Aperte os cintos e se prepare para assistir, a partir de 2001, ao início de um dos períodos mais movimentados da indústria automobilística no Brasil: investimentos bilionários, fábricas entrando em operação, aumento das exportações, novas marcas no mercado. No plano interno, a disputa entre as líderes terá um certo brilho, mas briga boa mesmo acontecerá pela quarta posição do ranking. A chegada do grupo PSA Peugeot Citroën, apresentando uma família completa de veículos, esquenta a disputa direta com a compatriota Renault e a americana Ford. No front externo, as montadoras prometem, enfim, encher os portos estrangeiros com seus modelos made in Brazil. Dizem que, desta vez, o velho discurso da plataforma de exportação é para valer, até porque, garantem os executivos do setor, as fábricas de agora estão aptas a cumprir os padrões de qualidade mundial.

O que está, na verdade, por trás dessa vontade exportadora é uma capacidade instalada que excede, e muito, as necessidades internas. As vendas domésticas, em 2000, não passaram de 1,3 milhão de unidades. A produção total foi superior a 1,6 milhão de veículos. As fábricas instaladas no País têm capacidade para fazer 3 milhões de carros. Em outras palavras, o índice de ociosidade bate à casa dos 50%, muito superior à média mundial do setor, que é de 40%. Enfim, é preciso ligar as máquinas e escoar a produção. Sob pena de perder mercado e dinheiro.

Com a Argentina em ponto morto, o México surge como grande aposta ? muito em virtude do bem costurado acordo bilateral e ainda com a vantagem de servir de porta de entrada para o mercado americano. Há planos para Venezuela, Colômbia e outros países fora do Mercosul. Também há quem veja na África e Oceania uma grande oportunidade. A VW, que em outubro passado bateu recorde mensal de exportações dos últimos dez anos, com a venda de 13,6 mil veículos, diz que manterá o ritmo em 2001. A empresa, comandada por Herbert Demel, fechou 2000 com volume total próximo de 110 mil veículos. Em valores, a VW exportou cerca de US$ 1 bilhão. O bom desempenho começou com a retomada das vendas para os EUA e Canadá, mercados perdidos no início da década, e com a bem-sucedida estratégia para o México. De acordo com Leonardo Soloaga, gerente-executivo de exportações da VW, 63% das vendas internacionais em 2001 serão destinadas ao México. O país vai comprar 70 mil modelos Gol, Parati, Golf e Saveiro. EUA e Canadá ficarão com 22 mil Golfs. ?Também estamos enviando lotes de Gol para Egito e Angola?, revela Soloaga. As exportações já respondem por 21% da produção da VW. Em 1999, a participação era de 12%. Em 2001, eles querem chegar a 25%. Na fábrica de São José dos Pinhais (PR), 45% da produção do Golf tem como destino o mercado externo. Este ano, o número vai aumentar para 55%.

Também em 2001, a Ford coloca em campo vários contratos de exportação de motores, transmissões e veículos prontos. Um lote de 20 mil motores Zetec já está a caminho da Cidade do México. Serão vendidos ainda na África do Sul, Índia, EUA, Argentina e em países da Europa. Do outro lado do mundo, mais precisamente na Austrália, a empresa dirigida por Antônio Maciel Neto já enviou 4 mil unidades da Picape F250 ? fabricada com o volante do lado direito ?, numa espécie de teste piloto. A estimativa é que, em 2001, a filial brasileira esteja exportando cerca de US$ 340 milhões, ante os US$ 270 milhões de 2000. ?Mas superavitário só estaremos mesmo em 2002?, garante Maciel. A Ford registrou entre janeiro e setembro de 2000 um saldo negativo de US$ 150 milhões na sua balança comercial.

Pokémon. É uma situação oposta à da General Motors. Nada que justifique o estouro de champanhe, mas pelo menos a montadora conseguiu zerar suas contas, principalmente com as vendas do Corsa Sedan para a Europa. A Fiat diminuiu em cerca de 10% seu volume de exportações, na comparação com 1999. Mesmo assim, conseguiu reverter a tendência de sua balança comercial. Saiu de um déficit de US$ 50 milhões para um superávit de US$ 150 milhões. Além das vendas do Palio para a Europa, a montadora quer exportar para países da América do Sul o utilitário Ducato, que começa a ser produzido no Brasil este ano.

A maior parte das montadoras apresentou saldo negativo em seus negócios externos. Os números ainda não estão fechados, mas a situação da balança comercial em 2000 deverá ser melhor que a de 1999, quando o saldo ficou negativo em US$ 774 milhões. É pouco provável, porém, que haja superávit. Isso só deve ocorrer em 2001. A projeção para 2000 era exportar o equivalente a US$ 4,5 bilhões, mas o montante foi revisto para US$ 3,9 bilhões. O principal motivo são os problemas econômicos enfrentados pela Argentina, principal cliente das montadoras brasileiras. O país já foi responsável por 50% das exportações brasileiras. Hoje, o índice não passa dos 36%.

