O turismo brasileiro começa a enxergar um céu azul de retomada. Possivelmente o segmento mais atingido pela pandemia da Covid-19, sendo o primeiro a fechar as portas e um dos últimos a reabrir as fronteiras, o setor já enxerga na procura por pacotes de viagens para a próxima temporada o sinal claro de que a recuperação chegou. O avanço da campanha nacional de vacinação, ainda que tenha demorado para engrenar de fato, e o fim da maior parte das restrições sanitárias e de circulação de pessoas, explicam um pouco a volta do turista.

No primeiro semestre deste ano, o turismo nacional registrou faturamento de R$ 58 bilhões, queda de 3,1% em relação ao mesmo período do ano passado. O levantamento foi realizado pelo Conselho de Turismo da Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). Vale lembrar que o isolamento social começou no fim de março de 2020, o que garantiu uma temporada de verão sem sobressaltos e que assegurou um bom resultado no ano passado. Por isso, ainda que em queda, o resultado dos primeiros seis meses do ano já é visto como bom termômetro para o restante do ano. Quando observado o resultado de junho, a seta dispara. Somente no mês o turismo no Brasil faturou R$ 10,2 bilhões, 47,3% a mais do que foi registrado em junho de 2020, auge da pandemia no País.

RETOMADA Dados da Associação Brasileira de Agências de Viagens (Abav) ratificam esse processo de retomada, ainda que em ritmo cadenciado. Segundo a associação, o setor faturou em 2019 R$ 33 bilhões, número que corresponde ao repasse das agências para os hotéis, receptivos e todo o pacote envolvendo viagens. Em 2020, o tombo foi grande. A queda em relação ao ano anterior chegou a 58,7%, com receita que somou apenas R$ 14 bilhões. Para este ano, o cenário é bem diferente. A perspectiva é de chegar a 70% do valor registrado em 2019, atingindo a casa de R$ 23 bilhões. Se ainda não é o ideal, é um respiro considerável para as empresas que amargaram a ausência dos clientes nos últimos 18 meses.

E é justamente nessa esteira de otimismo que uma das marcas mais icônicas da hotelaria mundial chega ao Brasil. Presente em 200 cidades e 77 países, a Hard Rock Hotel desemabarca no País com oito unidades hoteleiras, que serão entregues entre 2022 e 2032. O primeiro será o resort de Fortaleza, previsto para outubro do ano que vem. “Em 2014 conheci a equipe do grupo Hard Rock, que demonstrou interesse no Brasil. É um mercado muito atraente. Fizemos um alinhamento de interesses”, disse Samuel Sicchierolli, CEO da VCI SA, incorporadora responsável pela construção dos empreendimentos e pela parceria com o grupo internacional.

Pelo acordo, a VCI cuida da incorporação imobiliária, põe de pé as unidades e paga uma comissão pelo uso da marca. Depois de pronto, a gestão é entregue para a Hard Rock. Os investimentos somam R$ 3 bilhões. Já foram aportados R$ 500 milhões. O Valor Geral de Vendas (VGV) total é de R$ 6 bilhões. Até aqui, o grupo já alcançou a marca de R$ 1 bilhão em vendas.

TUDO EM UM SÓ LUGAR Resorts da marca, que atua em 77 países, são conhecidos por oferecer lazer, gastronomia e conforto; primeira unidade no Brasil será em Fortaleza. (Crédito:Divulgação)

Além do resort na capital cearense, serão mais sete Hard Rock no Brasil: Campos do Jordão (SP), Foz do Iguaçu (PR), Ilha do Sol (PR), Jericoacoara (CE), Natal, Recife e São Paulo. A primeira fase de Fortaleza está com 100% comercializada e a segunda, com 85%. Ilha do Sol já vendeu 92% das unidades. São Paulo completa a rodada inicial de hotéis que estão em execução. Os demais, já com terrenos adquiridos, estão em fase de aprovação do projeto e de obtenção de licenças.

