O cabo-de-guerra entre o governo e as operadoras de planos de saúde privados nunca esteve tão esticado. Ao se romper, pode causar um colapso no sistema de medicina suplementar que atende, hoje, 18% da população brasileira, ou 27 milhões de pessoas. Este momento parece perigosamente próximo. De abril a novembro, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), órgão do Ministério da Saúde que fiscaliza o setor, detectou 1,5 milhão de contratos com problemas e aplicou 2.164 autuações sobre um universo de 2.738 empresas. Os motivos são irregularidades que chegam à recusa de atendimento a pacientes segurados e começam em reajustes ilegais de mensalidades. As multas variaram de R$ 5 mil a R$ 50 mil. Nesta sexta-feira, 24, uma gigante do setor vai abrir um pacote de más notícias a seus associados. Com dívidas de R$ 13,3 milhões no mercado e atrasos nos pagamentos a hospitais e laboratórios, a Unimed São Paulo convocou uma reunião com médicos associados na qual vai anunciar a venda do hospital Medicinet, que ainda nem terminou de ser construído na capital paulista, e de um hangar no aeroporto de Congonhas, como forma de tapar seu rombo. É sabido que passar micos pode levar tempo, e, de olho nesta regra, a direção da companhia igualmente vai levantar na assembléia a hipótese de cobrar de seus 2.400 profissionais cooperados uma contribuição entre R$ 10 mil e R$ 12 mil a serem pagos em 24 parcelas. Hoje, um médico da Unimed nada paga à cooperativa. Se houver revolta diante da proposta, a direção da cooperativa, que dá assistência médica a 270 mil pessoas em São Paulo, já conhece a saída: colocar todo o imbróglio à venda.

?No passado, essas empresas tiveram grandes lucros com os reajustes de preços?, lembra o diretor da ANS, João Barroca. ?Agora, as regras mudaram e elas têm de se adaptar?. No outro lado da corda, as empresas gemem. ?O governo quer que viremos um SUS?, reclama Roberto Pinto, diretor executivo da operadora Care Plus, com 28 mil segurados no País. A saúde precária do setor é atribuída às distorções da lei 9.656/98, que regulamentou o sistema. A lei está em vigor desde janeiro do ano passado e prevê que cada reajuste de mensalidade seja antes aprovado pela ANS. O ponto de divergência é o teto estabelecido pela agência. Em junho deste ano, a ANS estabeleceu um reajuste de no máximo 5,4% ao ano para todas as operadoras. ?Isso é igual a responsabilizar as operadoras pela sua própria insolvência?, diz Antônio Kropf, diretor da Amil. ?As operadoras têm de poder definir sua planilha de custos.? Este ano, as empresas pediram um aumento de 15% para os planos. ?Os custos aumentaram e não pudemos repassar o reajuste?, aponta Reginaldo Nakao, diretor da seguradora alemã AGF.

As empresas afirmam também que há uso indevido do sistema. Elas calculam que 20% das consultas pedidas pelos usuários são desnecessárias. Neste ponto, ANS e operadoras concordam. ?É preciso resgatar a técnica do médico que examina um paciente durante uma hora?, afirma Barroca. Os médicos reclamam dos preços que as empresas pagam pelas consultas, que variam entre R$ 10 e R$ 30. O valor é considerado baixo e os médicos dizem ter de marcar várias consultas e atender rapidamente os pacientes. Há consultas que duram cinco minutos. Se há economia com os honorários médicos, os gastos com exames triplicam. A prática não é saudável para ninguém. Todo o desgaste causado por esta relação está assustando empresas estrangeiras. Em 1997, a Aetna, seguradora de saúde dos EUA, formou uma joint venture com o grupo Sul América. Sem o resultado esperado, em junho deste ano a Aetna incluiu a divisão de saúde do Brasil num negócio mundial com a holandesa ING. A AGF passa pelos mesmos problemas. Em todo o mundo, o grupo tem lucros no setor saúde. Aqui, está abaixo da meta. ?O grupo só vai bem porque os outros segmentos dão lucros?, diz Nakao, da AGF. Os bancos também estão desistindo de investir no setor. O Bradesco Saúde, por exemplo, voltou-se ao mercado corporativo e não mais ao de pessoa física. Mais rápido do que parece, o brasileiro corre o risco de ficar desassistido.