Nem sempre tamanho é documento. Deixando a malícia de lado, o ditado popular pode ser aplicado à situação do Grupo Casino, supermercadista com sede em Saint-Étienne, na França, responsável no Brasil pelas bandeiras Assaí, Extra e Pão de Açúcar. No ano passado foram quase 32 bilhões de euros em faturamento e uma presença de mais de 10,5 mil lojas pelo mundo. Esses números exorbitantes, entretanto, não significam que as coisas vão bem para a empresa comandada porJean-Charles Naouri. Isso porque a dívida do conglomerado europeu também é grande. A companhia encerrou 2020 com dívida líquida de 4,6 bilhões de euros (cerca de R$ 28 bilhões). O nível de endividamento ficou em 1,7 vez o Ebitda (lucro antes de juros, impostos, depreciação e amortização). Isso significa que é preciso quase duas vezes a geração de caixa da empresa para pagar sua dívida líquida.

O resultado não veio do acaso. O alto endividamento é proveniente da expansão acelerada nos últimos anos. No Brasil, a entrada aconteceu com a compra do Grupo Pão de Açúcar (GPA) pouco antes da crise de 2013. Mas, de forma irônica, a saída deve ocorrer pela mesma porta.

Ainda em forma de especulações, dificilmente esse caminho deve mudar. Principalmente porque é a saída ideal para quem precisa de dinheiro. É a visão do professor de varejo da Fundação Armando Alvares Penteado, Amnon Armoni. “Eles alavancaram bastante, inclusive para fazer aquisições e expandir”, disse o especialista. “A situação atual é uma somatória disso aos problemas de gestão.” Para Armoni, o problema não está nas operações do Grupo na América Latina e isso reforça a vantagem de venda. Apesar de concordar com Armoni em relação a capacidade do mercado latino-americano, o especialista em varejo e CEO da TM20 Branding, Eduardo Tomiya, não acredita que a venda das operações do GPA seja um bom caminho para o gigante francês. “São marcas muito bem posicionadas e abandonar isso, nesse momento, seria perder uma grande oportunidade”, afirmou o analista.

Uma saída inicial encontrada pelo Casino foi a cisão do Assaí, no final do ano passado. O processo de spin-off permitiu a criação de duas companhias totalmente independentes, medida que, para o consultor de varejo da Varese Retail Alberto Serrentino foi um bom movimento para destravar valor. “Essa separação deu mais independência para se desvincularem de vez”, afirmou o especialista. “Agora o Pão de Açúcar vai ter que focar em geração de valor.” Para Serrentino, mais importante do que analisar a venda das operações do GPA é analisar o comprador. E o que não falta são possíveis candidatos.

A começar pelo principal rival do Casino, e seu conterrâneo, o grupo Carrefour. Uma aquisição que geraria um gigante e que, até por isso, teria grandes chances de ser barrada pelo Cade ao se aproximar de um monopólio, já que o grupo francês recentemente fechou a aquisição do BIG, antigo Walmart. Outra possibilidade é também grandiosa. E irônica. No mercado, circulam especulações de que Abílio Diniz, empresário brasileiro cuja família fundou o Pão de Açúcar em 1948, está aguardando o primeiro movimento concreto de venda para recuperar seu império e colocar em prática o que pregou em carta aberta publicada em 2015, no auge da crise econômica, quando tentou dar esperança aos empreendedores desiludidos. Em um desabafo, Diniz cravou que as oportunidades sempre existiram no Brasil. “É preciso identificá-las. Crise é uma chance de você mostrar o seu valor quando quase tudo à sua volta está perdendo valor.”

ALTERNATIVA Enquanto boatos sobre vender ou não prosseguem, o Casino nega o falatório e foca na caminhada em soluções digitais como estratégia paralela de recuperação. O mais recente passo nessa direção foi anunciado na terça-feira (6). Uma parceria do conglomerado francês com a consultoria Accenture e o Google Cloud. O plano é aumentar o uso de inteligência artificial e o leque de ferramentas digitais que permitam traçar com mais precisão o perfil do consumidor e antecipar comportamentos de consumo.

Segundo Jean-Charles Naouri, presidente do grupo Casino, as alianças aceleram os planos do grupo. “Isso nos permitirá acelerar duas prioridades: melhorar continuamente nosso atendimento ao cliente por meio de inovações tecnológicas e acelerar o crescimento e a criação de valor de nossas atividades tecnológicas em dados e software”, informou em comunicado. Enquanto nega todas as especulações de venda das operações brasileiras, a francesa olha o mercado para sentir seu valor com potenciais negócios. E esse costume não é de hoje.