Há uma vontade generalizada de abrir os portões do mercado externo. Recentemente, o BNDES brindou as montadoras com R$ 5 bilhões, sendo R$ 2 bilhões para estimular exportações. São mais recursos para um setor que desfruta, como poucos, da bondade federal. ?Não há indústria tão ligada ao governo como essa?, diz Glauco Arbix, professor da USP e especialista em política industrial automotiva. ?Eles pedem dinheiro para montar fábrica e depois mais dinheiro para exportar?. Desde 1950, continua Arbix, as montadoras falam em plataforma de exportação. ?Mas o que sai é muito pouco. Vender para Venezuela ou Egito não quer dizer nada.? Resta saber se a indústria já se adequou às normas de qualidade de outros países, para não repetir vexames como o do modelo Voyage, exportado nos anos 80 com o nome de Fox. O carro foi classificado pelo governo americano como extremamente inseguro. ?Hoje, a indústria nacional está no padrão internacional?, garante Soloaga, da Volks. ?Só estarei convencido quando houver um lote significativo de produtos brasileiros nos mercados americano, asiático ou europeu?, rebate Arbix. Segundo ele, ninguém consegue colocar, por exemplo, carros pequenos, que são o forte da produção nacional, na Ásia. ?A não ser que se instale um pokémon no capô?, ironiza.

As incertezas em relação ao mercado externo fazem com que as montadoras mantenham o mercado interno no topo da lista de prioridades. A linha de montagem da Peugeot Citroën, em Porto Real (RJ), já está a pleno vapor. Em 2001, as concessionárias brasileiras da marca apresentarão duas estrelas mundiais: o Citroën Picasso e o Peugeot 206 com motor 1.0. Os franceses vêm dispostos a disputar o mercado como um todo e não apenas marcar posições em nichos. ?Teremos 7% de participação em três anos?, garante Pierre-Michel Fauconnier, diretor geral do Grupo PSA Peugeot Citroën. Não será uma meta fácil de ser cumprida. A Renault, em dois anos, conquistou mais de 3% e promete duplicar a produção em São José dos Pinhais (PR). ?Hoje, fazemos 20 carros por hora; em 2001 serão 30 e em 2002 cerca de 40?, diz Charles Verdier, diretor da Renault.

Projeto VW. O alvo das duas francesas é a Ford, que até agora não conseguiu a tão sonhada arrancada prometida a cada ano. Antonio Maciel, presidente da montadora, diz que a empresa não pode mais esperar. Tem em seu vácuo duas grandes fabricantes e precisa se mexer rápido. ?Fizemos um investimento grandioso na fábrica de Camaçari (BA) e temos um importante trunfo que é a chegada do Focus?, diz Maciel. O modelo será importado da Argentina. É uma grande esperança da montadora, já que seu desempenho no mundo foi surpreendente, capaz de bater as vendas do Golf no segmento médio do mercado europeu. Além disso, a Ford prepara na Bahia o lançamento do projeto Amazon, uma família completa de veículos. ?O Amazon é a última chance da Ford de virar o jogo?, diz Glauco Arbix.

No topo do ranking, a Volkswagen não vê, pelo menos por enquanto, ninguém no retrovisor. Nem por isso deixou de investir. Somente para transformar a antiga unidade de São Bernardo do Campo em um exemplo de tecnologia, a montadora desembolsou US$ 2 bilhões. Outro US$ 1,5 bilhão está sendo aplicado no desenvolvimento de novas linhas. Entre elas, a PQ24, uma família de veículos que chegará ao mercado em 2001 para substituir os modelos pequenos e médios da montadora. O PQ24, no Brasil, terá a difícil missão de assumir o lugar do Gol, cujas vendas, nos últimos 20 anos, superaram a marca de 3 milhões de unidades. O projeto é uma resposta da Volks ao avanço das rivais no segmento popular. E não são poucos os adversários: Fiat Palio, Renault Clio, Peugeot 206, Ford Fiesta, Chevrolet Corsa e Celta. A General Motors montou nova fábrica em Gravataí e lançou o Celta exclusivamente para tentar uma ?arrancada? no nicho dos carros 1.0. Só que a carreira do Celta começou desastrada. Nem bem saiu do pátio da montadora e voltou à oficina, com problemas na suspensão dianteira. Foi mais um duro golpe para quem teve de fazer, no ano passado, o recall de 1,1 milhão de unidades do Corsa e Tigra. Se há uma empresa que espera como nunca a chegada de 2001, é a GM.