Mas, diferentemente dos outros sete, o hotel na capital paulista, que ficará na Avenida Paulista, um dos mais importantes centros financeiros do País, será o único no modelo tradicional, com modelo de hospedagem como a maior parte da rede hoteleira do Brasil. No formato mais business, terá, possivelmente, o restaurante mais caro do Brasil, de uma rede internacional, ainda não revelada. Os demais sete serão no sistema multipropriedade, modelo relativamente novo no Brasil, aprovado por lei em 2019. Nesse formato, é possível que imóvel tenha mais de um proprietário. O cliente fica dono de um quarto do hotel por duas semanas. Isso significa que cada unidade hoteleira pode ter até 26 donos. E se ele não usar a hospedagem no período, pode colocar para locação ou utilizar uma das 4,3 mil opções no mundo, pelo sistema RCI de compartilhamento, incluindo qualquer hotel da Hard Rock. É possível, por exemplo, ser proprietário da fração em Fortaleza, mas poder usar a unidade de Paris. Isso sem pagar nada a mais. A fração do quarto sai por R$ 80 mil. E é possível um retorno do investimento (payback) por volta de cinco anos, caso o investidor prefira alugar sua unidade em vez de usufruir da hospedagem. “Com o aluguel do quarto nessas duas semanas, o cliente pode receber até R$ 15mil. Isso significa que depois do sexto ano dá para obter lucro. Além disso, é a convicção de que não vai mais precisar mais pagar hotel em qualquer lugar do mundo nunca mais”, afirmou Sicchierolli.

O executivo do VCI conta que a pandemia não afetou a procura pelo empreendimento. “A gente conseguiu acelerar porque era uma das únicas incorporadoras que já tinha venda on-line preparada. Foi aí que o planejamento encontrou a oportunidade. E tem a força da marca.”

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“O turismo de lazer está muito forte porque as pessoas não aguentam mais ficar em casa” Edmilson Romão Vice-presidente da ABav.

Nem a ausência de turistas estrangeiros, já que por um bom tempo a fronteira brasileira ficou fechada, impactou na comercialização. A maior parte dos interessados é de brasileiros. No caso de Fortaleza, 50% dos apartamentos foram vendidos para cearenses, 25% para paulistas, 7% para europeus e o restante para outras localidades do País. No Paraná, quase 70% foram vendidas para moradores do próprio estado e 15% para paulistas.

OTIMISMO O vice-presidente da Abav, Edmilson Romão, diz que o aumento do volume da procura por viagens mostra que o fim de 2021 e a temporada de férias deve ser muito próximos do que foi observado em 2019, antes da pandemia. “O turismo de lazer está muito forte porque as pessoas não aguentam mais ficar em casa. E o corporativo começa a andar, com o arrefecimento dos casos e reabertura de países”, afirmou. Para Manoel Linhares, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (Abih), o setor vive uma recuperação, mas ainda vai precisar de tempo para recuperar as perdas. “Chegamos a ter 90% dos hotéis brasileiros fechados. A média de ocupação no auge da crise foi de 8% e é necessário pelo menos 60% para alcançar o ponto de equilíbrio”, disse. “Para voltar aos patamares de 2019, vamos ter de esperar até 2023. Por enquanto, os modelos que têm registrado recuperação mais rápida têm sido justamente resorts e hotéis de praia”, disse Linhares.

Para o CEO da VCI, o País lidou mal com a crise e a forma como afetou diretamente o setor de turismo. “O fechamento deveria ter sido de forma faseada e não lockdown no estado”, disse. “A imagem do Brasil lá fora é ruim. Mas como 98% de nossos clientes são brasileiros, somos favorecidos. Se não quiser viajar para fora, vai ter um bom serviço por aqui.” Padrão 5 estrelas, sotaque brasileiro e uma boa dose de rock. Mistura para atrair o turista brasileiro. E em segurança.

