De tempos em tempos, a humanidade passa por grandes transformações. Muda-se o modo de se relacionar, de se locomover, de se alimentar, de produzir. Quase sempre por meio do protagonismo da tecnologia. As evoluções já foram pelo arado, máquina a vapor, eletricidade. Na era da digitalização, a velocidade na troca de dados dita o ritmo e molda hábitos da sociedade. A tecnologia 5G tem sido protagonista dessa mudança de patamar global. Demorou, mas o Brasil acaba de dar um salto à modernidade com a realização do leilão das faixas da quinta geração de internet, concluído na última semana. Pelos próximos dez anos, investimentos bilionários da iniciativa privada vão ajudar o País a avançar em produtividade, competitividade, crescimento econômico e bem-estar social da população. Será a chance de disputar mercados com potências mundiais de igual para igual — ou perto disso. A realidade vai depender de fatores outros, como a segurança política e jurídica do Brasil e a criação de um ambiente favorável para atrair mais e novos negócios.

A perspectiva, por enquanto, tem sido positiva. Estudo da consultoria IDC encomendado pelo Instituto IT Mídia aponta que nos próximos quatro anos o 5G vai gerar US$ 25,5 bilhões de novos contratos em território brasileiro. Levantamento 5G Business Potential, da Ericsson, prevê receitas de US$ 28 bilhões impulsionadas diretamente pela nova tecnologia no País até 2030. O prognóstico feito pela Nokia é ainda mais otimista: o impacto da quinta geração de internet no PIB será de US$ 1,2 trilhão nos próximos 15 anos.

Números e possibilidades que fizeram o ministro das Comunicações, Fábio Faria, proferir declarações eufóricas após o leilão. “Teremos um novo Brasil. O mundo vai olhar para o Brasil com uma nova perspectiva. O País mostrou ao planeta que virou um player de economia digital e será o primeiro da América Latina a ser um grande hub de inovações para o mundo”, disse ele na segunda-feira (8), na abertura da 2ª edição do evento Futurecom Digital Week.

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“A rede vai chegar a lugares onde não chegaria sem o leilão. Em um primeiro momento, leva educacão. Depois, emprego” Rodrigo Dienstmann, presidente da Ericsson no Cone Sul.

No total, o leilão do 5G realizado pela Anatel movimentou R$ 47,2 bilhões em valor econômico final. Onze operadoras arremataram 45 lotes (85% do ofertado) de radiofrequências nacionais e regionais nas faixas de 700 MHz, 2,3 GHz, 3,5 GHz e 26 GHz. As faixas funcionam como “avenidas no ar”, mais largas e mais bem asfaltadas, para que os dados trafeguem em velocidades até 100 vezes maiores do que as vias do 4G. “Agora é conectar o Brasil. As telecomunicações foram consideradas serviços essenciais na pandemia e mostraram sua importância”, disse Vivien Suruagy, presidente da Federação Nacional de Call Center, Instalação e Manutenção de Infraestrutura de Redes de Telecomunicações e de Informática (Feninfra). “Vamos aumentar a conectividade do País e nos aproximar das nações mais desenvolvidas do planeta.”

Do valor fechado, R$ 4,8 bilhões vão para o caixa do Tesouro Nacional e podem ser parcelados em até 20 anos — a critério das empresas. Os outros R$ 42,4 bilhões serão investidos diretamente pelas operadoras vencedoras para cumprir obrigações previstas no edital. Foi o maior leilão do setor de telecomunicações brasileiro, superior a todas as licitações anteriores somadas: a venda das faixas do 3G rendeu R$ 7 bilhões; do 4G movimentou R$ 12 bilhões; e a privatização da Telebras, R$ 22 bilhões. Com um modelo não arrecadatório e mais voltado aos investimentos das companhias, houve inversão na visão das teles, que deixam de ser simples fontes de arrecadação de impostos para liderarem a implantação de infraestrutura tecnológica necessária para o desenvolvimento do País. Elas vão demandar agora serviços e produtos (antenas e estações radiobase, por exemplo) de fornecedoras como Ericsson, Huawei e Nokia, que atuam no Brasil.

As três grandes companhias do setor, Vivo, Claro e Tim, ficaram com as frequências nacionais da faixa de 3,5 GHz, considerada a principal do leilão. É exclusiva para o 5G, a mais usada no mundo para essa tecnologia, com capacidade de transmissão de alta velocidade. Atende a demandas tanto do varejo (consumidores finais) quanto da indústria. Como contrapartida, as operadoras terão de migrar o sinal da TV parabólica para liberar a faixa de 3,5 GHz para o 5G, construir uma rede privativa de comunicação para o governo federal, instalar rede de fibra óptica, via fluvial, na região amazônica, levar fibra óptica para o interior do País e disponibilizar o 5G em todas as capitais até julho de 2022. “Vamos promover, de forma acelerada, o acesso digital para o maior número de pessoas e empresas em todo o País”, disse Christian Gebara, CEO da Vivo, líder do setor, em comunicado, ao ressaltar o potencial do 5G para mudar a forma como vivemos e como as empresas fazem negócios.

