Pode parecer que um período de cinco anos não seja um tempo tão longo. Mas, se observarmos o ano de 2013 com calma, a sensação é a de que hoje vivemos em um mundo completamente diferente. Não é exagero. No começo daquele ano, o papa era Bento XVI. O império X, do empresário Eike Batista, que ocupava o topo das listas dos maiores bilionários do planeta, não tinha ruído. Dilma Rousseff ainda era presidente do Brasil e mantinha uma boa popularidade – até que os protestos de junho começaram a minar seu governo. Uma coisa, no entanto, não mudou. Naquele ano, a cerveja Skol, da Ambev, se tornava, pela primeira vez, a marca com maior valor do País.

Agora, em 2018, ela se consagra hexacampeã do ranking As Marcas Mais Valiosas do Brasil, realizado pela DINHEIRO em parceria com Kantar Consulting, consultoria de marketing estratégico, que faz parte do gigante britânico WPP. Nem mesmo a Ambev poderia prever que ali estava se iniciando uma nova era. “Na época, a Petrobras liderava o ranking. Num primeiro momento, entendemos a nossa vitória mais como um tombo dela, mas, ao longo dos anos, percebemos que fizemos da Skol uma marca de ponta”, diz Maria Fernanda de Albuquerque, diretora de marketing da Skol. Agora, em 2018, além da campeã, outras três marcas da Ambev estão presentes entre as 10 mais valorizadas: Brahma, Antarctica e Bohemia.

Sergio Amado, CEO da WPP: “Quem continua a investir em marketing durante a crise não perde espaço” (Crédito:Divulgação)

Os executivos que cuidavam da marca também não poderiam saber que, naquele momento, em 2013, estavam iniciando uma transformação que atingiria o seu clímax nos últimos meses. Na época, a Ambev começava a discutir o tema da diversidade, o que abriria caminho para a empresa adaptar a sua cultura, baseada na competição e na meritocracia, para uma revolução que batia à porta da sociedade. O ano passado acabou marcado profundamente, de Hollywood ao Brasil, pela discussão de formas de evitar o assédio sexual, de promover a igualdade entre gêneros e de pessoas com cores de pele diferentes. Poucos setores foram tão criticados por um histórico de propagandas machistas e de pouca representatividade de raças quanto o de cerveja.

A mudança de estratégia começou nos corredores da Ambev – que discutia como combinar iguais chances a todos com a promoção da cultura da premiação por desempenho – e acabaria sendo a base da mudança da comunicação da Skol, a cerveja com o espírito mais jovem de seu portfólio, escolhida para promover o discurso da diversidade. Em 2017, por exemplo, a Skol criou uma campanha que ilustra bem esse novo posicionamento, quando lançou uma edição limitada de latinhas, batizada de Skolors, em cinco tons diferentes, representando as cores de pele das pessoas. Para evitar escorregadelas e não ofender ninguém, a empresa se cercou de consultores e especialistas para tratar desse tema. “Quando fizemos o primeiro patrocínio da parada LGBT em São Paulo, não sabíamos como iriam nos receber”, diz Maria Fernanda. “Mas aprendemos que, se nos colocamos como alguém interessado em aprender, as pessoas estão abertas a nos aceitar.”

Marcello Miguel, diretor da Embratel: “A barreira entre telecom e TI acabou. Entramos com um posicionamento novo” (Crédito:Divulgação)

Uma das coisas importantes é assumir as dificuldades. “Quando O Boticário e Avon, marcas pioneiras no tema, falam sobre diversidade, elas têm uma vantagem sobre nós: o segmento de cerveja carrega um passivo enorme”, afirma Maria Fernanda. “As campanhas não só eram masculinas, mas realmente machistas.” Agora, as mulheres não aparecem mais servindo a bebida, em trajes sumários, mas como verdadeiras consumidoras. E isso também carrega uma questão de mercado. Afinal, 48% dos consumidores da Skol são do sexo feminino.

REINADO AMEAÇADO Apesar de liderar pelo sexto ano consecutivo, a Skol não pode se dar o luxo de dormir em berço esplêndido. O valor da marca é alto, atingiu US$ 8,26 bilhões na pesquisa deste ano, mas o seu crescimento foi baixo. Enquanto as 60 marcas do ranking somaram um valor total de US$ 65,07 bilhões, num salto de 23% em relação ao ano passado, a Skol cresceu apenas 1%. Ou seja, pode ter o seu reinado ameaçado no ranking do próximo ano. Segunda colocada, a marca Bradesco subiu 58%, e a terceira, Itaú, 42%. “Estamos num contexto de recuperação econômica, ainda que volátil”, diz Eduardo Tomiya, CEO da Kantar Consulting para a América Latina. “As marcas das instituições financeiras se valorizaram, assim como as de serviços.

Márcio Parizotto, diretor do Bradesco: “Propomos, com a nossa nova campanha, um otimismo responsável”

As de cerveja, menos.” O ranking brasileiro serve como uma ilustração da economia do País. Aqui, as marcas de alimentos, bebidas e cuidados pessoais representam 38% do valor total do ranking (observe quadro abaixo), principalmente, devido ao bom desempenho das cervejas da Ambev. As instituições financeiras contribuem com mais 26%. Marcas de tecnologia, por outro lado, somam apenas 1% do valor. É um resultado muito diferente do estudo global, que coloca esse último segmento como o mais valioso, responsável por 36% do total.

