Sessenta anos depois da revolução sexual, que tomou o mundo ocidental a partir da década de 1960, a sexualidade virou pauta de negócio no mercado mainstream. Mais uma vez pelas mãos das mulheres, na liderança das startups de bem-estar sexual. Elas são maioria também na outra ponta, representando 65% dos consumidores desse segmento em 2020, segundo a Associação Brasileira de Empresas do Mercado Erótico (Abeme). As novas soluções para aumentar o prazer — solitário ou acompanhado — vêm se multiplicando nos últimos cinco anos, motorizadas pelas redes sociais e por uma nova era do feminismo. É tudo relativamente recente, no entanto. “Nos EUA, onde o mercado está mais maduro, as sextechs estão se preparando agora para rodadas de investimentos de série C”, disse Marina Ratton, fundadora da Feel, marca nacional de lubrificantes e produtos íntimos lançada no fim de 2020 e que deve passar pela sua segunda captação no começo do ano que vem. Marina está entre as empresárias que precisam resistir a ofertas sedutoras e cada vez mais frequentes de gigantes do varejo, atraídas pelo crescimento do setor.

Duas confusões são comuns ao se tratar de sextechs. Uma, não se trata de pornografia. Outra, não espere objetos futuristas. Está mais para um modelo de comercialização de produtos e serviços, antes vendidos em lojas físicas e que migraram para o universo digital. De acordo com o Statista, o mercado deve fechar este ano movimentando globalmente US$ 33 bilhões e chegar a US$ 35 bilhões no ano que vem. Embora os dados do setor sejam pulverizados, a Abeme mensura que, com o confinamento, o mercado brasileiro expandiu 12% e movimentou R$ 2 bilhões só em transações on-line no último ano.

Depois desse período, está difícil ignorar os anseios de um público que está reaprendendo a gozar — em todos os sentidos. Por aqui, foi dada a largada no varejo com nomes de peso como Amaro, Grupo Boticário, Magazine Luiza e Renner, que inaugurou neste mês a categoria de bem-estar sexual no marketplace. “O principal desafio das sextechs hoje é o assédio das propostas para compra”, afirmou Flavia Mello, investidora-anjo da Feel. Na Pantynova, startup de produtos eróticos, as empresárias Izabela Starling e Heloisa Etelvina confirmam o crescente interesse no negócio. “Fomos abordadas por empresas interessadas em aquisição e, no último ano, recebemos várias propostas de parceria”, disse Heloisa.

CUSTO DO PRAZER Tíquete médio da Pantynova saltou de R$ 180 para R$ 307 com consumidormais disposto a experimentar novos produtos. Alta do dólar ameaça os preços, que devem subir 20%. (Crédito:Claudio Gatti )

Embora as investidas ainda não tenham resultado em acordo de aquisição, as sextechs devem seguir sob os holofotes dos gigantes. Poucos investidores tinham se aventurado no setor — ainda cercado de tabus — até agora. Segundo Marina, da Feel, “as grandes empresas estão fundamentadas num olhar masculino para o mercado, espaço em que a sexualidade feminina não era pauta de negócio”. E o que alterou o cenário? Além de cifras mais vultosas, para a investidora Flavia Mello, a renovação no perfil das lideranças mudou a cara do segmento e permitiu atrair um público antes negligenciado.

No caso da Pantynova, que vinha crescendo 180% ao ano desde 2018, com a pandemia o faturamento deu um salto de seis vezes em doze meses. O tíquete médio foi de R$ 180 em dezembro passado para os atuais R$ 307. “Conseguimos crescer 70% neste ano e devemos expandir 50% em 2022”, afirmou Izabela, uma das fundadoras da startup. Ela reitera a projeção otimista mesmo diante da crise econômica e do desabastecimento da cadeia graças à diversificação de público, maior sortimento e à entrada dos produtos nos grandes marketplaces. O impacto nos preços, por outro lado, é inevitável. “Tínhamos segurado os repasses porque a alta dos custos se equilibrou com o aumento dos pedidos.” Mas, no próximo ano, os preços devem subir 20% por causa da disparada do dólar. E também pelo básico: procura aquecida, preço em alta.

PARA FURAR A BOLHA O digital concentra 90% das transações de produtos de bem-estar sexual, segundo levantamento do setor, mas ainda há um público estratégico no off-line. É difícil para as marcas estourarem as bolhas das plataformas porque estão limitadas pelas políticas do Google e de redes sociais como Twitter e Instagram, que restringem anúncios de produtos para o público adulto. As barreiras para o posicionamento das sextechs no on-line foram em parte compensadas pela consolidação orgânica desse universo, o que permitiu cativar consumidores e fazer a ponte com o e-commerce.

Também por isso, apesar de celebradas, as parcerias nos marketplaces se tornam desafiadoras. Além da redução da margem de lucro, significam perda de tráfego num momento crucial para as marcas. No caso da Feel, esses motivos foram suficientes para não se associar ao Magazine Luiza neste momento. “Nossa estratégia será seguir para o varejo físico no médio prazo”, disse a fundadora Marina Ratton. As empresárias ouvidas pela DINHEIRO entendem que a próxima fronteira do segmento está no comércio físico, seguindo os passos de outros mercados, como nos EUA, onde os produtos já chegaram às prateleiras da Target e do Walmart, e em países da Europa, onde já se encontra vibradores na Sephora e nos mercados. A Pantynova negocia com a Renner a entrada da sua linha cosmética, cujo tíquete médio é R$ 40. “A iniciativa é testar a recepção no on-line primeiro para depois seguir para o off-line”, afirmou Izabela Starling.