EUFORIA Ministro das Comunicações, Fábio Faria comemorou o resultado do leilão: “O mundo vai olhar para o Brasil com uma nova perspectiva”. (Crédito: Isac Nóbrega)

O trio das principais operadoras do País ficou ainda com boa parte da faixa de 26 GHz — Algar Telecom, Neko e Fly Link foram as que venceram lotes regionais desse espectro — a última desistiu dias depois do leilão e, por isso, sofrerá sanções. Essa frequência tem maior capacidade de transmissão de dados, ideal para Internet das Coisas (IoT). Pelas regras do edital, as operadoras têm, agora, obrigação de levar internet às escolas do País.

OPORTUNIDADES O Brasil também ganhou mais uma empresa que vai operar em âmbito nacional, a Winity. Criada há um ano pela gestora de ativos Pátria Investimentos, arrematou a faixa de 700 MHz, que é compatível com o 5G, mas será destinada principalmente à ampliação do 4G. Ela vai oferecer serviço de conectividade no modelo de atacado, em que outras companhias poderão alugar parte da rede para, então, levar internet aos consumidores finais. Como contrapartida, a Winity terá de levar conexão para 31 mil quilômetros de rodovias federais que hoje não possuem acesso à tecnologia. Já a faixa de 2,3 GHz, foi dividida em duas: o bloco de 50 MHz teve como vencedoras Claro, Brisanet e Vivo; e o de 40 MHz, Vivo, Tim e Algar Telecom. Essa frequência é compatível com o 5G, mas será dividida com o 4G, que será levado pelas companhias a 95% das áreas urbanas que ainda não possuem esse serviço.

A chegada do 5G vai gerar mudanças na experiência das pessoas ao usar a internet. A primeira a ser sentida será na velocidade dos dados, via banda larga móvel. A abertura de sites, fotos e vídeos será extremamente rápida. Clicou, abriu. No streaming, filmes não terão quaisquer interrupções durante a exibição. Jogos serão mais interativos. E as realidades virtual e aumentada ganharão espaço — na linha do metaverso anunciado por Mark Zuckerberg para o novo Facebook — o que vai expandir os horizontes de participação e usabilidade da tecnologia no trabalho, na educação, no lazer.

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“Vamos aumentar a conectividade do país e nos aproximar das nações mais desenvolvidas do planeta” Vivien Suruagy, presidente da Feninfra.

A quinta geração de internet possibilita outras evoluções para o Brasil. E aqui vale uma ponderação: apesar de o 5G ser a vedete, é o 4G que vai resolver boa parte dos atuais problemas de conexão. A quarta geração ainda não está totalmente implantada em um terço das cidades brasileiras, segundo a Anatel. Em dezembro de 2020 havia 5.441 municípios com cobertura 4G, sendo que 3.513 deles eram totalmente atendidos em setores urbanos. Significa dizer que em 35,43% das cidades (1.928 áreas municipais) não há cobertura urbana total de 4G. Pior: apenas 146 municípios tinham cobertura total em setores rurais e 124 cidades não tinham qualquer serviço 4G.

Quando analisada a cobertura 4G em rodovias federais, o apagão de conexão atinge mais da metade da malha. No País, 25.030 quilômetros de rodovias, de um total de 53.944 quilômetros, são amparados por 3G ou 4G, equivalente a 46,4% das estradas cobertas em pleno século 21, no momento de maior hiperconexão digital da história da humanidade. Esses buracos digitais nas estradas prejudicam o rastreamento de cargas, atrapalham serviços de logística e atrasam aplicações de soluções para a diminuição de acidentes e melhoria no atendimento ao usuário.