Os bancos brasileiros se valem do seu grande poderio financeiro para permanecerem sempre bem posicionados na mídia, o que os permite valorizar as suas marcas – cinco deles fazem parte do ranking (Bradesco, Itaú, Caixa, Banco do Brasil e BTG Pactual). “Quem continua a investir em marketing durante a crise não perde espaço. Interromper a comunicação faz uma marca jogar fora todo o trabalho do passado”, diz Sergio Amado, CEO do grupo WPP no Brasil. “Os grandes bancos e a Ambev são empresas com a consciência exata da importância da comunicação contínua.”

O Bradesco, por exemplo, dedicou-se a uma mudança de comunicação no ano passado. Saiu de cena a campanha voltada aos grandes eventos esportivos desta década, como a Copa do Mundo e a Olimpíada no Brasil, e entrou o slogan “Pra Frente”, que foi preparado depois de um longo estudo para entender o momento emocional e as características principais do brasileiro. “É uma manifestação em relação ao que o País enfrenta, um comportamento otimista, a despeito das dificuldades”, afirma Márcio Parizotto, diretor de marketing do banco. “Propomos um otimismo responsável.”

Esse posicionamento do banco, assim como as estratégias da Havaianas, a marca que mais cresceu em valor no ano (leia mais aqui), mostram uma tentativa de recuperação da marca Brasil, depois de anos de crises política e econômica e dos escândalos de corrupção. “Somos um evento típico de produto melhor do que a marca”, diz Dalton Pastore, presidente da faculdade ESPM, em referência à imagem do País lá fora. O Brasil ficou na 29a posição dentre 80 nações avaliadas no estudo Best Countries, da WPP, divulgado em janeiro deste ano, que monitora a percepção sobre os países. São nove postos abaixo do que ocupou dois anos atrás.

Momento de virada: as campanhas antigas da Skol, que utilizavam mulheres como objeto, deram lugar a obras artísticas que reconhecem o público feminino como consumidor, responsável por 48% das vendas da cerveja

No ranking As Marcas Mais Valiosas deste ano apareceram algumas novidades. A Embratel e a Net retornaram em boa colocação. Desde 2017, a Kantar passou a incluir no estudo empresas de capital fechado – as duas empresas haviam deixado o ranking depois de fechar o capital. A Hering reaparece também na 60ª posição. A grande novidade é a Vitarella, marca de biscoitos e massa da M. Dias Branco, muito forte no Nordeste. Cada uma delas tem uma história de reformulação. “Nos últimos três ou quatro anos, a barreira entre telecomunicações e TI acabou, e deixamos de ser apenas um provedor de telecom”, diz Marcello Miguel, diretor executivo de marketing e negócios da Embratel. Já a M. Dias Branco realizou um reposicionamento da Vitarella, a 12ª marca mais consumida do País, segundo outro estudo da Kantar. “Modernizamos as embalagens da linha de biscoitos Cracker, Maria e Maisena, trazendo uma melhor definição de categoria”, diz Marina Lemos, responsável pelo marketing da marca.

Outra característica importante do trabalho de valorização das marcas, neste momento pós-crise, é o seu propósito. “Esse é um dos atributos mais importantes de uma marca”, afirma Tomiya, da Kantar Consulting. “O consumidor exige hoje um posicionamento claro de valores.” Por isso, prestar bons serviços e ter bons produtos, assim como saber como divulgá-los, precisa ser uma estratégia consistente ao longo do tempo, independentemente das crises pelo caminho. Afinal, uma boa marca ajuda a perpetuar os negócios de uma empresa, mesmo que os ventos mudem.


Como é feito o ranking

Eduardo Tomiya, CEO da Kantar Consulting na América Latina

“A Kantar, em parceria com a revista DINHEIRO e com o grupo de comunicação britânico WPP, vem publicando há 12 anos o ranking As Marcas Mais Valiosas e Mais Fortes do Brasil. Pelo segundo ano, começamos a avaliar, também, empresas de capital fechado. Junto às companhias de capital aberto, elas precisam ter disponibilidade de informações financeiras para a segregação entre marcas e segmentos. Os seguintes critérios têm de ser obedecidos: serem marcas exclusivamente brasileiras cujo comando seja de uma empresa brasileira ou, se pertencerem a empresas estrangeiras, que sua operação esteja predominantemente no Brasil.

Em 2018, foram avaliadas 335 marcas para se chegar nas 60 mais valiosas. São consideradas duas dimensões na avaliação das marcas brasileiras mais valiosas: a financeira e a de mercado. Na dimensão financeira, quantificamos através de metodologias de avaliação de mercado de empresas o valor do ativo intangível. Usamos dados da Bloomberg e relatórios anuais (dados públicos ao mercado) para quantificar quanto vale os ativos intangíveis da companhia.

Já na dimensão de mercado, quantificamos a importância da marca dentre os intangíveis da empresa, usando como fonte o BrandZ, estudo que globalmente entrevista mais de três milhões de consumidores e investidores para entender o relacionamento deles com as marcas. No Brasil, essa pesquisa de mercado engloba 33 categorias, 500 marcas e 13.200 entrevistas.

Como resultado, a Kantar elenca as marcas brasileiras mais valiosas e mais fortes, na mais robusta metodologia de valor de marca. Esse estudo é realizado globalmente e é publicado no diário britânico Financial Times e em mais de 17 países, como China e Índia, com o objetivo de mostrar aos acionistas a dimensão do seu ativo mais valioso: a marca.”