisará realizar cortes em outros projetos, entre eles programas habitacionais e de saneamento básico. Com essas medidas, estima-se que o governo possa aliviar em até R$ 50 bilhões as contas públicas – mas tal tesourada não virá sem resistência de integrantes do próprio governo.

O potencial do corte, obtido através do Portal da Transparência, compila mais de 120 projetos das áreas habitacionais, de saneamento, defesa civil, meio ambiente, ciência, educação e transporte que estavam listadas pelos ministérios, possuíam cronograma, recurso previsto, mas sem dinheiro liberado. Na avaliação de Isaías Marchini Sanchez, advogado tributarista, ex-juiz do Tribunal de Contas da União (TCU), e que realizou o levantamento, o alerta de Paulo Guedes é real. “De fato não há espaço para um novo corte dentro das despesas obrigatórias. O governo, inclusive, já fez cortes inconstitucionais”, disse.

Em um primeiro momento, para tentar frear os gastos, o presidente vetou cerca de R$ 20 bilhões em despesas, e bloqueou outros R$ 9 bilhões de gastos, que poderiam ser liberados se sobrasse dinheiro ao longo do ano. Esse veto, que teve anuência de Guedes e se deu após o acordo do Orçamento, já foi alvo de forte resistência da ala política, que tenta se organizar para derrubar pelo menos parcialmente a decisão do presidente em plenário. Dentro do próprio governo, ainda que não publicamente, alguns integrantes – inclusive ministros – também são contrários ao contingenciamento defendido por Guedes.

ONDE A FACA CORTARIA O potencial de corte, na casa dos R$ 50 bilhões, supera em R$ 10 bilhões os R$ 40 bilhões adiantados pela DINHEIRO que o governo estouraria caso se mantivesse o Orçamento aprovado em abril. Mesmo com parte dos recursos jogada para cima do teto de gastos, o Orçamento já nasceu ferindo a LRF, e era esse problema que Guedes queria mitigar. Para isso, o ministro teria que cortar. Um dos alvos da faca seria o ministério de Desenvolvimento Regional, comandado por Rogério Marinho. A Pasta, inclusive, já vem perdendo parte do orçamento nas últimas semanas. No veto de Bolsonaro, por exemplo, houve corte de mais de 98% dos recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), que financia as obras da faixa 1 do antigo Minha Casa Minha Vida, hoje chamado de Casa Verde e Amarela. O nó é técnico e político. Os ministros Marinho e Guedes não se bicam.

O Orçamento inicialmente previsto pelo Congresso, de R$ 1,540 bilhão, foi quase zerado, chegando a R$ 27 milhões. Sobre o assunto, o presidente da Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), José Carlos Martins, afirmou que viu a tesourada com preocupação e perplexidade. “Isso deve paralisar as obras de 250 mil casas que já estão em construção, além de afetar cerca de 250 mil empregos diretos e 500 mil indiretos e induzidos.” Ele foi um dos que pediu que o Congresso derrube o veto.

50bi de reais é o potencial de corte do governo caso ele cancele mais de 120 projetos

No final das contas, foi Marinho o mais afetado pelos cortes já feitos e pode ser o mais prejudicado se outros cortes forem realizados. De um total de R$ 19,841 bilhões em gastos vetados por Bolsonaro, a pasta comandada por ele perdeu R$ 8,646 bilhões, de acordo com cálculo realizado pela IFI (Instituição Fiscal Independente) do Senado. Os investimentos em obras do Ministério da Infraestrutura caíram R$ 2,787 bilhões. O Ministério da Educação teve vetadas despesas de R$ 1,181 bilhão. Na sequência, aparecem os ministérios da Agricultura (R$ 875,587 milhões), da Justiça (R$ 587,230 milhões) e da Cidadania (R$ 450,932 milhões).

Se todos estão frustrados, Guedes pede calma. Enquanto tenta equilibrar um Orçamento desconexo, ele tem recebido inúmeras ligações de ministros frustrados, todos reclamando dos cortes. A resposta geral do chefe da Pasta, segundo assessores próximos a Guedes, é que haverá espaço, ao longo do ano, para remanejamento de recursos conforme a atividade economica reaja. “O corte não é definitivo. Podemos rearranjar recursos caso a receita cresça. Conforme a gente encontre fôlego”, disse uma pessoa, em condição de anonimato. Guedes desta vez parece estar do único lado possível. E sabe que por ter um chefe refém político do Congresso a pressão para estourar gastos será uma sombra entre ele e o presidente.