O apagão da conectividade do Brasil também atinge as escolas. A previsão do Ministério das Comunicações é de que, a partir das obrigações das operadoras, 13 mil instituições de ensino receberão o 4G e outras 72 mil, o 5G. O plano é de longo prazo, pelos próximos dez ou 20 anos. Soa panglossiano (otimismo em situação de severa adversidade) diante da realidade de que inúmeras delas nem sequer possuem energia elétrica ou mesas e cadeiras adequadas para os alunos. Por isso a iniciativa no âmbito da educação é considerada apenas o início de um processo para democratizar a tecnologia voltada ao ensino e reduzir as desigualdades. “A rede vai chegar a lugares onde não chegaria sem o leilão. Em um primeiro momento, leva educação a vilarejos. E, como consequência, em um ciclo de poucos anos, gera emprego”, disse Rodrigo Dienstmann, presidente da Ericsson para o Cone Sul da América Latina, líder do mercado brasileiro em equipamentos de 4G, com 52% de market share — as outras duas fornecedoras são Huawei e a Nokia. A companhia sueca tem no Brasil uma de suas quatro fábricas. O parque industrial em São José dos Campos (SP) ganhou em março uma linha de montagem exclusiva de equipamentos para 5G que abastecem países da América Latina, Europa e os Estados Unidos.

Se vai haver evolução nesses pontos a partir da conexão entre as pessoas, a revolução propriamente dita ficará a cargo da conexão entre as máquinas por meio do 5G, com o IoT (internet das coisas). Essa nova tecnologia será a habilitadora da Indústria 4.0 e vai também ser a responsável pelo desenvolvimento do agronegócio, da medicina, da mobilidade, da logística e de outros setores produtivos e estratégicos da economia brasileira. É aqui que a mágica do 5G vai acontecer. Cofundador e CEO da Phygitall, startup especializada em tecnologias LoRa, Wi-fi e Bluetooth, Gustavo Nascimento afirmou que as empresas brasileiras estão atrasadas em redes wi-fi corporativas. “Isso vai avançar e a automação de processos e conectividade de pessoas vão evoluir.”

PREPARO Líder no setor, a sueca Ericsson inaugurou em março uma linha de produção de equipamentos 5G na fábrica de São José dos Campos (SP). (Crédito:Divulgação)

NA PRÁTICA Operadoras e fornecedoras de equipamentos têm feito testes práticos com 5G desde 2019. São centenas de casos de uso com resultados eficientes, que vão desde caixas eletrônicos inteligentes até experiências bem-sucedidas com gigantes do agro e na indústria automobilística. A Ericsson, em parceria com a Vivo, utiliza na Fazenda e Usina São Martinho, em Pradópolis (SP), um drone 100% conectado à nova tecnologia. A parceria já permite acelerar a transformação digital da empresa, em especial no mapeamento de falhas em linhas de plantio, controle inteligente de pragas, localização de incêndios e outras funcionalidades. “Brasil pode ser hub de exportação de tecnologia para logística, agronegócio e outros setores”, disse Rodrigo Dienstmann, da Ericsson.

A Tim, com a Accenture, implantou uma rede privada de 5G no Polo Automotivo Stellantis de Goiana (PE). A planta inteira da fábrica foi integrada. Em uma das etapas, uma câmera captura imagens durante o trajeto dos carros que estão sendo montados ao longo da linha de produção. São transmitidos dados em tempo real, pelo software da Accenture hospedado na nuvem. A inteligência artificial verifica as conformidades dos processos e informa aos operadores de inspeção de qualidade os resultados para a liberação ou não do veículo. No fim, indicadores de performance orientam os gestores quanto à qualidade de todo o trabalho.

Para Marcelo Motta, diretor global de cibersegurança da Huawei, a tecnologia permite esses ganhos com aplicações inteligentes. “Temos casos de uso de redução do ciclo de produção de 17 horas para sete horas. E eficiência de 30%. É expressivo”, disse o executivo da companhia chinesa que detém 40% do mercado local.

AVANÇO Nova empresa de telecomunicacão a operar em âmbito nacional, a Winity arrematou a faixa de 700 MHz e vai levar conexão para 31 mil quilômetros de rodovias federais. (Crédito:Luis Lima Jr )

DESAFIOS O Brasil discute a implantação do 5G desde 2019. A primeira previsão de realização do leilão era para março de 2020. Não ocorreu. Foi adiado para o primeiro semestre de 2021. Também não foi efetivado. Os atrasos foram por falta de documentos, explicações e detalhamentos para formulação do edital. Enquanto isso, Estados Unidos, China e países da Europa avançavam havia pelo menos dois anos na utilização da quinta geração de internet. Uma perda de tempo que custou caro ao Brasil. Segundo o estudo do Instituto IT Mídia encomendado à consultoria IDC, a demora para a realização do leilão resulta em perdas de US$ 2,2 bilhões em negócios entre empresas que deixam de ser gerados de 2020 a 2022. “Estamos chegando depois, mas estamos chegando melhor. Vamos aproveitar a oportunidade para dar salto nos gaps que temos”, disse Leonardo Capdeville, CTIO da Tim.

