Foi durante um MBA em que estudavam juntos nos Estados Unidos, no fim da década passada, que Victor Noda conheceu Marcelo Marques. Os compatriotas não demoraram a desenvolver uma grande amizade dentro e fora das aulas na Kellogg School of Management. Juntos, começaram a desenvolver projetos de novos negócios. O primeiro ficou conhecido como Looki. “Criamos um modelo de leilão de eletrônicos, que tinha um conceito de gamification”, diz Noda, cofundador e CEO da Mobly. “Era algo que estava ‘bombando’ na época”. O projeto, vendido a um brasileiro, não prosperou, mas serviu de experiência para os jovens empreendedores. “Nós tínhamos o desenvolvedor na Índia e parceria com varejistas brasileiros”, afirma. Passada a primeira empreitada, Noda e Marques voltaram ao Brasil e partiram para novos desafios. Em 2011, inspirados pela rede americana Wayfair, criaram a Mobly, e-commerce de móveis e decoração. “Naquela época, a Wayfair faturava US$ 500 milhões por ano e havia acabado de levantar US$ 100 milhões numa rodada de investimento”, diz Noda. “Isso chamou a nossa atenção. No Brasil, as principais redes eram a Tok&Stok e a Etna, mas elas trabalhavam com um mix de produtos bem reduzido em seus sites.”

Com objetivo de oferecer uma cauda longa, com grande variedade de produtos dentro da categoria de móveis e decoração, a Mobly foi aos poucos atraindo atenção de fundos de investimento. Antes mesmo de ter o projeto estruturado, o fundo alemão Rocket Internet, acionista majoritário da Dafiti, e o family office sueco Kinnevik aportaram € 5 milhões no projeto. “O site foi muito bem desde o início. Lançamos em novembro, com faturamento de R$ 100 mil. Em fevereiro de 2012, já faturávamos R$ 3 milhões”, diz Noda. Para colocar o projeto de pé, no entanto, houve outros desafios. Noda e Marques perceberam que precisavam de alguém com experiência em solucionar os gargalos da complexa logística do País. Para isso, eles contaram com a ajuda de Mário Fernandes, que trabalhou na Cervejaria Ambev. O negócio cresceu de forma exponencial e atraiu novos investidores nos anos seguintes, até que a Rocket Internet resolveu aumentar a sua participação na empresa, em 2014, para alavancar os investimentos. No mesmo ano a empresa criou a MoblyLog, uma transportadora própria que hoje entrega 40% de todos os pedidos realizados na empresa. “Fizemos isso para conseguir otimizar a cadeia como um todo, porque ninguém é especializado na entrega de móveis. Com isso, reduzimos custos e ganhamos em eficiência”, diz Noda.

AMBIENTE MULTICONECTADO Sete totens de autoatendimento e 35 tablets apoiam a jornada de experiência do consumidor na loja (Crédito:Divulgação)

IPO EM FRANKFURT Além da Mobly, a Rocket Internet também realizou aportes na alemã Home24. Em 2018, uma fusão entre a Mobly e a Home24 levou o grupo à oferta inicial de ações na Bolsa de Frankfurt. No IPO, a companhia foi avaliada em € 800 milhões e conseguiu captar € 170 milhões. Uma parte pequena desse aporte, R$ 6,5 milhões, serviu de investimento para a primeira loja física da Mobly, inaugurada em 12 de julho. Localizada na Marginal Pinheiros, ponto de grande fluxo de veículos na capital de São Paulo, a unidade de 4,5 mil m² de área nasceu com conceito omnichannel. Na carteira de recursos tecnológicos há wi-fi gratuito, 7 totens e 35 tablets espalhados pela loja para autoatendimento, auditório com projeção para eventos, além de self checkout. Para Eduardo Terra, presidente da Sociedade Brasileira de Varejo e Consumo (SBVC), o primeiro tipo de inovação a se tornar uniforme no varejo será voltado a agilizar meios de pagamentos e evitar filas nas lojas. “Tem etapas na experiência de um cliente nas quais ele quer automação e tem etapas em que ele não quer. Ninguém gosta de pegar fila para pagar um produto. Nesse sentido, tudo o que as empresas trouxerem de automação para diminuir esses atritos será bem-vindo. A China é um grande exemplo disso”, afirma Terra.

Segundo o especialista, o aporte realizado para a primeira loja física da Mobly mostra que a empresa está buscando o equilíbrio entre os canais de venda. “A Mobly conseguiu um grande volume de vendas sem o suporte de lojas físicas. Mas ela percebeu que é difícil existir uma operação que seja só on-line”, diz Terra. O CEO da empresa concorda e já planeja novas etapas para desenvolver a expansão da marca com outras unidades. “Essa loja é um piloto. E tem sido um sucesso. Com certeza, iremos escalar esse projeto, mas ainda não sabemos quando e nem para onde vamos”, afirma Noda. Em setembro, a unidade recebeu mais de 35 mil visitantes. “Estamos recebendo quase 30% mais pessoas do que projetávamos antes de lançar a loja”.

Um dos grandes desafios para a venda de produtos de móveis e decoração pela internet é o fato de que os produtos são volumosos e que os brasileiros ainda são acostumados a conhecer cada item antes do momento da compra. Com um catálogo com mais de 220 mil opções, a Mobly lançou recentemente uma opção de realidade aumentada. Pelo aplicativo móvel da empresa, o cliente consegue projetar o tamanho real do móvel que está comprando para sua casa. Além disso, em seu site, existe um serviço que permite com que o cliente encontre produtos semelhantes a partir de qualquer imagem. A experiência do consumidor na loja física também é suportada pela tecnologia. Totens espalhados pela unidade auxiliam cada etapa do processo. “Nós temos os telões que o cliente pode usar para ir adicionando os produtos no carrinho. Ele pode começar esse processo em um lado da loja e finalizá-lo em outro”, diz o executivo. A Mobly é uma prova de que a velocidade da inovação nos negócios só cresce. E as marcas tradicionais que não entenderem isso ficarão cada vez mais para trás.