ENTREVISTA: Samuel Sicchierolli, CEO da VCI
“O Brasil lida mal com o turismo desde sempre, e não podemos mais perder oportunidades”

Como o Brasil lidou com o turismo durante a pandemia?
Mal. A pandemia começou pelos lugares onde tinha maior quantidade de voo internacionais. Fortaleza tinha 55 por semana. E agiram com certa coerência. No entanto, houve cidade do interior que ficou oito meses fechada, mas sem nenhum caso de Covid. Deveria ter sido feito de forma faseada. Não lockdown no estado inteiro. O Brasil lida mal com turismo desde sempre, e não podemos mais perder as oportunidades. Existe uma série de problemas que afeta essa questão, como logística precária e exigência de vistos. Há um movimento para aprimorar a forma de realizar o turismo, mas há um caminho longo pela frente.

Aproveitamos mal essas oportunidades?
Se for ver a quantidade de americanos que viajam para o México ou europeus para Ásia, vemos que aproveitamos mal as oportunidades. O aproveitamento do turismo no Brasil ainda é muito baixo. E as condições por aqui poderiam ser melhores. A gente aproveita mal e tem a questão da insegurança generalizada.

A imagem do governo brasileiro no exterior atrapalha?
Atrapalha. A imagem do País lá fora, não só nesse governo, é ruim. Há problemas de segurança pública, questões ambientais, da forma de lidar com a pandemia. Faz tempo que a imagem fora não é positiva. Mas para a gente isso não é a maior preocupação. Atualmente, 98% dos clientes da indústria nacional do turismo é sustentada por brasileiros. Temos produtos 5 estrelas com padrão internacional sem sair do Brasil. Isso nos favorece. Essa é a nossa grande vantagem. Se não quiser viajar para fora, vai ter um bom serviço por aqui. Se o Brasil tivesse imagem positiva, eu teria sala de venda em Paris ou Miami. Só mostrar praia bonita não atrai o turista.

A pandemia atrasou as obras do Hard Rock no Brasil?
Atrasou um pouco. Do ponto de vista comercial, acelerou as vendas. A gente era uma das únicas que tinha venda on-line preparada a conseguir patamar alto. Foi quando o planejamento encontrou a oportunidade. E aí tem a questão da força da marca. Isso fez diferença com relação aos nossos principais concorrentes.

Como funciona o modelo de multipropriedade do grupo?
Esse modelo de compartilhamento permite que o investidor tenha acesso a um hotel 5 estrelas que não teria se fosse comprar sozinho. A nossa missão é garantir férias de popstar para todos os brasileiros. Ele pode ter apartamento pagando R$ 80 mil parcelados em 60 meses e usar duas semanas no ano. Nas outras 50 semanas, quem comprou vai alugar o apartamento. Se o cliente não puder usar na sua semana, pode alugar ou fazer intercâmbio, utilizando hotéis da rede em qualquer lugar do mundo. Significa que um apartamento no Hard Rock no Brasil, com exceção de São Paulo, que será no modelo tradicional, pode ter 26 donos.

Quais as melhores unidades da rede no mundo?
Já visitei muitos países. Tem unidades muito interessantes. Gostei muito do da China. Um que fica perto de Cingapura, dentro da Universal, também é muito bonito. O que fica perto da Florida é bem interessante. Há alguns muito bons no México. Não sei se eu teria um preferido.

Os hotéis no Brasil terão o mesmo conceito de valorizar estrelas do rock?
Sim. Isso é obrigatório. São as memórias do rock. O grupo tem 82 mil itens originais, com processo de certificação. Hoje o Hard Rock é o maior museu do rock do mundo. Esses itens vêm para o Brasil. Somente em Fortaleza e Ilha do Sol vamos gastar R$ 6 milhões com importação desses materiais. Há peças do Bon Jovi, Elton John, Rod Stewart. Estamos querendo trazer para a unidade da Ilha do Sol um ônibus que foi dos Beatles. Para ficar no lobby no hotel.

Vai ter itens de brasileiros?
Sim. Estamos criando as memórias brasileiras. Já temos peças dos Titãs, Capital Inicial, Frejat e Ratos do Porão. Vários artistas já estão nos procurando e algumas já estão conosco. Para o artista é muito bacana e é um orgulho para o nosso País.