Para garantir o pleno funcionamento do 5G, também deve haver atenção especial das empresas aos chips, diante da crise no abastecimento global do produto. Os aparelhos de radiofrequência e as antenas dessa tecnologia usam semicondutores mais potentes e complexos. Não é esse que está em falta, pois é usado em menor escala — cerca de 2% do total produzido no mundo ­— e teve sua produção melhor planejada. O problema está nos chips mais simples, utilizados em máquinas e carros, por exemplo. Dessa forma, o 5G pode estar apto e disponível para sua aplicação, mas não será usado porque os dispositivos a serem conectados não terão componentes.

A atualização das leis das antenas é outro ponto de cuidado a ser analisado. Segundo a Feninfra, apenas sete capitais estão com a legislação atualizada e podem receber equipamentos para funcionamento do 5G. Em São Paulo, principal cidade do País, as regras são de 20 anos atrás. Estudo da startup Phygitall revela um déficit de 100 mil antenas para as redes atuais (2G, 3G, 4G) no Brasil e o 5G demandará cinco vezes mais do que isso, pois as antenas — do tamanho de uma caixa de sapato — precisam estar mais baixas e mais próximas umas das outras. Cada cidade tem de aprovar sua lei das antenas, pois são os municípios os responsáveis pelo uso e ocupação do solo. Os aparelhos serão posicionados em prédios públicos, postes, fachadas de comércios, pontos de ônibus. A expectativa é de uma corrida nos legislativos municipais para aprovação de leis mais atuais, formuladas pelas prefeituras. “É necessário acabar com as legislações atrasadas para instalação rápida das antenas. Falta razoabilidade”, disse Vivien Suruagy, da Feninfra. Com o 5G, o potencial de evolução para o Brasil é enorme. Resta saber se a falta de uma política nacional séria e desenvolvimentista vai atrapalhar esse crescimento.

5G NA EDUCAÇÃO
Melhorar a experiência de aprendizagem do aluno em aulas remotas é um dos principais ganhos da entrada do 5G no setor. Com mais velocidade e maior conectividade, ganha-se em tempo de aula, pois não haverá mais espera por donwloads lentos. Uso de realidades virtual e aumentada, com ambientes e objetos mais realísticos e em 3D, adicionará conteúdos para envolver os estudantes. Criação de novos apps, gamificação avançada e interatividade remota mais eficiente são outras frentes que devem evoluir. Vale lembrar, no entanto, que o ganho da Educação do Brasil também se dará pela expansão da rede 4G em milhares de escolas onde hoje não existe conexão com a internet.

5G NA SAÚDE
É esperada melhoria significativa no atendimento médico. A telemedicina, que teve forte avanço durante a pandemia com o 4G, ganhará outras possibilidades. Consultas remotas mais assertivas e exames à distância, seja na coleta ou envio de resultado, serão desenvolvidas com mais ênfase. Inúmeros dispositivos, equipamentos e aparelhos conectados ao mesmo tempo sem interferir na qualidade da conexão. Maior gama de dispositivos vestíveis, implantes e rastreadores conectados ao 5G poderão realizar a captação de dados e troca de informações em tempo real. Analytics em alta no setor. Isso fará com que o monitoramento de pacientes seja mais ágil. Perspectiva de cirurgias remotas com mais incidência e precisão, sem latência, apesar de alguns especialistas apontarem para a conexão por fibra óptica ser mais segura do que por radiofrequência.

5G NA MOBILIDADE E LOGÍSTICA
Na transformação da mobilidade urbana, o 5G vai potencializar tendências como carros autônomos e elétricos. Haverá redução de acidentes, mais segurança no trânsito, maior produtividade, menor consumo, menor pegada de carbono e melhoria da qualidade de vida, com tecnologias embarcadas no transporte público, com soluções de geolocalização e reconhecimento em metrô, trens, ônibus e carros, o que possibilita a conexão do ecossistema de transporte urbano por meio de inteligência artificial. Criação de ferramentas de engenharia de tráfego para veículos, bicicletas e pedestres. Por meio de veículos mais tecnológicos e estradas conectadas, a logística deve ganhar em eficiência e segurança, com maior controle e monitoramento de dispositivos.

5G NA INDÚSTRIA 4.0 E AGRO
Fábricas e sistemas mais automatizados e autônomos, com conexão entre máquinas e objetos a partir do IIoT (Industrial Internet of Things), que permite uma linha de produção mais rápida e eficiente, com coleta de informações e integração dos processos. Novas possibilidades na manutenção preditiva e preventiva de máquinas, controle de estoque, experiência do consumidor e clientes. No agro, a conexão em rincões rurais vai evoluir os processos no campo e permitirão reduzir custos e ganhar em produtividade. Melhor avaliação das condições climáticas, do solo, de plantações e rebanhos.